Eu bati a porta do meu quarto e me sentei sobre a cama, de braços e pernas cruzados, sem conseguir aquietar nenhum deles. Era como se meu corpo estivesse tomado por uma corrente elétrica que começava na parte de trás da minha cabeça e terminava nos meus calcanhares. Quis gritar, mas sabia que se meu pai escutasse eu teria que dar explicações que não tinha a menor condição de dar em um momento como aquele. E mesmo que eu tivesse, o que eu diria? "Meu ex namorado e meu não-namorado recém retornado do exílio auto imposto vão invadir a casa de um psicopata incendiário que fez ameaças em relação a ambos atrás de provas da minha inocência que talvez e muito provavelmente sequer existem?"
Já soava doentio nos meus pensamentos, imagina dizer em voz alta.
Me joguei na cama sobre as minhas costas e encarei o teto na esperança de que conseguisse tirar tudo aquilo da cabeça, mas era impossível. O plano de Lucas já capturara minhas melhores ideias, e tive de tomar todo o cuidado do mundo para que eu não acabasse me convencendo de que existia mesmo alguma chance daquilo tudo dar certo (o que não era a tarefa mais simples, afinal, uma ideia implantada pelo encantador de mentes Lucas Avelar não era tão simples de abandonar).
Eu já estava pensando em todas as maneiras possíveis de minimizar os danos daquele plano imbecil – porque eu passara mais tempo que qualquer um nos esconderijos da casa dos Leal e tinha todo o conhecimento de campo necessário para prosseguir com uma invasão –, já que dissuadi-los estava fora de questão.
E a pior parte é que eu sabia que Lucas estava contando com isso.
Com a minha inquietude. Com o fato de que eu não conseguiria não ser parte daquilo.
Quando finalmente desisti e assumi que eu havia sido avelarizada, me ergui da cama e fui até meu armário. Peguei uma calça de elástico preta, uma camiseta simples e vesti meus tênis mais antigos. Depois, prendi os cabelos em um coque baixo, que não chamassem tanta atenção. Uma parte da minha cabeça ficava repetindo que aquilo era idiota, e que se eu fosse pega invadindo uma casa passaria o resto da minha adolescência em um reformatório, mas a parte que dizia que eu não conseguiria atravessar aquela noite sem saber o que estava acontecendo com eles era mais barulhenta.
Fui até a varanda estreitando os olhos, e esperando encontrar Lucas e Nicholas saindo rua afora. Do contrário, apenas Lucas estava parado na calçada, pegando alguma coisa dentro da sua caminhonete azul. Desci as escadas correndo e saí pelo quintal, na esperança de alcançá-lo antes que ele retornasse à casa dos Jordan.
– Me diz que você não é estúpido o suficiente para usar a Britney. – eu comentei enquanto andava em sua direção, mas ainda resguardando uma boa distância entre nós para evitar que o Efeito Lucas me dominasse e meu cérebro virasse uma gelatina, como de costume. Ele se virou, seus olhos oceânicos reluzindo frente à luz do fim do dia.
– Nós vamos caminhar. – ele disse simplesmente, e eu respirei tranquila. É claro que eles não seriam tão idiotas. A caminhonete de Lucas Avelar mais parecia um jumbo, a considerar o barulho ensurdecedor que fazia.
Não que caminhar diretamente até a casa dos Leal em uma cidade como Viveiro fosse uma ideia muito mais esperta.
– Não faça isso, Lucas. – me arrisquei a dar um passo em sua direção; com alguma sorte, eu ainda conseguiria atravessar toda a arrogância que vem com um Avelar e colocar algum juízo na cabeça dele – Eu estou te pedindo. Nicholas não vai adiante se você desistir, porque você tem esse poder de enfiar todo mundo nas suas loucuras.
Ele sustentou o meu olhar, e eu sabia que ele estava se questionando se a minha preocupação com Nicholas era o único motivo pelo qual eu tentava fazê-lo desistir. No final das contas eu não tinha uma chance real de persuadi-lo, mas eu podia dizer que ele apreciava a minha tentativa. Aquelas, afinal, provavelmente eram as palavras mais gentis que eu direcionara a ele desde que ele voltara da Marinha.
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Quem Brinca Com Fogo
Teen FictionUm ano depois do incêndio que fez com que Valéria deixasse Viveiro em busca de uma vida nova, a garota volta à cidade para sofrer as consequências de suas atitudes na tragédia. Além de ter que lidar com uma cidade inteira acreditando que ela própria...