Capítulo 34 ou "Puro"

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– Sabe, Lucas, eu realmente não achava que veria seu rosto tão cedo. – Carlinhos falou, assentando seu olhar mais crápula diretamente em Lucas à minha direita; eu já estava acostumada a ser a destinatária daquele olhar e não me importava quando eu era o objeto daquela mistura de desprezo e vontade de esmagar o outro ser humano como se fosse um inseto, mas algo sobre o modo como ele contemplava Lucas fez meu sangue gelar – Mas até aí, eu também achava que depois de bancar o detetive na cidade enquanto Valéria estava desaparecida você perceberia no tipo de encrenca em que estava se metendo.

Lucas não respondeu. Acho que, como eu, ele não se dera conta do quão à frente Carlinhos estava de todos nós no que diz respeito a entender a situação do incêndio como um todo. Não pude deixar de pensar que ele deveria estar com um receio que não lhe era comum, pois não são muitas as pessoas que calam um Lucas Avelar.

Ou, talvez, ele apenas não quisesse bater de frente com o dono da casa que estávamos, bem, invadindo.

Carlinhos inclinou levemente a cabeça na direção dele, e eu também arrisquei um olhar. Eu teria de contar com a nossa conexão absurda para saber qual seria o plano agora que nossas chances de colocar as mãos naquele pendrive haviam sido reduzidas a zero. Em vez de corresponder ao meu chamado por atenção, Lucas fitava um ponto logo acima da cabeça de Carlos Henrique, e eu só fiquei intrigada por meio segundo até entender que ele estava de olho na câmera que ficava no corredor, já que dentro dos quartos em si não havia o sistema de vigilância.

As câmeras.

Elas ainda estavam ativas e gravando, e ainda tínhamos um David vigiando tudo o que estava acontecendo por trás delas. Concluí duas coisas rapidamente: uma é que tudo o que estava sendo dito estava sendo captado pelos áudios da câmera do corredor, e que precisávamos manter a porta aberta para que o som não fosse abafado.

A outra era que eu precisava forçar o Carlinhos a confessar.

O que não era impossível. Carlos Henrique já se gabara da autoria do incêndio e me ameaçara tantas vezes quando lhe fora possível desde que eu voltara a Viveiro, e não era a presença de Lucas e Nicholas, que já estavam mais do que cientes de que ele era o verdadeiro culpado pelo incêndio, que faria com que fosse diferente.

Ele só teria que dizer na frente das câmeras. Eu só teria que provocá-lo das maneiras certas.

– Lucas não vai falar nada? Eu me lembro de um Avelar bem mais falante na última vez que nos cruzamos. – Carlinhos deu um sorriso debochado, se referindo a um momento entre ele e Lucas do qual eu não tinha conhecimento e Lucas provavelmente não se lembrava, visto que ainda se recusava a falar alguma coisa. Eu frequentemente me esquecia de que Lucas estivera em Viveiro quando ainda não sabia do meu segredo e tivera contato com quase todas as pessoas que faziam parte da tragédia, inclusive Carlos Henrique. É claro que, eu não tendo contado, ele não tinha como saber que estava conhecendo o verdadeiro incendiário quando teve qualquer contato anterior com Carlinhos.

– Eu não tenho nada a dizer a você. – Lucas rosnou entredentes. Conhecendo-o bem, devia ser difícil estar cara a cara com o motivo pelo qual eu cumpria pena injustamente, e o motivo pelo qual tivemos de nos separar para começo de conversa. Eu só ouvira aquele tom de voz de Lucas uma vez, e fora quando Mário Ney achou que entraria como Romeu no lugar de Zaca, na peça que encenamos na escola quando eu morava em Vitória. Aquela lembrança parecia ter cem anos.

– Mas não parece ver problemas em invadir a minha casa. – o outro riu-se. Lucas engoliu em seco e decidiu, mais uma vez, não dar prosseguimento àquela conversa.

Eu apertei as sobrancelhas na direção dele, entendendo o porquê de ele estar tão calado. As mesmas câmeras que gravavam Carlinhos nos registravam também. O melhor era que ninguém falasse nada sobre o nosso plano, pois quanto menos detalhes fossem revelados, mais fácil seria inventar uma mentira que justificasse nossa presença ali depois. Isso sem contar que David, que também era parte do plano, já era de maior e sofreria consequências muito piores do que serviço comunitário se alguém sonhasse com sua participação no plano de Lucas.

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