Capítulo 22 ou "Montanha-russa"

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            A mensagem na tela do meu celular trazia os únicos dizeres capazes de me apavorar mais do que a conversa sobre a irmã falecida de David. Era Nicholas dizendo que queria me encontrar, mas, para ser sincera, eu não tinha certeza se sentia o mesmo.

Vontade de encontrá-lo, quer dizer.

Nick passara totalmente dos limites dando uma declaração inapropriada como aquela, na frente de todas as pessoas na festa do Carlinhos. Se ele tivesse dito diretamente a mim que achava que tinha me perdido já teria sido ruim o bastante, considerando que em nenhum momento desde o meu retorno a Viveiro chegamos a discutir esse tipo de sentimento um pelo outro; apenas engavetamos o que um dia fora nosso relacionamento e dedicamos todas as nossas discussões a, número um, eu tentar convencê-lo a me ouvir e, número dois, ele tentar calar a minha boca sobre a surra que ele levou por minha causa.

Mas não, ele dissera não só na frente de sua namorada, Sarah, que já tinha razões o bastante para me odiar, mas também de Carlos Henrique, meu carrasco pessoal, que nunca deixaria passar a oportunidade de me magoar com coisas que já me magoam. A bem da verdade, essa se tornara sua especialidade desde que eu retornara a Viveiro. Ainda assim, alguma coisa no meu estômago me dizia que Sarah e Carlinhos não deixariam de usar os sentimentos de Nick como munição para me odiar e me importunar, respectivamente.

Apesar da falta de senso de oportunidade, eu não conseguia ter raiva de Nicholas. Eu o devia muito mais do que uma situação de constrangimento público, e sabia muito bem disso.

O que não queria dizer que eu estava disposta a conversar sobre isso logo de cara.

Passei o caminho de volta para casa pensando em uma forma de responder à mensagem sem ser rude, mas sem dar a falsa esperança de que eu tinha intenções de ter aquela conversa. Claro que nem tive a chance de responder, porque, ao cruzar o portão do jardim da frente, já dei de cara com ele no meu quintal, acariciando o meu cachorro e empatando todas as minhas rotas de fuga.

– Você nem me deixou chegar. – eu comentei, enquanto Marvin corria direto para mim, abanando o rabo e fazendo estardalhaço. Ele me rodeava e farejava a jaqueta de David, estranhando o cheiro de um desconhecido em mim. Nick também escrutinou a jaqueta e eu torci para que ele não se lembrasse que, a última vez que a vira, ela estava sobre os ombros de David e não sobre os meus.

– Eu vi que você visualizou a mensagem. – ele deu de ombros, e eu sorri. Mais de nervoso do que por vontade de sorrir. Só tinha um jeito de Nicholas estar me esperando do lado de fora: ele sabia que eu não estava em casa. E se ele sabia, era porque tocara a campainha e perguntara ao meu pai. Que, consequentemente, também sabia que eu não estava em casa.

Sacodi a cabeça, tentando pensar nas desculpas que daria por passar do meu toque de recolher.

– O que é tão urgente, Nick?

Um incômodo surgiu na boca do meu estômago. Eu não estava acostumada a ter conversas profundas com Nicholas debaixo da minha sacada. Geralmente, nossas discussões permeadas por sentimentos mal resolvidos se davam varanda-a-varanda, com um guarda-corpo entre nós. Cada passo que Nicholas Jordan dava na minha direção era uma marretada no meu coração.

– Eu queria pedir desculpas. – sua voz soou confortável, familiar – Por ontem.

– Não tem o que se desculpar. Não para mim.

Tratei de enfiar as mãos dentro dos bolsos dos jeans, porque mesmo no frio de rachar, elas estavam suando em bicas. Só percebi o erro nesse gesto ao notar os olhos castanhos de Nick acompanhando cada movimento. Ele conhecia minhas mãos como ninguém, e sabia exatamente como eu odiava quando elas acusavam as minhas mentiras.

Quem Brinca Com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora