Capítulo 16 ou "Inocente sim, livre nunca"

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– Que belo dia para se estar na Fundação. – comentou Dolores enquanto atravessávamos os portões da escola no meu primeiro dia de volta depois de ser inocentada. Apesar do inverno que já mostrava seu potencial em Viveiro, e eu vestir apenas jeans e moletom, me sentia aquecida por dentro.

– Valéria Corrêa atualizou seu status para livre da merda toda. – brincou João, e eu soltei uma gargalhada pois, apesar de eu não ser muito de usar internet e redes sociais, eu definitivamente sentia vontade de disponibilizar aquela informação ao público exatamente daquela forma. Ele emendou: – E, aparentemente, voltou a ser capaz de rir! Muitas vitórias para um só dia.

– Se disser que não pensou no finado Lucas no dia de hoje, ela zera a vida. – torceu ela, erguendo as sobrancelhas para mim na esperança de ouvir uma resposta positiva.

É claro que João e Dolores tinham subido no terraço da minha casa para me encontrar aos prantos, durante a minha despedida imaginária de Lucas Avelar. Imaginária, porque o imbecil não me dera a chance de ter uma despedida real quando desaparecera. Eu não digo isso de uma maneira sofrida, porque minha cota de lágrimas a serem choradas por ele já se esgotara.

E eu me sentia muito bem com isso.

– Quem é Lucas? – foi o que eu respondi, tentando conter o sorrisinho que entregaria que eu tinha pensado sim em Lucas, mas não da maneira que eles achavam.

João e Dolores pararam de caminhar imediatamente e se entreolharam. Depois, começaram a gritar como os primatas não-civilizados que eram, e a cantar alguma música sobre sermos campeões vitoriosos.

Eu me sentia mesmo vitoriosa por conseguir deixar O-Avelar-Que-Não-Deve-Ser-Mencionado para trás. Mas nada se comparava à sensação de pisar na escola sabendo que, não importa o que os alunos achassem, eu era inocente perante a justiça.

Ou, pelo menos, meio-inocente, já que havia sido condenada por cortar os fios do alarme incêndio.

– Também não é pra tanto, gente. – devolvi, pensando no avental em minha mochila, que não me deixava esquecer que eu ainda tinha seis longos meses de serviço comunitário e paredes para pintar antes de ser considerada livre para qualquer coisa – Eu só consegui o que era justo. Não foi uma grande conquista.

– Pode parar. Inocentada de crimes e liberta daquele desertor em menos de vinte e quatro horas? – comemorou Dolores, batendo palmas curtas na frente do rosto. Eu ri por ela ter chamado Lucas de desertor, em especial, sabendo que aquela palavra deveria ter sido usada para designar a mim algumas vezes antes. – Você é minha ídola!

Meus amigos, aparentemente, se recusavam a permitir que eu me sentisse mal. E eu não estava mesmo a fim de me sentir assim de qualquer forma, porque eu já desperdiçara o último ano e a metade deste. Estava na hora de começar de novo. Deixar tudo para trás.

O meu verdadeiro recomeço, não aquela tentativa de fuga que eu fizera ao me mandar para Vitória.

Se ao menos A Gangue me permitisse.

– Parece que você conseguiu se livrar, não é, Corrêa? – Carlinhos, assumindo sua postura de líder dos valentões, foi o primeiro a falar, valendo-se de todo seu arsenal interno de desprezo.

Eu denominara mentalmente "A Gangue" todos os seguidores de Carlos Henrique Leal, incluindo os imbecis do time de futebol – os mesmos que deram a surra em Nicholas – e as patetas do time de vôlei, Lara e Olívia, que se achavam populares por sei lá que razão, já que a única pessoa que se importava com a existência das duas era o próprio Carlinhos.

Quem Brinca Com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora