Capítulo 11 ou "Você vai ficar bem sem mim"

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- Boas notícias. - minha advogada, entusiasmada, puxando para si a xícara de café que meu pai oferecia. Eu, que tinha quase certeza que Dra. Mônica tinha voltado a Vitória depois da audiência cautelar, me surpreendi com a sua presença. Zaca e eu estávamos sonolentos demais até mesmo para boas notícias depois da noite que tivemos, e não nos considerávamos dispostos a ter uma conversa digna antes de quantidades abissais de cafeína.

Depositei algum café em uma caneca para mim, e coloquei mistura para cappuccino na caneca do Zaca.

- João Jordan se livrou das acusações de cúmplice no caso do incêndio, por decisão do juiz, depois da sua audiência. - anunciou ela, batendo as palmas algumas vezes. Meu pai a acompanhou em sua empolgação, erguendo o punho no ar em um gesto vitorioso.

Zaca e eu nos entreolhamos, provavelmente com o mesmo pensamento:

- Eu fico feliz por ele, doutora, mas não vejo como essa notícia é boa para mim. - desabafei, mexendo meu café com uma colher despropositadamente, já que eu me recusava a contaminar café de qualidade com açúcar refinado.

- Nossa. - resmungou Zaca, não conseguindo dar à piada o tom necessário (pudera, já que devíamos ter dormindo só umas duas horas naquela noite, com todo o lance do resgate do Nicholas e destruição de sua bicicleta às escondidas) - Isso é porque ele é seu amigo.

- É sério! - devolvi com uma careta; eu estava fula da vida com João por trair Dolores com aquela menina ridícula, e por dizer bobagens sobre como eu supostamente toquei fogo na escola e fugi para as colinas, mas, de fato, ele era meu amigo. Pensando nisso, engatei: - É ótimo que o João tenha se livrado de ser punido como meu cúmplice, eu estou feliz de verdade por ele. Mas até onde eu sei isso não ajuda o meu caso.

- Claro que ajuda, Valéria. - Dra. Mônica explicou como se falasse a uma criança - Você só pode ser cúmplice se houver um acusado.

Fosse o café finalmente atingindo a minha corrente sanguínea, fosse o fato de que minha advogada resolvera falar com clareza e não através de enigmas e linguajar jurídico ininteligível. Isso eu era capaz de entender. João não podia responder como cúmplice se o juiz não estivesse convencido da minha culpabilidade a ponto de me condenar.

Pulei da cadeira e fiquei de pé quase que de imediato, largando minha caneca sobre a mesa. Olhei para Zaca como se pedisse permissão para criar esperanças, e ele levou as mãos às têmporas.

- E as acusações de obstrução de justiça? - ele perguntou, ansioso, e meu pai e minha advogada o olharam com curiosidade. Para aqueles que não estavam acostumados com sua genialidade e capacidade de absorver informações, Zaca podia parecer bastante extraterrestre. Eu revirei os olhos à guisa de "se acostumem".

- O juiz entendeu que a mudança de Viveiro para Vitória não evidencia autoria do crime na audiência cautelar. Em outras palavras, é como se ele dissesse "Valéria se mandar daqui depois do incêndio não quer dizer que ela tocou fogo em tudo". - falou Dra. Mônica calmamente, mas sem conseguir esconder sua entonação comemorativa; eu tinha para mim que ela realmente torcia por mim e acreditava na minha inocência, e eu não sei se todos os advogados sentem isso em relação a seus clientes. - Isso basicamente livra de julgamento qualquer pessoa que sabia que você estava em Vitória esse tempo todo. - ela lançou um olhar rápido para o meu pai, meu maior cúmplice, embora todos soubéssemos que ele não fora implicado nas investigações e que todos estavam bem longe de saber que ele apoiara a minha loucura - Se "fugir" - ela fez um sinal de aspas com os dedos para enfatizar - não significa "incendiária" - e repetiu o gesto - João não tinha obrigação de comunicar às autoridades que sabia de seu paradeiro. Ele está livre, totalmente.

Quem Brinca Com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora