Eu não consigo me lembrar quando foi a última vez que eu realmente me preocupei com alguém que não fosse tia Vera ou meu pai, Chris Hard. Apesar das besteiras que falei aquele dia para Hanna, dizendo que eu só confiava em mim mesmo, esses dois são pessoas que tem tudo de mim, definitivamente. Há também os lares temporários e orfanatos que eu ajudo, mas acredito que eles não entram nessa lista. Nesse caso, eu me preocupo com a causa, não com uma criança em específico, simplesmente por que acredito que qualquer criança mereça ser ajudada.
O fato é que enquanto dirijo nesse silêncio desconcertante que se formou em meu carro, onde só se ouve o som do choro baixo de Blair, a única coisa em que consigo me focar é em seus olhos, negros e perdidos. Quantas vezes antes essa mesma situação aconteceu? Quantas vezes antes elas sofreram sem que alguém interviesse por elas?
Eu odeio essa expressão que toma seu rosto agora e eu sei que nesse momento ela está se torturando, completamente angustiada. Eu sei por que já tive essa mesma expressão em meu próprio rosto, e certo como o inferno, eu sei o quanto dói sentir isso.
Um incômodo desconhecido se instala em meu peito, e definitivamente, eu preciso falar qualquer coisa que alivie o que ela sente agora.
- É filosofia de bar, Blair, mas acredite: por mais assustador e escuro que tudo pareça agora, as coisas vão mudar. Sempre há uma luz. – eu digo quebrando o silêncio e ela me olha como se nunca tivesse me visto antes, completamente confusa.
- Como você sabe disso, Nick? – ela pergunta de forma calma. Não era uma afronta, ou uma ironia. Era somente uma dúvida mesmo. Pouco tempo conhecendo-a e já sei que nela veio faltando aquele filtro que todos nós temos, do que devemos ou não falar, do que devemos ou não perguntar. – Você não parece já ter ficado no escuro alguma vez.
Eu solto uma risada alta, com um tom levemente irônico, que ecoa pelo pequeno espaço.
- Ah Blair, você não sabe de nada. – eu digo em um bom humor que não me é habitual. – Eu já estive onde você está. Eu sei do que estou falando, acredite.
- Acho que o Nick tem razão, B. – a pequena Becca, de quem eu quase havia me esquecido lá atrás, se manifestou. – Uma hora as coisas vão melhorar. A mamãe sempre dizia isso, lembra? – ela se inclina entre o vão dos bancos da frente e sorri. Ela era muito parecida com Blair, e muito simpática também.
Ajeitei o espelho da Ferrari de modo que ela conseguisse ver meu rosto e sorri para ela, que retribuiu instantaneamente. Normalmente minha simpatia se estendia somente á crianças, e Becca, apesar de aparentar ter no máximo doze anos, era muito querida e visivelmente carente.
- Tá vendo Blair? A gatinha concorda comigo. – eu pisco pelo espelho e ela pisca de volta.
Becca e eu sorrimos juntos novamente, como se fossemos cúmplices. O modo como ela me olhou foi desconcertante até. Era como se ela nunca tivesse sido tratada assim por ninguém além de Blair. E merda, meu coração se contorceu por que eu também já estive em seu lugar. Crianças são puras, sinceras e desinteressadas no que você tem ou deixa de ter. Normalmente só precisam de carinho, atenção e alguém que brinque com elas. O problema é que quase sempre pagam pelas merdas que os adultos idiotas fazem.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Hard I REPOSTAGEM I
Chick-Lit*** A infância de Diego Muniz não foi nada fácil. Bem, pelo menos, não o que ele lembra dela. Abandonado pelo próprio pai em um orfanato após a morte de sua mãe, o garoto de olhos verdes e assustados só voltou a conhecer o amor familiar quando foi...