Capítulo 21 ou "Saber ou acreditar"

1.6K 218 173
                                    

Na manhã de domingo, após as mais variadas tentativas inúteis de pegar no sono, eu decidi que devia ir até David para "devolver sua jaqueta", o que aqui será usado como código para tentar achar algumas respostas para todas as perguntas que agora martelavam a minha cabeça. Carlinhos e David se conheciam. Sarah e David se conheciam – e aparentavam ser próximos. A irmã misteriosa de David tivera um suposto relacionamento malsucedido com Carlinhos, e por isso David não frequentava mais as festas. Ao topo de tudo isso, David permanecia me intrigando por ser tão familiar.

Qual era a relação entre eles? Melhor dizendo, até que ponto essa relação poderia ser prejudicial a mim? Não é bem segredo que Carlos Henrique me odeia, e Sarah provavelmente também, depois da declaração um tanto inoportuna de Nicholas na noite anterior.

Eu achei que tinha te perdido.

Droga, Jordan.

Afastei Nick e seu ressentimento pelo meu relacionamento inexistente com Lucas dos meus pensamentos. Ele era preocupação para outra hora. A questão é, além de conseguir algumas respostas, eu precisava me desculpar por aquele vexame antes que eu perdesse a amizade da única pessoa da cidade que parecia acreditar a minha inocência, além do meu círculo de amizades. Vesti um jeans por cima do pijama, calcei meus tênis e vesti a jaqueta de David por cima de tudo. Não era exatamente a minha melhor escolha de moda, mas eu estava tentando não parecer atraente, porque, além de tudo, tinha toda aquela situação potencialmente romântica entre David e eu, criada pela minha estupidez.

Era uma manhã fria em Viveiro. Senti os pelos da minha nuca se eriçarem. Enquanto eu caminhava, me punia mentalmente por achar que aquela coisa de encontro poderia acontecer. Eu realmente, realmente cheguei a pensar que poderia ter uma noite divertida, sem preocupações, na presença de um alguém que eu gostasse de estar ao lado e que acreditasse na minha inocência? Eu acreditei de verdade que eu poderia deixar de lado o que sinto por Lucas – e por Nicholas? – e ter um encontro com alguém?

Por favor.

Eu estava destinada a toda uma vida de punições do destino pelo que eu fizera com os fios do alarme no incêndio, e eu sabia disso. Na verdade, eu bem que merecia.

Caminhei em silêncio, debaixo de uma fina chuva que com certeza deixaria um resfriado de lembrança mais tarde. Me lembrei que David dissera que costumava revelar as fotografias em seu ateliê aos domingos, e eu não tive dificuldade em encontrá-lo pelo simples fato de ser o único ateliê na cidade microscópica em que morávamos.

Hesitei antes de bater em sua porta com os nós dos dedos, e assim que ele a abriu, eu mal conseguia encarar seus olhos escuros e cabelos desgrenhados.

– Eu estou tão envergonhada. – eu disse, antes de dizer bom dia, cruzando a soleira. Ele não pareceu nem um pouco surpreso em me ver e, considerando o cheiro de café que dominava todo o ateliê, eu fiquei até com a impressão de que ele esperava receber uma visita.

– Não precisa disso. – David deu um meio sorriso simpático – Quer café?

– David, eu nem sei o que dizer depois de ontem. – eu titubeei depois de acenar com a cabeça (é óbvio que eu queria café), e ele me serviu uma caneca fumegante – Eu te convidei para sair porque queria uma noite sem que as confusões do incêndio atrapalhassem...

– Não tem problema, Valéria. – ele me interrompeu com mais um sorriso – De verdade. Eu conheço Carlos Henrique o suficiente para saber exatamente o tipo de idiota que ele é.

Notei que ele apenas mencionara a confusão com Carlinhos, convenientemente deixando o drama com Nicholas como um assunto intocado. Talvez ele simplesmente não quisesse saber, talvez ele apenas respeitava o meu desconforto. Aproveitei a deixa para tentar conseguir pelo menos entender algo que estava me incomodando antes de qualquer outra coisa:

Quem Brinca Com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora