"Se pudesse voltar no tempo, daria tudo a ela."

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Nick

A palavra inglesa temp é abreviação de temporário. Até fui ver no dicionário.
1) adj. 1. que dura por tempo limitado; existe ou é válido por um determinado período (somente); não permanente; provisório; feito para suprir uma necessidade passageira.
Quando conheci Chloe Rogers, há três semanas, achei que ela ficaria conosco durante uma semana. Seria temporário. Não havia dúvidas e, mesmo que Ant decidisse criar uma vaga extra de assistente editorial, não seria necessariamente ela a preenchê-la.
Há muita competição lá fora. Imaginei que haveria todo um processo de entrevistas para o qual apareceria um monte de jornalistas rejeitados com caras infelizes que, excepcionalmente, teriam se barbeado/vestido um terno/disfarçado a habitual expressão mal-humorada para disputar a vaga.
Mas lá estava ela, em toda a sua glória sensual. Em sua própria mesa, sendo sexy, dia após dia. É terrivelmente perturbador. O primeiro e-mail desta manhã era mais ou menos assim:
Para: Redland, Nick De: Rogers, Chloe Assunto: Precisa-se de passeio por Balham Texto: Nick, Já faz três semanas que estou nesta empresa e não conheço Balham muito bem.
Não faço ideia de quais cafés fazem os melhores sanduíches de camarão, em que bares servem a melhor cerveja e não cheiram a xixi, nem de como evitar os mendigos das redondezas.
Você acha que pode me ajudar?
Que tal uma visita monitorada? Estritamente de colega para colega, claro… Bjs Chloe
Aquilo sim era dar em cima. Posso ser bastante distraído no que diz respeito a mulheres, mas até eu sou capaz de sacar as pistas deixadas nesta mensagem. Até a tentativa de disfarçar com aquela história de “estritamente de colega para colega”.
Ainda assim. Adoro isso, e ela é muito engraçada também. Mulheres divertidas são ainda mais atraentes do que as que são somente atraentes.
Preparei os dedos e digitei a resposta, com aquele friozinho no estômago típico de quem vislumbrava um novo caso amoroso.
Para: Rogers, Chloe De: Redland, Nick Assunto: RE: Precisa-se de passeio por Balham Texto: Chloe,
Bem, com certeza posso dar um jeito de fazer um passeio rápido por Balham na hora do almoço. Como está sua agenda hoje? O resto da semana está meio caótico…
Não posso garantir a você tanta informação sobre a população local dos sem-teto, mas se você se refere a mendigos é só manter distância do nosso estacionamento.
Quanto ao assunto dos bares e sanduíches de camarão, pode contar comigo. Na verdade, vamos fazer os dois. Conheço um bar ótimo, que não cheira a urina e serve entradas excelentes.
Busco você (na sua mesa) à uma? Nick
Mas nada de beijos. Ela pôs beijos, mas eu não me deixaria ser fisgado assim tão facilmente. Ia me fazer de difícil. Estava tentando agir de acordo com minhas próprias regras e evitar romances no trabalho, mas isto seria só uma diversão – pelo menos foi o que disse a mim mesmo.
Uau, ela já respondera.
Para: Redland, Nick De: Rogers, Chloe Assunto: RE: re: Precisa-se de passeio por Balham Texto: Nick, Então, até logo. Não se atrase. BJS Chloe
Dessa vez beijos em maiúsculas, muito bem.
Recostei-me na cadeira e olhei para minha última ilustração. Fiquei bastante satisfeito com ela. Estava bem além dos rabiscos frustrados do início do ano. Na verdade, eu estava bem satisfeito com a vida.
Ultimamente vinha me sentindo muito inspirado, não sabia bem por quê. Devia ser porque estava aceitando as coisas tal como eram e aproveitando a vida. Passara muito tempo encanado pensando que minha perspectiva de vida pré-30 não estava correndo de acordo com o planejado e no quanto amava Sienna. Mas, de alguma forma, eu conseguira colocar tudo isso de lado e aprendera a viver um dia de cada vez.
Basicamente, consistia em saber aproveitar a viagem. Foi o que me disse um desconhecido no ônibus há algumas semanas, e, embora me parecesse irônico na hora, agora compreendo perfeitamente bem. Será que eu queria chegar aos 80 e me arrepender do tempo que perdi me preocupando com o futuro nos 20 ou 30 anos, quando, na verdade, as coisas até que estavam bem? Não posso imaginar nada pior. O que estou aprendendo, aos poucos, é a equilibrar as coisas. Trabalhar com afinco, ser ambicioso, batalhador, mas também relaxar e aceitar quando as coisas não correm conforme o planejado. Se nos esforçamos todos os dias para melhorar, então o que mais podemos fazer?
Contudo, ainda não consegui deixar de amar Sienna. Eu a adoro. Olhar para ela ainda me derrete as profundezas da alma. A mera presença dela me eleva mais o espírito do que qualquer outra pessoa que conheço. Pensar nela me enche de felicidade. O que temos é único. Mas aceitei
o fato de que ela nunca será minha, e então só me resta amá-la a distância e seguir em frente. Está funcionando. Sério. Finalmente, estou tendo paz.
No início, foi duro afastar-me de algo do qual dependia tanto. Era muito estranho no começo. Tive uma série de sonhos loucos com ela; eu estava num lugar qualquer – uma estação de trem, um supermercado, um centro comercial –, e a via sempre. Podia jurar que era ela e então cutucava seu ombro, mas, quando ela se virava, o rosto era apenas um borrão indefinido. Uma vez, estava numa biblioteca e a via entre as prateleiras de livros. Tentava dizer-lhe que a amava, mas ela não sabia quem eu era.
Em várias noites, acordei suando frio. Muitas vezes, meus dedos pairaram sobre o nome dela na lista de contatos do meu celular. Uma vez até escrevi uma carta para ela, mas ficou ruim e a joguei no lixo. Sentia que estava enlouquecendo.
Agora, percebo que a estava purgando. E agora, ela se foi. Não literalmente, claro – ainda nos vemos, ainda saímos juntos, mas muito menos. Quando estamos juntos, vou jantar com ela e George na casa deles. É menos doloroso assim e o pai dela adora.
O desejo agora é mais como um incômodo silencioso do que o fogo intenso que costumava ser. Agora posso sair com outras mulheres. Posso olhar para elas e apreciá-las. É como se tivesse retirado a venda dos olhos e me libertado – e estou adorando. Posso realmente desejar qualquer outra pessoa.
E, neste momento, desejo Chloe Rogers. Não do modo “Vamos jogar xadrez, passear a pé pelo parque e tomar um café e uns pãezinhos”. Meu desejo é passar um fim de semana picante com Chloe, daqueles em que só se sai do hotel se o alarme de incêndio disparar. Oh, não...
Eram 11 horas, era minha vez de fazer o café e também a hora da pegadinha semanal em Tom. Já fazia tempo... Havia uma promoção à vista, por isso eu estava me comportando melhor que de costume e também trabalhando muitas horas a mais.
Saí da minha mesa e me dirigi à redação, com meus tênis azul-celeste se arrastando sobre o carpete de poliéster arranhado. Dava para ouvir o som das pessoas teclando rapidamente e falando baixinho no telefone pela sala; todo mundo profundamente concentrado, incluindo Sienna, tão debruçada sobre o monitor do computador que me perguntei se não estava na hora de ela marcar uma consulta no oftalmologista.
Chloe estava sentada em frente a ela; sorriu para mim e baixou o olhar para o teclado. Dei-lhe meu sorriso especial, aquele que reservo para as garotas de quem estou a fim. Muitas vezes recebo de volta um olhar de desprezo e horror, mas ela ajeitou o cabelo atrás da orelha e mexeu na ponta dos cabelos. A princípio, aquilo era um bom sinal, certo? Mulheres mexem no cabelo quando estão a fim de alguém. Fato.
– Buu! – cutuquei os ombros de Sienna com os dedos indicadores, e ela quase bateu a cabeça no monitor com o susto.
– Pô, Nick! – gritou ela, me dando um tapa na barriga e me olhando enfurecida.
Puxei uma cadeira, sentei ao lado dela e comecei a fechar indiscriminadamente todas as janelas da tela, dentre elas um animado leilão no eBay por um par de botas de couro.
– Nick, pare com isso! – sussurrou ela, afastando minhas mãos e com isso derrubando um pequeno copo de água. Ela começou a rir.
Tentei ajudar a secar a água, mas acidentalmente empurrei quase toda para o colo dela. Ela deu um pulo com o choque da água fria que encharcava seu vestido e me lançou outro olhar diabólico que rapidamente se transformou em sorriso.
– O que você quer? – perguntou-me, enquanto voltava seu rosto sorridente para mim e com a mão esquerda me respingava o cabelo de água. Sienna nunca conseguia se zangar de verdade comigo.
Ela estava linda hoje, com um vestido florido justo, meia-calça e botas. O cabelo estava ainda mais comprido. Me espantei ao ver quanto crescera desde que a conhecera.
– Na verdade, não quero nada, Si. Só queria chatear você um pouquinho e acho que consegui. Quando é que vamos explorar a cidade? Já faz muito tempo... – Fiz minha cara de magoado. Aprendera a fazer aquilo com a cadela da minha avó, Suki, que era mimada. Especialista em obter tudo que queria, Suki tinha talentos que eu queria adquirir.
Mas não estava brincando quando falei que já fazia muito tempo. Era verdade. Fazia parte da estratégia de dar um tempo, mas talvez já fosse demais.
– Hum, deixe-me ver. – Ela pegou sua agenda cor de vinho e começou a folhear as páginas nervosamente. Caíram alguns recibos e depois o cartão de visita de um cara. Gostaria de saber quem era...
– Parece que estou ocupada… bem… para o resto da vida… Desculpe, amigo! – Ela encolheu os ombros e um sorriso atrevido iluminou seu rosto. Afundei a cabeça e suspirei.
– Só estava brincando, querido. Vou mandar um SMS pra você com os fins de semana que tenho livres e marcamos qualquer coisa – acrescentou, colocando a mão em meu braço. – Tenho sentido sua falta – cochichou em meu ouvido, parecendo arrependida logo em seguida.
Reparei que Chloe espreitava por cima da divisória; assim que seu olhar encontrou o meu, ela
o desviou para o monitor.
Afastei-me ligeiramente de Sienna, ciente de que nossa proximidade era um pouco estranha. Não era a coisa certa a fazer se eu pretendia alguma coisa com Chloe.
Quando fui levantar, inclinei-me na direção de Sienna e afastei de sua pequena e perfeita orelha um pouco de cabelo castanho brilhante.
– Também sinto saudade de você, Si – falei, tão baixinho que mais pareceu um sopro, e me afastei.
Senti um vazio profundo e tangível retornar. Vamos lá, Nick. Seja forte, por favor. Você estava se saindo tão bem, disse a mim mesmo.
– Nick! – Ouvi uma voz familiar gritando por mim quando me dirigia à cozinha. O chamado de Tom me distraiu de minha súbita espiral descendente.
Meu amigo desengonçado me enlaçou pela cintura enquanto nos dirigíamos à cozinha, rebolando como uma mulher. Morria de vergonha quando ele fazia aquilo. Era uma provocação à uma senhora de meia​-idade chamada Délia, que era do tipo homofóbica e convencida de que eu e Tom tínhamos um caso. Délia, que estava de pé junto à chaleira elétrica, atirou a colher na pia e saiu dali irritada. O preconceito certamente continuava bem vivo em algumas pessoas...
– Está a fim de comer um hambúrguer no almoço? – perguntou Tom, retirando uma série de canecas do armário.
– Não dá, amigo, desculpe mesmo – respondi, pegando a verde para mim. Adorava aquela caneca. O pai de Sienna me dera.
Tom, de longe, atirou os saquinhos de chá para a fileira de xícaras, errando a maioria. – Reunião? – perguntou – Não.
– Vai bater uma? – Não. – Cagar? – Não. – Consulta? – Não.
– Mulher? – foi seu último palpite, acertando em cheio. – Não.
– Ah, vai. Só pode ser mulher – arriscou, passando a mão ossuda pelo cabelo que caía, quase cobrindo o rosto, se ele não se cuidasse.
– Não, de jeito nenhum. Tenho o direito de querer um pouco de sossego em vez de ficar tomando conta de você. Aliás, falando em mulher, já deu um chega pra lá naquela Fiona, ou seja lá como ela se chama? – perguntei, rindo e espetando um garfo nele.
– Não, Nick. Na verdade, está indo bem – retrucou, saindo teatralmente da cozinha com um dos sapatos desamarrados. Ele era bem esquisitão.
Peguei o saco de açúcar que estava na prateleira de baixo e enchi a caneca dele com três quartos de açúcar puro e depois disfarcei com o saquinho de chá, leite e um pouquinho de água. Ele ia adorar.
Uns minutos mais tarde, deixei aquela bomba de açúcar na mesa de Tom.
– Está aqui, cara – disse eu, tomando cuidado para não bater a xícara com muita força na mesa.
– Obrigado, Nick – agradeceu, sem afastar os olhos do computador.
Saí de fininho para a minha sala.
Segundos mais tarde ouvi um grito de “Argh” e um som alto de algo sendo batido com força, parecendo o som de uma caneca lotada de açúcar sendo lançada numa superfície de madeira.
– OK, basta! – gritou, entrando intempestivamente na minha sala. Já estava rindo. – Isto é pra você, Nick. – Jogou o braço para a frente, e uma onda de água me submergiu, encharcando minha cara, camiseta e o pior, meu colo. Nem deu tempo de desviar. Que desgraçado...
Tom ficou ali parado com o copo de plástico vazio na mão, com muito menos água dentro do que segundos atrás. Sua expressão era de pura alegria, e o sorriso transmitia ao mesmo tempo espanto, prazer e medo. Como se nem pudesse acreditar no que fizera. Um pouco como a primeira vez em que você enfrenta o gozador da escola, embora na primeira vez em que fiz isso acabei levando um soco na boca dentro do vestiário antes mesmo de ter tido a chance de rir. Era preciso dar crédito ao rapaz. Já fazia tempo que aturava minhas provocações. Por sorte, Ant saíra para uma reunião, pois, por menos profissional que ele possa ser, duvido que achasse graça naquilo.
Uma pequena multidão já se juntara à porta da minha sala; podia ouvir um monte de risinhos. – Boa vingança, Tom.
Fiquei de pé e apertei sua mão. Ele estava claramente bem nervoso. Em seguida, peguei a lata de lixo e despejei por cima da cabeça dele, as folhas de papel flutuando enquanto caíam no chão e uma casca de banana pendurada no nariz dele. Ah, agora sim...

Esta é uma história de amor (Jessica Thompson)Onde histórias criam vida. Descubra agora