Epílogo ou "De volta ao começo"

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Palavras não seriam suficientes para descrever a minha felicidade e ao pisar em solo capixaba mais uma vez. No instante em que deixei a aeronave, calor e umidade me atingiram direto no rosto. O sol estava lá, implacável, exatamente onde eu o havia deixado. Tão diferente dos dias cinzentos e chuvosos do interior de São Paulo.

Mala na mão, atravessei os portões e dei de cara com um Zaca me oferecendo uma gentil surpresa. Ele agitou as chaves do carro no ar. Agora que tinha dezoito anos, dirigia legalmente pela primeira vez e podia fazer pequenas extravagâncias como me buscar no aeroporto do outro lado da cidade.

Tinha certeza de que Lucas iria me buscar. Era o combinado. Eu estava meio ansiosa para ver sua caminhonete barulhenta depois de algumas semanas.

— Não pareça tão decepcionada. — ele falou, em tom brincalhão – Eu não sou um Avelar, mas pelo menos dirijo dentro dos padrões da lei.

— Bem... — comentei após um abraço caloroso — Impressionante você não ter se perdido. É um caminho bem diferente do que vai de casa para a escola.

— Ingrata. — ele deu um meio sorriso, colocando a mão sobre a alça da minha mala. Deixei que ele a carregasse. A viagem tinha sido bastante exaustiva, considerando que eu passei os setenta e cinco minutos de voo traçando meticulosamente o perfil de meus alvos para essa próxima fase.

Carlos Henrique Leal estava no reformatório. Ele ficaria lá até completar a maioridade, e depois estaria livre para fazer o que bem entendesse. Eu não sabia quais eram seus próximos passos, mas com certeza eu podia descartar a possibilidade de que ele fizesse faculdade. Não era inteligente o suficiente para entrar em uma pública, e com um homicídio no currículo nenhum conselho admissional de faculdade particular o aceitaria. Quanto a ele, eu teria de esperar.

Stella Marchesini completou o último ano de Ensino Médio. Sorte dela. Em poucos dias, o serviço comunitário também chegaria ao fim e ela estaria livre para recomeçar. É claro, eu não permitiria nenhum tipo de recomeço à garotinha vil e egoísta que, em teoria, começou o inferno da minha vida por querer vender drogas sintéticas nas festas de Carlinhos. Ela não deveria ser difícil de localizar. Era uma questão de tempo, mas ia acontecer. Ela daria o próximo passo, e eu estaria lá.

Por último, Sarah Marchesini. A falsa inocente garota que ficou incumbida de cegar Nicholas para as verdades sobre a gangue. Ela ainda era mais nova. Ainda estava na Fundação Haroldo Santini. Uma sistemática que eu conheço muito bem, considerando os anos que passei dentro daquelas paredes. Ela seria a mais fácil de derrubar. Provavelmente a deixaria por último. A cereja em cima do bolo.

Dobrei os papéis em que estava traçando os perfis de Carlinhos, Stella e Sarah e depositei-os cuidadosamente dentro da minha bolsa transversal.

— E você deve estar se sentindo responsável. Levantei os olhos para Zaca, e suas sobrancelhas estavam franzidas.

— Que foi? — questionei, em pânico. Ele não podia ler mentes, então não fazia ideia do meu plano. Mas grande parte do sucesso que eu pretendia obter dependia de as pessoas à minha volta acharem que eu estava bem.

E eu ficaria. Assim que a Gangue pagasse por tudo que me fez.

— É estranho estar aqui. — falei, calculadamente. Eu não podia simplesmente dizer "nada". Ele veria atrás de mim.

— Estranho bom ou estranho ruim?

— Bom. — dei um meio sorriso. Não era exatamente mentira.

Era bom estar longe de Viveiro, e ficar longe por um tempo.

Todos achariam que eu segui em frente.

— Para de fazer isso com você mesma. — ele falou, com um revirar quase imperceptível de olhos. Deve ter percebido que eu não entendi, e continuou: – Acabou, Val. É uma nova vida.

Quem Brinca Com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora