Capítulo 23 ou "Talento para mentiras"

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Naquela mesma noite, eu recebera um convite especial.

A ideia fora de Dolores, a única pessoa sensível o suficiente para saber o que eu estava precisando, que era exatamente algum tempo com meus amigos. Desde a volta de Zaca a Vitória eu não passava algum tempo com pessoas de que gosto só por passar, mesmo porque, depois disso eu praticamente só vivia para escola, trabalho voluntário e trabalho na lanchonete. E agora até mesmo o tempo que eu passava em casa estava longe de ser considerado relaxante, porque eu tinha algo que nunca tivera com que me preocupar antes: meu pai escondendo coisas de mim.

Parte de mim não deixava de cogitar a possibilidade de Nicholas ter enfiado aquela ideia na cabeça dela, para se esquivar das minhas esquivadas. De encarar tudo o que ele sentia por mim, e me desafiar a entender meus sentimentos por ele, em vez de ignorá-los totalmente como eu fizera até então.

Só que isso não ia acontecer, porque revirar meus sentimentos por Nicholas significava definir o atual status dos meus sentimentos por Lucas Avelar, e eu me recusava a comprometer minha sanidade dessa forma.

Então, nós quatro, Nicholas, João, Dolores e eu, passaríamos uma noite na casa da árvore do quintal dos fundos dos Jordan, que, por um milagre, ainda estava de pé. Como fazíamos nos velhos tempos.

– Olha o que eu trouxe. – Dolores disse, puxando uma garrafa de vodka da boa, provavelmente surrupiada do estoque pessoal de seus pais.

– Mulher, é por isso que eu te amo. – João disse, dando-lhe um beijo orgulhoso na testa.

Dolores sorriu, altiva em sua façanha, e eu sorri de volta pela sua excelente percepção da realidade. Dados os recentes acontecimentos, acho que todos poderíamos nos beneficiar de uma boa dose de vodka, e álcool provavelmente era a única coisa nesse mundo que aliviaria a tensão entre Nicholas e eu. Caso o assunto acabasse ou alguma coisa constrangedora fosse dita, eu só enfiaria montes de bebida garganta abaixo e preencheria o silêncio com piadas sobre a minha própria embriaguez.

– Dá pra acreditar que esse lugar ainda existe? – ela comentou, entortando o pescoço admirando as paredes de madeira da caixinha que ficava encarapitada sobre a árvore.

– Será que ainda aguenta o peso de nós quatro?

– Provavelmente não o seu, bombadão. – a voz de Nicholas fez às minhas costas, e eu me virei para dar de cara com a sua figura iluminada pela luz da porta dos fundos dos Jordan. Ele trazia consigo três cobertores: um maior para Dolores e João, e dois menores para eu e ele, o que era muito bem-vindo, porque o frio estava de matar.

Apreciei a sutileza no fato de ele não sugerir que dividíssemos um cobertor, quando menos de doze horas antes eu rejeitara seu convite para um encontro.

E ele estava certo sobre o peso. João devia pesar o equivalente a nós três juntos, e a casa na árvore já estava ali há tempo o suficiente para que desabasse com nós todos lá dentro. Isso não nos impediu de subirmos, mesmo porque eu deixei bem claro que ninguém provaria os quitutes do tio Edu enquanto não estivéssemos todos lá em cima.

E a comida da lanchonete era boa o suficiente para ser material de chantagem. E essa era a minha noite normal com amigos, afinal de contas. Eu podia fazer exigências.

Os quatro de nós subimos desajeitadamente sobre os tocos de madeira que faziam degraus grosseiros até o topo da árvore. Me parabenizei mentalmente por vestir moletom, porque não havia a menor possibilidade de eu me dobrar dentro daquele caixote de vestisse algo menos confortável como jeans. No segundo em que me dei conta de que estávamos nós quatro, na casa da árvore dos Jordan, comendo fritura e virando doses de vodka, como se o tempo não tivesse passado.

Quem Brinca Com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora