"Foram os peitos. Eles me fizeram falar. " PARTE I

52 4 0
                                    

Sienna

Éramos só Nicke eu sentados um diante do outro num banco. Eu não reconheci onde estávamos, mas sabia que era algum lugar em Londres. Era o começo de uma noite quente. Ele me trouxera aqui com uma fita preta cobrindo meus olhos, e eu fiquei espantada quando ele a soltou e eu vi uma cena típica de rua urbana que nada tinha de especial, exceto pelo fato de ele estar ali.
Mas eu não fiz perguntas. Eu confiava nele e em seu plano genial, fosse lá o raio que fosse. Ele estava com um olhar que eu nunca vira antes. Era excitação pincelada de medo, como se algo realmente grande estivesse prestes a acontecer. E, embora este banco ficasse numa rua suja em algum lugar da cidade, ele estava usando uma camisa que o fazia parecer parte de uma campanha da Burberry. Eu nunca o vira tão bonito. Na mão direita, ele tinha uma flor. Uma rosa vermelha enorme, de um tom chocante de carmim, que fazia tudo em torno dela parecer preto e branco, exceto pela pele úmida no rosto de Nick, que refletia as luzes de néon de uma série de lojas.
Meu coração começou a acelerar-se. O que estava acontecendo? Tentei falar, mas ele estendeu a mão na direção do meu rosto e colocou o dedão sobre a minha boca, arrastando a pele de meu lábio inferior na direção do queixo. Minha respiração parou na garganta. O trânsito em volta de nós ficou fora de foco, e as pessoas desapareceram quando ele se inclinou lentamente e tirou a mão, substituindo a pressão suave com sua própria boca. Não bem me beijando, mas quase. Tão perto. Eu. Podia. Simplesmente. Derreter. Ele começou a falar enquanto seus lábios eram pressionados contra os meus. Senti-me tonta.
– Sienna, eu só queria dizer que eu…
BIP BIP BIP. Nicke a rosa e o banco e os carros foram subitamente arrancados de mim como uma toalha de mesa arrancada da mesa de um banquete. O som foi tão agudo que me fez dar um pulo, e eu me apressei a silenciá-lo. Eu estava tão sonolenta que não conseguia enxergar, mas de alguma maneira eu consegui localizar meu telefone, que estava enfiado no emaranhado de lençóis. Bum. De volta à realidade.
Era sexta-feira. Seria, provavelmente, uma sexta como qualquer outra, pensei, rabugenta, percebendo que perdera “o beijo” de meu único sonho bom em meses. Depois de um café, aceitei mais a situação. Fora, é claro, só um sonho. Nick não me amava, eu sabia disso, e a vida continuava. Era hora de cair na real.
Papai estava especialmente falante esta manhã, o que me tirou de meu charco de autopiedade.
– É sexta-feira, Sienna – disse ele, ao se recostar no sofá segurando um grande mapa-múndi diante do rosto. O mapa cedeu no meio e fez um ruído seco quando ele bateu com o punho no centro para tentar endireitá-lo. A coisa parecia que ia engoli-lo dentro de suas entranhas.
– Sim, é mesmo, papai – retruquei. O que você está fazendo?
– Bom, estou mapeando os lugares que gostaria de visitar se eu conseguisse me levantar, sair e ir viajar. Estou imaginando aonde você e eu iríamos, minha pequena. E depois, eu vou escrever sobre nossa aventura, país por país. – Ele me olhou com seus olhos que pareciam contas. Os quatro grandes cantos do mundo cederam perto de suas mãos e se dobraram em volta de seus braços.
Isso me doeu um pouco. Eu senti aquela pontada que sempre sinto com meu pai quando percebo que ele não somente aceita as cartas sujas que recebeu neste jogo, mas também se recusa a ser definido por elas. É uma mistura de tristeza penetrante e orgulho avassalador. Uma mistura confusa. Posso imaginar que seria bem mais fácil ficar com raiva e frustrado, e parar de se importar com tudo que estivesse além das paredes de nosso pequeno apartamento londrino. Mas, em vez de ficar amargo, ele explora as possibilidades como se realmente as vivesse. Ele faz isso com lápis HB, deixando as lascas do apontador para trás conforme escreve, as quais eu tenho de recolher com pá e escova. Palavras. Desenhos. Mapas. Eu não me importo.
– Uau, parece um projeto e tanto, papai. Podemos ir à Índia, por favor? – Sentei-me ao lado dele no sofá, apontando para meu destino escolhido com uma unha pintada com esmalte escuro. Ele passou o braço em volta da minha cintura e me apertou com força. Eu retribuí o aperto.
– É claro, Sienna. Aonde você quiser. Vou pesquisar todos os lugares no nosso roteiro: a comida, os cheiros, os costumes, tudo. E, dentro de alguns meses, você poderá ler tudo sobre nossas viagens. Podemos escolher cinco lugares cada um, você e eu, e eu quero as suas escolhas
o mais rápido possível, por favor – concluiu, virando-se para me olhar como se aquilo fosse real. Como se fosse realmente acontecer. Eu queria apertá-lo bem forte e ficar assim por muito tempo. Mas eu estava atrasada, então, em vez disso, dei-lhe um beijo no rosto, enfiei o último pedacinho de torrada na boca e saí correndo para o trabalho.
– Adoro você, papai – eu disse, parando na soleira para olhar para ele por um instante, preparando-me para ser engolida pelo mundo real.
– Adoro você também, Sienna – respondeu, sem levantar os olhos do mapa. Nunca havia tempo suficiente. A vida parecia estar fugindo de mim.
Escorrendo pelos meus dedos. Era só correr para o hospital, filas de café, reuniões no escritório e entrevistas. Um caos absoluto.
Assim que cheguei lá fora, percebi que era uma manhã de verão excepcionalmente linda, e a trivialidade de minha desesperança provocada por Nickcomeçou a dissipar-se. Parecia que a cidade toda sorria, e eu era só um pedacinho dela, totalmente arrebatada pela majestade desse dia. Os pássaros cantavam lá em cima das árvores que se perfilavam na rua, árvores tão típicas dessa parte de Londres. Frutas e legumes frescos eram exibidos diante das mercearias perto da estação, em cores tão vibrantes que eu podia quase sentir seu gosto.
Senti-me privilegiada. Era impossível vivenciar uma manhã como essa e não ser feliz. Pensei em quanto ainda tinha diante de mim, e que um dia eu encontraria O Escolhido, e, se eu fosse realmente abençoada, poderia ter filhos lindos e felizes. É claro que isso ainda estava muito longe de acontecer, mas, assim, de repente, tudo parecia tão cheio de promessas.
Peguei meu café e um exemplar do Metro antes de entrar no trem. Estava cheio, com corpos se espremendo em todos os cantos, jornais dobrados sob os braços e cafés precariamente equilibrados nas esquadrias das janelas e nos bancos. Quando o abafado vagão deixou a estação, uma brisa tímida entrou por uma janela aberta próxima ao meu rosto. Ela passou seus dedos suavemente pela minha franja, fazendo-a subir e descer, como se alguém a puxasse com um barbante. Deu-me algum alívio daquela aglomeração matinal.
Respirei fundo algumas vezes e olhei à minha volta. Era uma daquelas manhãs em que, em vez de enfiar o rosto num livro ou num jornal, eu inspirava Londres e sentia quão incrível ela era. Endireitei-me no banco e absorvi a energia maluca da cidade. Os rostos diferentes, as coisas estranhas que você vê nas ruas, os sons e os cheiros.
Então, lembrei-me. Como se estivesse acontecendo novamente. Era como um flashback. Lembrei-me de ter olhado por sobre o jornal, cinco anos antes, e visto o homem mais lindo que meus olhos já viram, usando uma camiseta verde. Nós olhamos um para o outro por sobre as páginas e, na hora, eu não sabia, mas algo muito especial estava começando. Era uma história de amor. Mas não do modo como se espera.
Na maioria das histórias de amor, o homem e a mulher gostam um do outro de modo igual e acabam conseguindo superar seu medo/timidez e resolver tudo. Nesta história de amor, eu, Sienna Walker, amo NickRedland há cinco anos. E o que eu tenho para mostrar? Amor, sim, mas de um tipo muito diferente. Amor que vem com a amizade, que vale quase mais, na verdade, porque amigos não fazem sexo, enchem-se e depois ficam evitando um ao outro como se tivessem doenças contagiosas.
Eu podia vê-lo agora, com aquele seu sorriso deslumbrante revelando uma fileira de dentes brancos e perfeitos. Havia algo naquele sorriso que me fazia querer ficar olhando. E eu não parei de olhar, todo esse tempo… Percebi que estava fazendo uma expressão de idiota e olhando para uma senhora idosa acomodada à minha frente que não se parecia nada com Nick. Ela mudou de posição, incomodada. Meu café também estava esfriando, então eu me acalmei e tomei uns golinhos enquanto o trem estalava sobre os trilhos.
Eu me perguntava como ele estaria. Nós mal nos víamos ultimamente. Ele se distanciara desde que Chloe fora embora e parecia um pouco estranho ontem, subitamente se aproximando e me chamando de superestrela, e depois voltando para a sua sala, sem sair na hora costumeira. Superestrela? Acho que ele estava tendo outro de seus momentos de crise por causa do que acontecera com Chloe. Ele devia estar sentado, quieto, com a cabeça caída. Achei que era melhor não interrompê-lo. Ela é louca de abandoná-lo desse jeito. Por que alguém abandonaria Nick? Por quê?
Minha mente repassou o momento em que o perdi de vista e achei que nunca mais fosse voltar a vê-lo. Como eu joguei o copo no lixo e andei até o escritório, quase me esquecendo de que vira seu rosto. Mas o estranho é que foi seu rosto que me cumprimentou quando as portas do elevador se abriram… Ah, por favor, Sienna. Pense em outra coisa, para variar, está bem? Eu disse a mim mesma mais uma vez. Mas nunca dava certo.
Quando cheguei ao escritório, Nickainda parecia estar com o humor estranho. Mas, em vez de parecer deprimido, como estava ontem, ele rodava pelo escritório como se suas pernas tivessem sido substituídas por molas.
– Bom dia, Si! – gritou, quando eu saí do elevador, cruzando a sala quase correndo na minha direção.
– Bom dia, Nick– falei, ligeiramente confusa com a brusca mudança em sua atitude nas últimas 24 horas. Talvez ela tivesse voltado para ele. Talvez eles tivessem colocado os pingos nos is. Ele transpirava aquela emoção incontrolável que só podia ser o resultado de horas e horas transando. Seu sorriso estava elétrico, como se alguém estivesse fazendo cócegas na sua nuca com um espanador.
Ele estava com boa aparência. Quer dizer, ele sempre tinha boa aparência, mas, desde que ele e Chloe se separaram, ele mergulhara num lamaçal onde parecia não haver aparelho de barbear nem ferro de passar. Acho que é desse jeito que as pessoas falam que ele ficou depois de Amélia também. Esta manhã ele estava usando uma camisa preta justa e calça cinza. Estava muito elegante. Se estava! E certamente tinha um toque feminino. Ele voltara a usar loção pós-barba. Aquela que me dá vontade de enfiar o rosto no seu pescoço e ficar lá até que o mundo pare de brigar e o preço do petróleo despenque.
– Por que esse sorriso todo, hein? – perguntei, afundando-me na cadeira e começando a folhear minha agenda.
– Nada, não, Si. Aliás, eu quero falar com você depois. – Ele começou a mexer com o fio do meu telefone desajeitadamente.
Dei um tapa na mão dele.
– Pare de fazer isso, vai torcer tudo. Por quê, o que foi?
Eu não aguentaria mais uma sessão de aconselhamento, dizendo a ele para acertar os pontos com Chloe se ele realmente a amasse, e aquela história toda. Era difícil dizer a ele para fazer uma coisa que eu queria desesperadamente que não acontecesse.
– Nada de mais. Será que podemos jantar hoje? Num restaurante legal, uma coisa assim? Tomar uns drinques.
Encarei-o diretamente nos olhos. Ele parecia tão inquieto e estranho que achei apropriado pegar em sua mão e puxá-lo para mim, sussurrando em seu ouvido:
– Nick, o que foi? Você quer tirar o dia de folga? Andou fumando maconha novamente? – Não, Sienna, pelo amor de Deus. Será que não podemos só tomar uns drinques? – Sim, é claro, mas você está esquisito hoje…
Ao afastar o rosto de mim, ele sorria como um palhaço doido. Ele cheirava tão bem que até doía. Eu não aguentaria aquilo novamente. Mais uma vez, não.
– Fique fria, eu estou bem. Eu só queria ir comer alguma coisa, tá bem? – reiterou, enfiando o pé direito debaixo da minha cadeira e girando uma das rodas.
Dei um tapinha na perna dele, acidentalmente tocando seus músculos. Afe!
– Muito bem, se meu pai estiver bem, podemos sair – eu disse, por fim, cedendo.
– Malvada – respondeu, contraindo o corpo, e voltando aos pulos para sua sala, feito um menino travesso. Estranho.
Eu achei que só Nickestava agindo de modo esquisito. Mas então Lydia veio falar comigo. Ela também estava se comportando de modo incrivelmente bizarro. Deve ter a ver com a sexta- feira.
– Olá, linda – ronronou, inclinando-se sobre minha mesa e brincando com o cabelo, com um estranho sorriso no rosto. Ela parecia ter grandes novidades. Algo do nível “Estou grávida”, ou “Vou participar do próximo Big Brother” – sabe, algo que pode mudar sua vida.
– E aí, como estão as coisas? – perguntei, meio concentrada na minha agenda e meio prestando atenção nos vastos peitos que transbordavam de sua blusa. Só Deus sabe como os homens lidavam com aquilo. Agora eu estava totalmente distraída.
– Estou ótima, obrigada – disse ela. Depois, olhou para trás e puxou uma cadeira muito barulhenta, acidentalmente batendo com ela na perna da mesa e derrubando meu precário sistema de arquivos num só golpe.
– Eu soube de você e… – começou, quando subitamente Nickvoltou e nos interrompeu, agarrando Lydia e puxando-a abruptamente no meio da sentença. A cadeira ficou girando sozinha no meio da sala.
Eu e quem? Fiquei observando os dois entrarem na sala dele e fecharem a porta com tanta força que as persianas tremeram contra a vidraça. Sei lá. Mais tarde descubro o que é.
Enquanto ligava meu computador, tentei lembrar o que tinha para fazer hoje. Minha agenda estava bem vazia… podia acabar sendo um dia chato. Mas parecia haver certo frenesi rolando entre as pessoas à minha volta. Papai estava planejando viagens ao redor do mundo, Nickestava à beira da histeria e Lydia sabia sobre mim e alguém, ou alguma coisa…
Levantei-me devagar e fui até o aquário de Dill, bem no meio do escritório, em cima de um armário de arquivos. Ele estaria normal. Ele não podia evitar. Ele não tinha memória para mudar de humor repentinamente. Inclinei-me para a frente e olhei através do vidro, roçando o nariz contra a superfície fria e lisa. Dill parecia tão solitário, pensei, vendo-o nadar pela água turva, passando pelo castelinho cor-de-rosa coberto de uma porcaria verde. Ele também parecia ter fome, então peguei uma pitada de comida de peixe nos dedos e salpiquei-a sobre a superfície. Ele imediatamente correu para cima e começou a pegá-la com a boquinha. Que lindinho. A luz do escritório refletia em seu corpo, mostrando um brilho dourado toda vez que ele se movia. Estava quase entrando em transe de olhar fixamente para o animal de estimação da casa quando vi um rosto do outro lado do vidro. Um rosto que me era tão familiar, mas que, através das camadas de vidro e de água, era esticado a proporções quase irreconhecíveis. Dill correu na direção do rosto esparramado contra o vidro do seu tanque e tentou tocá-lo com a boca.
– Nick, você é tão bobo – disse eu, recusando-me a me afastar do aquário porque havia uma coisa tão legal naquela cena. Era meu cenário romântico de aquário, exceto pelo mofo, as algas e, bem, pelo meu amigo Nick.
– Eu sei – disse ele, descolando a cara do vidro e esfregando as bochechas. – Desculpe ter puxado a Ly dia daquele jeito – continuou, agora com a voz acabrunhada.
– É. Por que fez aquilo? Eu achei que ela ia me contar alguma fofoca – retruquei, com a voz ligeiramente mais alta dessa vez.
Subitamente, o rosto dele desapareceu e se materializou ao meu lado. Tive um sobressalto. – E aí, quais as novidades? – perguntei, virando-me para ele.
– Ah, nada – disse ele, esfregando um lápis na cabeça antes de colocá-lo atrás da orelha. Ele escorregou para o outro lado, caindo no chão. Ele nunca faz isso. Mas o que será que está havendo?
– Enfim, Sienna, eu estava pensando que a gente podia ir ao Amis hoje à noite. Que tal?
O Amis. O Amis é um bar e restaurante muito sofisticado. Sofisticado do tipo que tem milhares de talheres, tigelas para lavar os dedos e guardanapos dobrados em forma de animais da floresta. Puta merda.
– O Amis? Mesmo? Você não que ir ao Sheep’s Head, ou a algum lugar parecido? Ouvi dizer que, na happy hour do Naughty Step, você toma dois e paga um – falei, pendendo a cabeça para
o lado e olhando nos olhos dele. Havia uma centelha a mais neles hoje; definitivamente, um toque de loucura.
– Não, não. Vamos ao Amis. Vou reservar mesa para as oito, está bem?
– Ah… OK. Parece ótimo – disse eu, observando-o distanciar-se e desaparecer em sua sala.
Meu Deus, mas o que eu iria vestir? Será que eu teria tempo de ir para casa, me arrumar e voltar a Balham para jantar? Ly dia olhou para mim e fez um sinal de positivo com a mão, colocando depois os dedos sobre a boca e fechando-a, imitando um zíper. Humm.
Por volta da hora do almoço, Chloe veio até a minha mesa. Ela também parecia nervosa. Seu cabelo estava muito encaracolado hoje; ela tirara as tranças, sua marca registrada. Estava usando um vestido azul-marinho e legging.
– Oi, Si – disse ela, sentando-se ao meu lado. Ela começou a cutucar o resto de esmalte cor- de-rosa de suas unhas. Senti-me a conselheira sentimental dos histéricos. Vamos lá. Puxe uma cadeira. Aja de modo estranho. Talvez eu deva comprar uma caixa de lenços de papel, umas flores secas, umas revistas de decoração.
– Olá, Chloe. Tudo bem? – perguntei, esperando que ela não fosse dar-me uma resposta sincera e dissesse simplesmente “Bem”. Eu decidira não me envolver muito na separação dela e de Nick. Era uma zona perigosa, e eu não queria ter nada a ver com isso, só dar meu apoio a Nick, se ele precisasse. Minha lealdade era para com ele.
– Estou ótima, obrigada. Ant me pediu para dizer que ele quer ver você hoje de tarde, às três horas.
– Ah, não. Não é nada ruim, é? – perguntei, sentindo-me subitamente na fila do desemprego.
– Não. Mas não posso dizer, porque não sei sobre o que é. Ele só me pediu que a avisasse – disse ela, mordendo o lábio inferior e olhando para baixo.
– Chloe, você está bem? – perguntei, notando que ela parecia estar com vontade de chorar.
– Sim, sim. Eu só estou… estou… Não se preocupe – disse ela, virando a cabeça para olhar para a sala de Nicke desaparecendo quase tão repentinamente quanto chegou. Decidi não ir atrás dela.
Uma reunião com o Ant às três da tarde. Eu realmente esperava que não fosse ser demitida. Venho me dedicando tanto ultimamente. Eu só queria me destacar, mas, com todas as coisas de casa, eu me sentia afundando lentamente em pilhas e pilhas de roupa suja, roupa para passar e aparas de lápis. Eu sempre chegava tarde porque tinha de levar papai ao médico ou ao hospital. Às vezes, eu tinha de ligar e dizer que estava doente só para ficar em casa com ele. Talvez isso tudo não me fosse mais permitido…
Peguei o telefone e liguei para Nick.
– Nick, o que está acontecendo? Por que eu tenho uma reunião com Ant hoje às três da tarde? – perguntei, sussurrando e abaixando a cabeça para ninguém me ver. Eu brincava com a moldura prateada de uma foto que Elouise me comprara havia alguns meses; ela tinha nossos nomes gravados.
– Não tenho ideia do que seja, Si.
– Por favor. – Não tenho. – Nick…
– Sienna, eu não sei mesmo, tá bem?
– Nick. Você é o braço direito dele. Por favor, me diga. Eu vou ser despedida?
– Eu tenho de desligar. Tem alguém batendo à porta – disse ele, imitando a voz de um robô, que eu sempre acho tão engraçada, mas não nesse momento.
– Nick, eu sei muito bem que não tem ninguém à sua porta. Eu estou vendo sua sala daqui, e se você desligar, eu vou…
E foi assim. Ele desligou. Sem terminar. Sem resolver. Droga.
Fiquei ansiosa o resto do dia. Meu estômago dava voltas. Minhas mãos tremiam. O que eu faria se perdesse o emprego? Como eu e papai conseguiríamos viver? Esses pensamentos ficaram pairando na minha cabeça até eu finalmente me sentar diante de Ant. Ele estava com os pés sobre a mesa e se reclinava tanto para trás que eu achei que um acidente era iminente. Esta não era a linguagem corporal de um assassino, mas foi um conforto passageiro.
– Muito bem, Sienna. Quer um chá? – perguntou, colocando os dois braços atrás de seu pescoço gordo.
Chá. Chá nunca é bom. Chá é usado para acalmar as pessoas. Como, por exemplo: “Tome uma xícara de chá e, ah, a propósito, seu coelho morreu nas mãos de uma raposa feroz ontem à noite”.
Uma caixa de lenços de papel encontrava-se diante de mim, com um pedacinho branco escapando para fora, como se me convidasse, dizendo “Vá em frente, já faz algum tempo, chore, use-me”.
– O que está havendo, Ant? – perguntei, respirando fundo para equilibrar meus nervos, o que deve ter parecido óbvio como a luz do sol.
– Bem. Isso não será nenhuma surpresa para você, Sienna, porque, francamente, seu desempenho aqui tem sido – Ah, meu Deus, pensei, ele viu como eu estava preocupada – excepcional – começou.
Será que eu ouvi isso mesmo?
– Eu tenho um emprego para você. Um novo cargo. Precisamos de uma nova editora para a SparkNotes. A editora atual informou que vai deixar a empresa para viajar. Eu gostaria que você a substituísse.
Eu? Sienna? Eu quase virei para trás para ver se havia mais alguém na sala. Talvez fosse um caso terrível de identidade trocada. Meu estômago se revirou de empolgação, e eu fiquei encarando a testa dele por algum tempo.
– Sienna? – retrucou, tirando os pés da mesa e jogando o corpo para a frente na cadeira, com os cotovelos sobre uma pilha de papel.
– De verdade? Eu mesmo? – murmurei, antes de perceber que devia mostrar um pouco mais de confiança em mim mesma.
– É claro, Si. Você é uma estrela. Você deve querer verificar os detalhes do cargo e tudo mais, mas tenho certeza de que você sabe o que isso significa.
É claro que eu sei o que isso significa. É um cargo que eu venho cobiçando como ao traseiro de Brad Pitt desde que cheguei aqui. Significa ser editora de uma revista de música lida por 500 mil pessoas. Editora aos 25 anos, e com a minha própria equipe de jornalistas. Deve ser um equívoco. Eu não consigo deixar de imaginar se Nickteve alguma coisa a ver com isso…
– E, é claro, você terá um aumento também, e um carro – disse ele, deslizando uma folha de papel na minha direção com um montante maior do que eu imaginara. – Acho que será uma grande oportunidade para você. Acho mesmo. Não consigo pensar em ninguém mais adequado para dirigir essa publicação para nós – concluiu, cruzando os braços sobre a barriga.
Uau! Minha cabeça começou a viajar nas possibilidades. Eu poderia fazer as coisas que sempre desejara fazer – incluir mais mídia social, mais artigos patrocinados, injetar mais entusiasmo nos jornalistas, ouvindo de verdade o que eles têm a dizer e inspirando-os…
Aquilo era incrível, e saíra do nada. Chloe dissera, na festa de Natal, que esse cargo estaria disponível, mas eu nunca pensei que fosse dar em alguma coisa. Eu nunca imaginaria essa possibilidade…
– Ant. Agradeço muito. Nem sei o que dizer!
– Que tal dizer sim? – falou ele, com um sorriso nervoso. – Sim, sim! É claro! – respondi, com voz uma estridente. – Maravilha. Muito bem – respondeu, me entregando um maço de documentos. – Agora saia daqui – disse ele, rindo sozinho e pegando o telefone.
Eu saí da sala dele sem ter certeza do que fazer em seguida. Eu só queria dar pulos de alegria. Começar a fazer planos. Começar minha nova vida. Contar a papai. Eu mal podia esperar para contar a ele. Para mim, eu e papai formávamos um time, e eu acabara de marcar um gol para nós. Para nós.
Nickdevia estar sabendo. Acho que era isso que ele estava anunciando quando falou em jantar hoje à noite. Corri para a minha mesa, peguei um Post-it, uma caneta de ponta grossa e escrevi cinco palavras:
Índia. Fiji. Uganda. Argentina. Tailândia.

Esta é uma história de amor (Jessica Thompson)Onde histórias criam vida. Descubra agora