Eu demorei alguns segundos para perceber que não estava respirando enquanto uma figura masculina, alta e corpulenta, deslizava para fora da caminhonete azul. E eu conhecia o desenho de seus ombros tão bem quanto seus hábitos, que eu reconhecia enquanto ele torcia o pescoço para tirar os cabelos escuros dos olhos, antes de domá-los e prendê-los gentilmente com uma espécie de chapéu. Só que aquilo não era um chapéu, eu apertei os olhos para definir com certeza. Era um quepe. Do tipo que os oficiais do Exército usavam, só que esse era branco.
Lucas Avelar estava, dos pés à cabeça, vestido de branco. Calçava sapatos brancos lustrosos, e um cinto de couro prendia a camisa comportada dentro da calça igualmente alva. À cabeça, o quepe que lhe fazia sombra nos olhos, mas não o suficiente para ocultá-los – nem mesmo a mais dura penumbra seria capaz de ofuscar aquela intensidade de azul, à qual eu viera a descobrir que não estava mais acostumada. Mesmo do alto da minha varanda, eu já conseguia identificar o característico reluzir do meu par de olhos favorito, faiscando em direção a mim.
Um ornamento dourado no topo do quepe envolvia um símbolo de aparência oficial, embora eu não fizesse ideia de que tipo de oficialidade se tratava. Eu nunca vira ninguém do Exército vestido de branco daquele jeito, e, bem: era de Lucas que estávamos falando.
Era como se minha mente tivesse perdido temporariamente a capacidade de trabalhar em meu favor. Eu não conseguia pensar, raciocinar, tirar conclusões. Todas as minhas energias pareciam estar concentradas nos movimentos involuntários que minhas pernas faziam, me levando escada baixo em direção ao jardim da frente de casa. Senti os olhos de Nicholas ardendo às minhas costas enquanto eu corria pelo gramado feito louca e deixava para trás talvez a conversa mais importante que tivemos desde que voltei à cidade; mas minha cabeça não era capaz de processar o que significava ele ter de assistir empoleirado em sua varanda e de camarote privilegiado o que estava para acontecer.
Eu nem sabia o que estava para acontecer. Sempre me preocupara tanto em preservar os sentimentos de Nicholas, mas, naquele momento específico, eu não podia ignorar os meus.
Eu desci as escadas da minha casa e passei pela porta, ignorando os gritos de meu pai e sua nova namorada me perguntando o que dera em mim. Eu não precisaria explicar. Eles me seguiriam de qualquer forma, e em questão de segundos entenderiam porque eu estava fora de controle. Novamente, eu não tinha tempo para me preocupar com suas preocupações.
Depois de todo aquele tempo, Lucas estava ali. No meu jardim.
Eu parei diante dos olhos de Lucas pela primeira vez desde que ele desaparecera. Tão azuis e oceânicos quanto eu me lembrava: ainda guardavam em si o infinito e todas as possibilidades consequentes deste. Levei a mão à minha garganta na esperança de desatar o nó incômodo que se formara, e uma fina camada de lágrimas quentes se formou em meus olhos enquanto eu sufocava.
– Onde diabos você esteve, Lucas Avelar. – minha voz saiu sem permissão, bem como a choradeira que violava a minha promessa de não mais chorar por um Avelar. Lágrimas quentes, pesadas, despencavam rosto abaixo sem que eu pudesse fazer nada para contê-las.
Aquilo não era uma pergunta. Era uma exigência.
– Eu senti sua falta até achar que eu fosse enlouquecer. – ele proferiu, cansado, um brilho trêmulo de emoção em seu olhar. Eu pude acreditar por um segundo que ele fosse chorar também, mas Lucas não era do tipo que chora. Não com toda aquela audiência – meu pai, sua namorada e Nicholas Jordan.
Lucas deu um passo na minha direção, e eu coloquei um braço entre nós. Ele não se aproximaria de mim antes de me dar algumas respostas, e coitado dele se não o fizesse. Meu corpo tremia em uma ira tão profunda que fazia eu me sentir capaz de machucá-lo se ele tentasse chegar perto de mim.
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Quem Brinca Com Fogo
Teen FictionUm ano depois do incêndio que fez com que Valéria deixasse Viveiro em busca de uma vida nova, a garota volta à cidade para sofrer as consequências de suas atitudes na tragédia. Além de ter que lidar com uma cidade inteira acreditando que ela própria...