Capítulo 20 ou "Quebra-cabeça"

1.4K 244 119
                                    

– Estou curioso, Velten. – ele se dirigia a David, não a mim; concluí que Velten deveria ser seu sobrenome, de uma das famílias mais antigas e tradicionais de Viveiro. Ele ergueu o queixo em deboche e prosseguiu: – O que um cara legal como você está fazendo, andando por aí com uma Incendiária?

Até o modo como Carlinhos dizia as palavras "cara legal" fazia com que o suposto elogio soasse como algo horrível de se dizer a alguém.

Nem vou comentar sobre o modo como ele dizia "Incendiária".

Todos os olhos de dentro da festa se voltaram para nós portão afora, e eu não sabia se estava imaginando ou não, mas eu podia ver que algumas pessoas estavam se aproximando, esticando os pescoços para escutar-nos. Podiam pressentir a confusão se armando, porque mais uma vez Carlinhos e eu estávamos no mesmo ambiente, e nossas brigas eram boas demais para serem ignoradas. Secretamente, a maioria das pessoas adorava me ver sofrer. E a minoria (leia-se pessoas que não suportavam nem a mim, nem a Carlinhos) simplesmente ficava satisfeita por estarmos nós mesmos tendo o trabalho de nos insultar mutuamente.

Para minha sorte, a Gangue não estava com ele. Não que isso quisesse dizer que ele não fosse praticar as tradicionais intimidações, mas era confortável saber que ele não teria ajuda de pessoas desagradáveis como Stela para fazê-lo. E sabe Deus por que, mas eu estava com vergonha das coisas que ele poderia dizer na frente do David.

Não que aquela noite precisasse de mais constrangimentos.

– Boa pergunta. Escolher más companhias deve ser de família. – ele respondeu, e embora eu não tenha entendido absolutamente nada daquela interação, Carlos Henrique engoliu em seco e assumiu uma postura tensa, contraposta à sua arrogância de meio segundo atrás.

Arrisquei um olhar nervoso para um David compulsivamente arrastado para os dramas da minha vida, mas ele não pareceu se importar com o aglomerado de pessoas que agora nos fitava sem qualquer inibição. Ou com o fato de que as pessoas estavam julgando-o por andar comigo. Seja lá qual fosse o problema que ele tivesse Carlinhos, isso demandava toda a sua atenção. Ele o olhava com os olhos pressionados e maxilar trancado.

Com ódio.

– Você foi um bom cunhado, David. – fez Carlinhos ao se recuperar, seu rosto se contorcendo em um horrível sorriso ofídico que nada tinha a ver com a queimadura – Pena que as coisas não deram certo com a sua irmã.

– As coisas não deram certo. – ele repetiu – Você é hilário.

Só que David não parecia achar nada hilário "as coisas não darem certo".

As pessoas à nossa volta pareceram entender de pronto. Quer dizer, até eu entendera que Carlinhos tivera um rolo com a irmã de David, e conhecendo o animal a que me refiro, eu só podia imaginar as coisas terríveis que sair com Carlinhos poderiam trazer à vida de uma garota; só que eu não a conhecia para poder saber exatamente do que se tratava.

– O que eu posso fazer? – ele ergueu os braços como quem se justifica – Meu coração pertence a outra. – e inclinou o corpo na direção de uma Dolores furiosa e talvez um pouco embriagada, dando passos barulhentos e vacilantes na nossa direção. Conhecendo-a tão bem, ela devia estar fula da vida por Carlinhos arruinar o meu encontro, depois de todo o esforço que ela fizera para que eu concordasse em ter um.

Mesmo que ela parecesse prestes a arrancar sua cabeça, Carlinhos parecia feliz por captar sua atenção. Eu revirei os olhos, me preparando para pisar em seus sentimentos, como ele constantemente fazia com os meus.

– Não seja ridículo. – proferi com maldade enquanto Dolores ainda não podia escutar – Perdão, deixa eu me corrigir. Ridículo você já é. Mas achar que tem chance com ela é plenamente patético. – eu dei um sorriso para o evidente sofrimento em seus olhos cinzentos – Não faça isso na frente das pessoas, fica feio pra você.

Quem Brinca Com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora