Bônus 2 ou "Não faz diferença"

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Apertei os olhos para cada passo que Sarah dava de salto alto dentro do meu quarto; meus pais dormiam no quarto exatamente abaixo, e o Sr. Olavo Jordan não era exatamente conhecido por ter um sono de pedra. Ela batia os pés furiosamente de um lado para o outro, e eu não podia culpá-la por sua indignação. Não pela primeira vez, e certamente não pela última, eu defendera Valéria publicamente depois de tudo o que ela fizera.

Eu, Nicholas Jordan, o herói da nação, simplesmente não podia me controlar quando alguém se dispunha a atacar Valéria, mesmo que ela não fosse problema meu. Mesmo que, em alguns casos, ela até merecesse parte das ofensas que escutava. Devia ser confuso para a minha então namorada esse complexo de resgate que eu fazia questão de demonstrar em relação a minha ex, mas, bem...

Só quem habita a minha cabeça alcança o que eu sinto por ela.

Para coroar, eu dera um jeito de falar na frente de todas as pessoas que me conhecem em Viveiro que eu acreditava tê-la perdido. Vendo-a em um encontro com aquele fotógrafo – outro fotógrafo –, eu não consegui me controlar e tive que abrir minha boca grande e expor os meus controversos anseios. Entre os meus espectadores, estava Carlos Henrique Leal: o garoto com a maior habilidade de usar os sentimentos das pessoas contra elas mesmas.

Levei as duas mãos ao rosto, num misto de vergonha e preocupação, sabendo que uma Sarah de braços cruzados olhava fixamente para mim.

– Sarah... – eu tentei iniciar a conversa da maneira mais branda possível. A caminhada de volta para casa ajudara no quesito álcool, mas Sarah bebera muito mais do que eu. E eu estava prestes a enfrentar as consequências disso.

– De novo. – ela cuspiu para mim – Você saiu em socorro dela de novo.

Eu abri a boca para ao menos tentar me explicar, mas eu não era capaz de emitir nenhum som.

– Pobre Valéria indefesa. Você não consegue se controlar, não é? – Sarah mostrava sinais visíveis de que estava alcoolizada (desequilibrando-se com frequência e piscando os olhos lentamente, como se estivesse prestes a cair no sono), mas eu sabia que nada daquilo estava sendo dito por conta da bebida – Não é possível que você seja o único que não percebe o controle que ela tem sobre você. Quando você descobriu toda a verdade mal podia escutar as palavras Valéria Corrêa na mesma frase e já surtava de ódio, e agora além de defendê-la de quase todos os seus melhores amigos, você livra a cara dela de passar o resto da adolescência em um reformatório.

Sarah batia um dos pés depois de transferir o peso para o outro. Eu discordava. Dificilmente eu a defenderia de todos os meus melhores amigos, sendo eles João e Dolores, as únicas pessoas além de mim que acreditavam na mais remota possibilidade de Valéria ser inocente. A não ser que por "melhores amigos" ela se referisse a Stela, que quase destruiu o relacionamento do meu irmão, e Carlinhos, que quase destruiu a minha cara. Eu não conseguia pensar em duas pessoas mais distantes de serem tratadas por amigos.

– Valéria é minha amiga também. – eu murmurei, detestando me referir a ela dessa forma.

– Valéria ser sua amiga, Nicholas, - ela elaborou com um desprezo que destoava de sua pequena figura e olhos doces – não muda o fato de que todos estariam melhor se ela tivesse morrido no incêndio.

Num sobressalto, eu me empertiguei. Procurei nos olhos de Sarah algum indício de que ela não estivesse falando sério, ou de que fosse só o ciúme tirando o melhor dela. Não encontrei. Em seu lugar, o mais puro rancor coloria seu rosto bonito de um tom púrpura, e uma pequena película de lágrimas revestia seus olhos escuros. Eu rezei para que aquelas lágrimas não caíssem, porque eu não poderia suportar ser motivo de choro de uma garota.

Quem Brinca Com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora