"Não me ligue. Nunca mais." PARTE II

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Sienna

Nickchegou à minha casa por volta das oito da noite, com cara de cão abandonado. Um cão triste e abandonado. Um galgo, para ser mais precisa. Sempre achei que ele era um pouco parecido com essa raça...
– Entre, Nick– disse meu pai, ao abrir a porta, agarrado ao friso da parede para segurar-se melhor.
Assim que disse que Nickvinha, ele juntou um monte de livros sobre o Congo, sua mais recente obsessão. Tentei avisá-lo de que poderia não se tratar desse tipo de visita. Deu para perceber pelo tom de voz de Nick.
Estava sentada no sofá quando ouvi a porta bater. Levantei quando ele entrou, meio espantada por vê-lo tão ensopado. Tinha gotas de chuva escorrendo por seu rosto e a franja estava espetada, dando-lhe um ar de integrante de uma boy band.
– Nick, o que aconteceu? Vou buscar uma toalha – exclamei, dirigindo-me ao banheiro.
– Ah, bem, não se preocupe. Podemos conversar mais tarde – disse, sentando ao lado de meu pai, que imediatamente começou a mostrar os livros para ele. Passei-lhe uma toalha de rosto pink e voltei para o meu lugar. Fosse o que fosse que acontecera a Nick, era impossível perceber, pois começou logo a dar atenção ao que o meu pai aprendera nesse dia. O jeito que tinha com ele era incrível.
Preparei um chá e coloquei alguns biscoitos numa de nossas melhores travessas. O fato de ele estar aqui me trazia uma sensação de aconchego. Era uma sensação que eu quase nunca tinha.
Sentei na cadeira e fiquei assistindo aos dois enquanto viravam as páginas, apontavam para as fotos e examinavam as anotações de meu pai. Era como se nada mais no mundo interessasse. A lápis, ele desenhara mapas, gráficos e linhas de pensamento. Era incrível.
Pouco depois, quando meu pai foi até a geladeira buscar uma cerveja para Nick, aproveitei para falar com ele num tom suave.
– Nick, você está bem?
Ele levantou a cabeça para mim e pude ver em seus olhos. Algo de muito ruim acontecera. – Não muito – respondeu, suspirando profundamente e esfregando o cabelo com a toalha.
A camiseta dele estava grudada no corpo e dava para ver o contorno de cada músculo. Pare, Sienna. Concentre-se.
– Chloe me deixou esta noite. Ela acha que eu a traio. – Ele olhou para a mesa, quase envergonhado. Tinha um olhar tão culpado que por um momento me perguntei se teria mesmo feito algo assim.
Inclinei-me para a frente para ficar mais perto dele. – E você não fez isso, quer dizer, não a traiu, não é?
Meu pai voltou e sentou, observando-se. Suas pálpebras estavam começando a pesar sobre os olhos, como cortinas de um teatro.
– Não, não, claro que não. É ridículo, sério. Fui à loja comprar umas coisas para o jantar. Deixei o telefone na cozinha, Amélia me enviou uma mensagem completamente despropositada, e, é óbvio, Chloe a leu. – Ele parecia mortificado.
– Ah, meu caro. O que dizia? – perguntou meu pai, genuinamente preocupado.
Nickpegou um biscoito de chocolate e deu uma mordida, deixando uma marca perfeita de seus dentes.
– Que ela tinha saudades minhas, essas coisas. Sério, eu não falava com ela desde que nos separamos, e isso faz muito tempo.
– E o que Chloe disse? – perguntei a ele. Talvez tivesse sido somente uma daquelas discussões que eles tinham. Aquelas que pareciam ter com frequência...
– Basicamente, acusou-me de traí-la. Disse que eu estava sempre olhando para outras mulheres e coisas do gênero. Fez as malas e foi embora. – Ele se curvou ao contar aquilo.
– Lamento muito saber disso – disse meu pai, enquanto Nickbebia sua cerveja ansiosamente.
– O que você vai fazer? – quis saber, sentindo de repente um frio no estômago. Fiquei pensando por que me sentia assim. Bem, para ser sincera, até sabia. Embora eu desejasse que ele fosse feliz e se assentasse na vida, ao mesmo tempo sabia que podíamos voltar a ser o que éramos antes. Eu e Nick, nos divertindo... Eu sabia que estava sendo egoísta. Antes que ele conseguisse responder, meu pai falou.
– Pessoal, estou lutando para ficar acordado. Não leve a mal, Nick. Vou ter de ir para a cama – anunciou, deixando a cabeça cambalear para a frente por um momento antes de conseguir se recompor.
lata. – Não tem problema, George. Obrigado por ouvir – brincou Nick, dando mais um gole de sua
Dei a mão a meu pai e o acompanhei até o quarto, para evitar que caísse. Entrou pesadamente na cama e tomou seus comprimidos. Quando beijei seu rosto, ele disse algo estranho:
– Cuide dele, Si. Ele ama você. Você sabe disso, não sabe? – O quê?
– Deixe… deixe pra lá – disse, já tremendamente cansado e deixando a cabeça tombar suavemente sobre a almofada.
Que estranho, pensei, enquanto o cobria com o edredom. Ele tinha um ar tão doce, pensei, enquanto fiquei ali olhando-o respirar por alguns instantes.
Quando retornei à sala, Nickpassara para o sofá de dois lugares. – Vem cá, Si – chamou ele, inclinando pesarosamente a cabeça.
– Ah, querido, não se preocupe. Nunca se sabe, talvez vocês ainda possam se entender. Não é? – perguntei, aconchegando-me ao lado dele.
O meu coração batia acelerado. Senti de repente aquele nervosismo que já sentira quando estava com Nick. Quando éramos só nós dois, fazendo qualquer coisa juntos. Ele puxou os meus ombros para baixo e repousei a cabeça no peito dele, envolvendo-o com meu braço direito e prendendo-o com força. Senti aquele calor invadir meu corpo. O coração dele também batia com intensidade, eu conseguia ouvir cada batida. Passei as mãos pelas costelas dele, que senti por baixo da camiseta úmida. Aquele cheiro familiar de Nickpreencheu minhas narinas. Já fazia tempo que não ficávamos assim tão próximos. Ele não disse nada, apenas passava os dedos pelo meu cabelo. Era como se tocasse meu coração.
Aquela sensação dolorosa estava voltando. A dor que me atormentara durante anos. Eu conseguira me distrair com novos namorados, missões para alojar os sem-teto e alguns sérios, porém malsucedidos, esforços para obter uma promoção no trabalho. Agora ela estava de volta, e eu queria afastá-la. Não me sentia capaz de voltar a lidar com ela.
– Tem tido notícias de Ben? – perguntou Nick, de repente, enquanto afastava meus cabelos do pescoço. Aquilo me arrepiou as costas.
– Não. Já faz algum tempo. Eu achei que ele fosse voltar para mim correndo, mas isso nunca aconteceu, então acho que certamente posso desistir desse.
– Tem saudade dele? – quis saber.
Se tenho saudade dele? Fiquei pensando nisso… As semanas após à noite da festa de Natal em que Ben me deixou tinham sido passadas como se uma nuvem escura pairasse sobre minha cabeça. Sempre que o telefone tocava, tinha esperança de que fosse ele. Mas terminava sempre desapontada, e depois minha desilusão se transformou em raiva, amarga como café. Raiva porque ele dissera que me amava e me deixou. Ele não devia me amar de verdade, não é? Não se deixa quem se ama. Foi assim que descobri que minha mãe não me ama. De outra maneira, ela nunca teria sido capaz de fazer as malas e partir.
– Não mais. Ainda penso nele, mas acabou, não é? Não adianta insistir nisso.
Ele suspirou outra vez. O modo como passava as mãos pelo meu cabelo estava me dando sono. Eu me sentia tão relaxada que era como se todas as partes do corpo estivessem se afundando nele e no sofá como grãos de areia.
O relógio deu meia-noite.
– É melhor eu ir – disse ele, numa voz muito baixa.
O mero pensamento de que ele ia embora doía ainda mais. Não sabia por quê. E então, da minha boca saíram quatro pequenas palavras. Não foi planejado. – Por favor, não vá.
Nem acreditei que dissera aquilo. Tentei rapidamente consertar.
– Desculpe, não quis dizer isso. É claro que você deve ir embora... – Parei no meio, corando junto à camiseta macia dele e em seguida me afastando.
Ele ficou ali por uns momentos, olhando para mim. Era tão atraente que até doía. Continuava deixando meu coração acelerado como no dia em que o vira pela primeira vez no trem, quando instantaneamente o cataloguei como o homem mais belo do vagão, se não do mundo. Era uma constatação arrojada para uma garota de 22 anos que nunca fora mais longe que Paris numa excursão da escola. Ridículo, na verdade, não era?
Deu para perceber, antes de se levantar, que a mente dele estava num turbilhão.
– Desculpe, Si. Obrigado pelo convite, mas agora estou muito cansado mesmo. Acho que preciso ir para casa ordenar as ideias.
Fiquei envergonhada. Fizera de novo. Pelo amor de Deus. Igual àquela vez em que me pareceu uma excelente ideia ir para a cama e me enroscar nele.
– Não se preocupe. Na verdade, nem sei por que falei isso!
Ele me puxou para mais um abraço antes de calmamente ir embora, ainda com a cabeça abaixada, como um homem entristecido.
Nessa noite, não dormi bem. Nada bem.

Esta é uma história de amor (Jessica Thompson)Onde histórias criam vida. Descubra agora