06 | ou "garotas só querem se divertir"

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Por pior que tivesse sido a experiência de voltar para Fundação Haroldo Santini, eu não poderia acusá-la de não ser efetiva. Isso porque eu teria de esperar por alguns meses ainda antes da audiência cautelar, mas por alguma razão as diligências acabaram por ser antecipadas para a semana seguinte. Eu passaria por uma audiência preliminar, que avaliaria o meu comportamento nos últimos meses e desde que todo o processo se iniciara, de modo que o juiz viria a decidir o que seria feito de mim até que o julgamento real ocorresse. Tudo isso graças aos jornais da cidade, que aparentavam apoiar a minha decisão de voltar a estudar na escola que eu destruí.

Vai entender.

Além disso, alguns depoimentos seriam recolhidos, como o do detetive particular, Válter Abreu, que fora quem "descobrira" o meu paradeiro, e Nicholas Jordan, que desempenhara um papel importante na investigação.

Minha advogada, Dra. Mônica Hansen, viera nos visitar no final da minha primeira semana na Fundação e garantira a mim e a meu pai que essa seria a pior parte, pois, fora o detetive e Nicholas, ninguém mais teria provas do que quer que fosse, e apenas o meu depoimento seria levado em consideração. Além disso, o fato de Válter Abreu ser um detetive particular aparentemente falava a meu favor, pois não possuía fé pública e sua posição poderia ser contestada.

Eu, pessoalmente, não enxergava tantas vantagens em ter aquele cara e Nicholas metendo o pau em mim na frente do juiz que determinaria como eu passaria os meus dias até o julgamento definitivo de mérito. Só que meu pai ficou todo empolgado com as boas novas trazidas pela Dra. Mônica, e eu fiz o meu melhor para deixar as minhas preocupações de lado para vê-lo feliz, ainda que só por um dia. E é impossível não se contagiar pelo bom humor do meu pai, que não parava de fazer piadas sobre como a Dra. Mônica não se encaixava no cenário interiorano de Viveiro com suas roupas elegantes e modos finos.

Mas, no fim do dia, Arthur Corrêa ainda é meu pai e é biologicamente impossível enganá-lo.

— Você não parece animada. — declarou ele, quando nos despedimos da Dra. Mônica no portão de casa.

— Eu deveria estar? Quer dizer, não vai ser exatamente um piquenique ouvir Nicholas e o tal detetive falando atrocidades sobre mim na frente do cara que vai literalmente orquestrar como eu vivo a minha vida pelos próximos dois anos. — respondi, amargurada.

— Nicholas é um bom garoto, Valéria. — insistiu ele como sempre fazia, com sua fé inabalável no fato de que um garoto que me odiava profundamente iria ser tocado por um anjo e só dizer coisas maravilhosas sobre mim na audiência — Ele não vai conseguir te prejudicar sem antes ouvir o seu lado da história.

— Isso se ele de fato ouvisse o meu lado da história. Não é como se ele tivesse me dado a chance de emitir um "a", então...

— Dê um tempo a ele. — meu pai depositou a mão esquerda no meu ombro enquanto observávamos o motorista levar minha advogada até o fim da rua, desaparecendo de vista; depois disso, entramos para a sala de televisão e nos sentamos no sofá, lado a lado — Ele passou muito tempo acreditando que você tinha morrido no incêndio, passou meses sofrendo a sua perda. Não deve ser fácil assimilar tudo isso.

— Certamente é mais fácil do que parece. — eu fazia o meu melhor para não usar sarcasmo com meu pai, mas isso não ia acontecer, não com todo aquele nervosismo de audiência cautelar presente na atmosfera pós orientação jurídica – Ele está com uma garota agora, já superou... me superou.

    - E você também, certo? Não achei que viveria para ver o dia em que você e Nicholas estariam separados, mas isso foi antes de vê-la com Lucas.

    Esse é o problema de ter seu pai como seu melhor amigo. Os assuntos desconfortáveis que não deviam fazer parte de uma conversa surgem quando você menos espera.

Quem Brinca Com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora