Capítulo 36 ou "Cessar fogo"

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No fim do dia, eu precisava sair de casa. Não havia nada de errado com a minha casa como edificação em si, era só o ar dentro dela que parecia rarefeito. Além do mais, eu queria fotografar. Queria me concentrar em alguma coisa estúpida e parar de pensar.

A parte boa de ter uma paixão tão intensa por uma forma de arte é que eu sempre encontraria conforto no tempo que eu passasse produzindo arte. Eu só queria um tempo para mim, sem dezenas de pessoas me comendo com os olhos, cochichando ao meu redor, fazendo perguntas.

Não queria ninguém no meu local especial, a praça com o coreto, porque a última vez que eu estive lá foi com Nicholas. Prestes a deixá-lo saber a verdade. A contar o motivo pelo qual eu fugi.

Ele nunca chegou a saber. Não de verdade. E se atirou para a morte de olhos fechados, confiando plenamente em mim.

Eu estava só, mas não sozinha, pensei enquanto trocava as lentes e ajustava o foco da câmera. Um amor como esse te marca para sempre. Nicholas Jordan morreu por amor a mim. Ele nunca me deixaria de verdade.

Não vi o tempo passar, o que era uma boa coisa. Nos últimos dias, cada minuto parecia torturante e eu só conseguia desejar que tudo passasse. Que o depoimento acabasse logo. Que o caminho para casa fosse mais curto. Que eu não precisasse fazer coisas cotidianas como tomar banho ou sentar à mesa com a minha família. Eu só queria que os dias passassem, e colocassem uma distância maior entre mim e o terror que eu tinha vivido.

Senti uma presença atrás de mim. Estava com os olhos colados na câmera, então não tinha como ver para trás. Ia perder a luz perfeita para a foto perfeita. Coloquei minha mão sobre a lente para ajustar o foco, e senti a mão de Lucas sobre a minha. Senti minha palma aquecer, roubando o calor que a pele dele emanava.

Não que eu precisasse de alguma comprovação de quem ele era, e do que faria por mim. Toda aquela história de ele sumir do mapa parecia muito irrelevante agora. Mas era bom tê-lo por perto, e ouvir seu coração pulsando em suas mãos.

Pelo menos Lucas eu não perdi.

Eu me virei, e estava a poucos centímetros dele. Ele buscou a minha mão livre, que não segurava a câmera, e entrelaçou os dedos sobre o meu. Porque parecia certo, deixei que ele me beijasse. Um beijo curto, e foi como se um pulso elétrico percorresse todo o meu corpo.

Por mais que eu não me sentisse viva, Lucas me fazia sentir que ainda havia uma vida a se viver. Era a mesma sensação que tive quando entramos em sua caminhonete e descemos a estrada à beira-mar pela primeira vez depois do incêndio, em Vitória.

Agora, Lucas Avelar não era apenas a aquele garoto insuportável e insistente, que faria qualquer coisa por mim. Ele era meu.

– Eu não quero que você pense que... – comecei a falar quando nossos lábios se afastaram.

– Eu não penso.

– Eu nem terminei de falar.

– Que você só me escolheu porque Nicholas se foi. – ele completou, me conhecendo melhor que eu mesma. Eu abaixei a cabeça, olhando para os meus pés.

Não era esse tipo de amor que eu sentia por Nicholas. Era algo... puro. Amor em sua forma mais primitiva, sem complexidades. Eu o amava como uma parte de mim, que é o que ele era.

– Eu moro na sua mente, Valéria Corrêa. – o sorriso encovado de Lucas apareceu perfeito como sempre, mesmo que não parecesse que ele tinha vontade de sorrir – Você não pode esconder seus pensamentos de mim.

– Eu também queria que você soubesse que eu não te culpo pelo que aconteceu. – falei de uma vez, numa lufada de ar.

– Isso já é mais difícil de acreditar.

Quem Brinca Com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora