"Olha, isso não muda nada, OK?" PARTE II

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Sienna

É segunda-feira e as coisas não vão bem.
Segundas-feiras já são ruins sem nada de ruim acontecer. Tem mais gente no trem do que em qualquer outro dia da semana, os croissants da loja da esquina sempre acabam antes de eu chegar lá, e é o dia da reunião editorial, em que Ant consegue esmagar todas as nossas ambições jornalísticas numa hora. Mesmo num dia ensolarado como hoje, tudo parece uma porcaria.
E nesta segunda-feira eu acordei cerca de cinco minutos mais tarde, lembrei do que acontecera no sábado e me senti ainda mais acabada. Sim. Houve um abençoado período de 300 segundos em que eu me esqueci o que acontecera dois dias antes. Quando me lembrei, estava escovando os dentes e mordi o cabo da escova de tanta frustração.
Tudo começou por volta das nove da manhã, quando recebi um torpedo do Nickme pedindo para encontrá-lo no Alexandra Palace porque ele tinha “uma coisa para me perguntar”. Eu achei que era agora, sabe? Aquele momento pelo qual eu vinha esperando havia tanto tempo, em que ele escolheria um lugar que tivesse uma linda vista de Londres, num dia de sol, para me dizer que só conseguia pensar em mim.
Rapidamente, preparei uma salada linda, e, por mais estranho que pareça, papai e eu tínhamos feito um quiche e uma sobremesa na noite anterior, só para nos entreter. Ele insistiu que eu as levasse comigo, o que me deixou desconfortável.
– Nunca se sabe o que ele poderá dizer a você, Sienna – disse meu pai, premonitoriamente, ao embrulhar a comida. Ele era meio enigmático, às vezes.
– O que quer dizer? – perguntei, subitamente pensando que ele sabia de algo que eu não sabia.
– Não sei… só tenho um pressentimento. E eu vou passar o dia comendo isso tudo e engordando, então, por favor, leve com você e divida com ele – acrescentou, cortando um pedaço da torta de banana para guardar para si.
– De qualquer maneira, estou muito envolvido com essa história de escrever. Quero colocar muita coisa no papel hoje e não preciso de você limpando a casa – prosseguiu, me cutucando de brincadeira e apontando para a pequena pilha de cadernos pretos sobre o balcão da cozinha.
Eu não sabia direito o que estava escrito naqueles cadernos, eles eram muito particulares, mas
o que eu sabia é que ele escrevia todas as coisas que queria ver e fazer, e como ele achava que deviam ser. Eu me perguntava se a imaginação dele se tornara superdesenvolvida para compensar sua incapacidade de vivenciar as coisas de modo real, assim como um morcego tem uma audição incrível para compensar sua cegueira.
– Vou escrever sobre como deve ser correr uma maratona – informou, sorrindo de orelha a orelha e segurando uma revista de corrida.
– Você vai ficar bem? – perguntei.
– É claro que vou, querida. Prometo que vou usar meu capacete – acrescentou, enfiando-o na cabeça, o que o fez parecer um figurante num daqueles programas de jogos de sábado à noite.
– Obrigada – falei. Beijei-o no rosto e saí.
Quando cheguei ao portão do parque, avistei Nick, e ele parecia nervoso. Algo na atitude dele me dizia que eu não ia gostar das novidades. Ah, meu Deus, e se Chloe estivesse grávida? De repente, imaginei-me tendo que segurar essa criança e ainda parecer feliz. Ou será que eles iam se casar? Ah, Jesus, sim. Aposto que era isso. Ele estava naquela idade…
– Olá, magrela – disse ele, puxando-me para seus braços. Seu corpo estava tenso. Ele estava tenso. Por outro lado, talvez minha expectativa silenciosa estivesse certa dessa vez. Talvez ele dissesse algo sobre nós. Eu e ele… Algo bom. Maravilhoso, na verdade. Mas eu poderia estar errada. Talvez ele tivesse encontrado um novo emprego ou algo assim. Isso seria muito ruim. Em silêncio, disse a mim mesma para parar de especular com tanta avidez sobre o que ele tinha a me dizer.
Mas, aí, meu dia ensolarado acabou se diluindo num quadro soturno onde as cores todas haviam sumido, porque ele me contou que ia pedir para que Chloe fosse morar com ele. Coabitar. A estagiária virou permanente. Agora era oficial.
Fingi sentir o tipo de felicidade que você reserva para o colega que conseguiu a promoção que vocês dois disputaram, ou o sujeito que ganha 1 milhão de libras na raspadinha que comprou um segundo antes de você.
Nickdeitou-se apoiado nos cotovelos, com o contorno de sua barriga lisa sutilmente à mostra através de uma camiseta de um verde profundo com um desenho gráfico abstrato. Seu rebelde cabelo escuro saía por baixo de um chapéu de feltro incrivelmente sexy, que lançava uma sombra sobre seu maxilar forte com barba por fazer.
Eu não sabia o que fazer, então pulei sobre ele e o abracei. A emoção me inundou feito uma onda enorme. Era algo avassalador. Eu o estava perdendo. Eu queria agarrar-me a ele antes que os deuses repentinamente descessem do céu, o pegassem e o levassem de mim. Para sempre.
Ele também me abraçou, e, quando as lágrimas começaram a chegar, senti meu peito tremer. Prendi a respiração para que ele não percebesse. Se ele não percebesse, então talvez não visse a água que jorrava de meus olhos e eu conseguiria escondê-la.
Nickcontinuou a falar sobre a grande decisão, como ela surgira, empresas de mudança baratas para as coisas de Chloe, plástico bolha. Mas, para mim, eram só palavras sem sentido.
Mas aí ele percebeu minhas lágrimas, e eu me afastei. Eu só conseguia pensar que nossas noites passadas junto jogando teriam de acabar. Não haveria mais sessões de Donkey Kong, Street Fighter regadas a uns poucos JackDaniels e Cocas, seguidas de um charuto com aroma de cereja compartilhado. Merda.
– Mas não me esqueça, Sienna, por favor. Ainda podemos nos ver muito. Chloe adora você. Nada precisa mudar. Você promete que nada vai mudar? — disse ele, mexendo os dedos como se estivesse diante de um comando imaginário, encolhendo-se um pouco como se tivesse lido meus pensamentos.
Lá no fundo, eu sabia que era o começo do fim. Mais cedo ou mais tarde, Nickteria de crescer, mas é que eu desejava que fosse comigo. Depois, imaginei as expressões de Chloe e de Ben, e senti-me culpada por meus pensamentos. Ben passaria o dia inteiro na rua, e eu iria encontrá-lo mais tarde, mas fiquei imaginando que Nickapareceria e diria que me amava, assim como eu sempre o amei. Se ele dissesse essas palavras, será que eu ainda pensaria em Ben?
Em breve, ele estaria tão empolgado com os domingos preguiçosos na cama com a namorada, cafeteiras e vestidos combinando que eu seria relevada à insignificância. De repente, imaginei um convite de casamento caindo sobre o capacho e produzindo um terrível estrondo. Nós estávamos a um centímetro um do outro naquele momento, mas parecia que a distância já começara a aumentar. Um abismo doloroso e entediante no qual nós acabaríamos caindo se nenhum de nós se pronunciasse logo.
Nickacendeu um cigarro, descontraído. Eu perdera muito tempo, e, agora que ele estava prestes a coabitar com a deslumbrante temporária da empresa, a quem eu menosprezara, achando que seria só mais uma namorada qualquer com quem ele não se comprometeria. Todas as outras garotas tinham chegado e partido, e era isso que eu esperava. Nunca podia imaginar que ele fosse se estabilizar. Ele era tão solto, havia algo verdadeiramente mágico nele, como se ele pudesse fazer qualquer coisa e ainda escapar ileso. Ele era um espírito livre, irritantemente incapaz de ficar com uma pessoa por muito tempo. Mas agora ele dizia que Chloe iria morar com ele.
Nickera, e sempre foi, super-humano para mim. Ele até fazia os sonolentos anéis de fumaça produzidos pelos Marlboro Lights que fumava parecerem bacanas – em qualquer outra pessoa, pareceria uma repulsiva chaminé de fábrica saindo da garganta, do tipo que deixa um cheiro insistente de ovo podre pairando sobre aquele pedaço da cidade. Pobre Chloe, ela não fizera nada de errado, só se apaixonara por um dos homens mais lindos que Londres já teve o prazer de abrigar. Ele era homem, ela era mulher, e aquela coisa toda, e esta era uma história de amor. Uma história de amor que não me incluía. Tive um pequeno papel dentro dela, mas um papel desagradável. Como naquela vez em que eles me colocaram para ser a parte traseira de um burrinho na festa de Natal da escola.
Foi Chloe quem interrompeu a cadeia de pensamentos que me mantinha sentada à mesa, mordendo com força o lábio e lembrando daquele sábado.
– Quer um chá, querida? – perguntou-me, surgindo do nada. Dei um pulo de susto.
– Ah, oi, Chloe. Estou legal, obrigada. Tenho uma reunião daqui a pouco e depois vou tirar a tarde de folga. – Eu não sabia por que estava dizendo aquilo para ela. Não tinha nada a ver com o chá.
– Vai folgar numa segunda-feira à tarde? Que excitante – respondeu, inclinando-se e sussurrando ao meu ouvido: – Tem uma entrevista de emprego?
– Ah, não, não. Só vou fazer um favor a um amigo – respondi, esperando que ela não pensasse que eu estava falando de Nick, porque, pela primeira vez, eu não estava. Ela saiu valsando para a cozinha, saltitante. Perguntei-me se ele já contara a ela.
Quando a reunião terminou, saí do escritório e caminhei até a estação ferroviária de Balham, onde me encontraria com Laura. Eu estava nervosa. Meu coração pulava no peito. Eu sabia que era um passo enorme que poderia mudar a vida de Pete para sempre – e para melhor. Mas eu também sabia que junto com esse movimento vinha um risco. Um risco enorme. Eu havia visto, mais de uma vez, os ataques de fúria que o acometiam, e eu sabia que isso poderia terminar do mesmo modo. Era uma ousadia, e eu morria de medo de que ele me odiasse por fazer aquilo.
Abrindo caminho por entre as pessoas, avistei Laura parada ao lado das máquinas de bilhetes. Era possível localizá-la a um quilômetro de distância. Seu cabelo era loiro com dreads enormes em camadas azuis e vermelhas. Ela tinha uma aparência estranha, mas de maneira fascinante e bonita. Tinha um pequeno piercing no nariz e dentes curtos e brancos em meio a um rosto delicado. Um rosto quase delicado demais para estar cercado por tamanho volume de cabelo emaranhado.
– Olá, Sienna – disse ela, me abraçando.
Ela usava um jeans largo, regata preta e tênis de solado grosso. Era o tipo de garota por quem eu me sentia intimidada quando era adolescente, porque ela tinha muito estilo. Hoje, eu só olhava para ela e ficava imaginando seu passado, de onde ela viera e como viera parar nesse trabalho atípico. Uma assistente social que resgatava vidas das calçadas da cidade.
– Olá, Laura, eu lhe agradeço. Estou bastante nervosa – eu disse, percebendo que mexia freneticamente no cabelo.
– Não se preocupe. Vamos resolver tudo. Você sabe onde ele pode estar? – perguntou, inclinando a cabeça para um lado de modo inquisitivo, feito um cão. Ela tirou um enorme chiclete cor-de-rosa da boca e jogou-o numa lata de lixo próxima. Debaixo do braço, ela carregava uma pasta preta grossa com uma caneta grudada.
– Sim, tenho certeza de que vamos conseguir encontrá-lo. – Eu estava começando a me sentir enjoada.
Era aterrador. Será que eu estava fazendo a coisa certa?
– Lembra-se do que eu disse quando nos falamos por telefone? – perguntou-me, levantando uma sobrancelha para mim.
O telefonema. O telefonema… Já tinha um bom tempo, e eu passara por muito nervoso. Estava tudo meio nublado.
– Sobre como ele pode reagir? É muito comum que eles fiquem agressivos quando são abordados. Pessoas desabrigadas estão muito estabelecidas, de muitas maneiras; elas não conseguem ver uma saída, então criam um novo estilo de vida, um novo conjunto de atitudes. – Ela agitou os braços no ar ao dizer isso, como se quisesse enfatizar o drama da situação. – Eu só estou dizendo que pode exigir mais de uma tentativa, OK?
Mais de uma tentativa? Eu não estava tão certa de que aquilo era possível. E se ele nos rejeitar da primeira vez e nunca mais falar comigo? E se ele sair correndo e sumir sem eu ter oportunidade de explicar?
– Vamos – disse ela, puxando-me com calma para fora da estação.
– Acho que ele deve estar no parque aqui perto. Tem uma árvore de que ele gosta, uma árvore caída, na verdade, e eu sempre o encontro lá – disse eu, começando a tremer. A situação estava me deixando com os nervos à flor da pele. Eu podia sentir que minhas orelhas estavam vermelhas e minhas bochechas, coradas. Aquilo significava tanto para mim. Significava tudo.
– Então, se o encontrarmos, quero que você ande um pouco adiante de mim e diga a ele quem eu sou e que você nos contatou na instituição beneficente, está bem? Estarei bem atrás de você o tempo todo, e depois você deixa que eu assumo, certo? – Ela me olhava dentro dos olhos, como se essa parte fosse muito importante e eu realmente precisasse me controlar e ouvir.
– Está bem – respondi. Eu tinha de confiar nela. Essas pessoas sabem o que fazem. Eu aprendera tudo sobre como resolveríamos aquilo quando liguei para eles. Que, se Pete quisesse, poderia ir para um abrigo temporário, que não era uma maravilha, enquanto eles conseguiam um abrigo melhor. Depois, se ele quisesse ajudar a si próprio, poderia arranjar um emprego e moradia adequada. Eles o alimentariam no abrigo. Ele teria seu próprio quarto. Uma oportunidade.
Entramos timidamente no parque, que se estendia à nossa frente como um grande tapete verde. Virando algumas esquinas, avistamos a árvore caída e, para meu alívio, lá estava Pete sentado nela e mexendo com os pés um graveto. Caminhei na direção dele lentamente, com o medo parado na garganta. Ele só percebeu quando cheguei bem perto.
– Pete – falei, baixinho. Ele estremeceu.
– Ah, olá, querida – respondeu, olhando, confuso, para a mulher atrás de mim antes de alguma coisa mudar em sua expressão e ele perceber que algo diferente estava acontecendo. Ajoelhei- me para ficar na altura dele e coloquei minha mão sobre a dele.
– Pete, não quero que fique bravo com… – tentei explicar, mas ele me interrompeu, inclinando-se e sussurrando ao meu ouvido, com a barba me roçando o rosto.
– Quem é a mulher com a prancheta, Si? Quem é ela? O que você fez? – Ele parecia zangado. Seus olhos se estreitaram, e a pele em volta deles se enrugou. Reconheci a mesma hostilidade da vez em que eu lhe pedi a foto e fiquei muito tempo com ela, e da vez em que eu perguntei sobre a briga. Eu sabia aonde aquilo iria dar. Minhas palavras ficaram presas na garganta.
Laura pareceu perceber e aproximou-se de fininho.
– Pete, meu nome é Laura e eu sou de uma instituição beneficente – disse ela, num tom carinhoso, estendendo a mão para ele.
Ele cuspiu no chão e grunhiu, esticando a camiseta por cima dos joelhos para esconder-se.
Cuspir e ficar furioso eram traços de um adolescente raivoso e assustado, longe do homem inteligente que eu aprendera a amar. Esse não era o Pete que eu conhecia, o Pete que eu queria que ela conhecesse. Este era o Pete cheio de fúria, que atirava latas de cerveja nas janelas dos escritórios. Eu esperava que fosse só o álcool naquela época, mas ele parecia sóbrio agora, mas ainda furioso. Eu só queria que ele mostrasse a ela quem ele realmente era: um indivíduo brilhante e amoroso que estava um pouco perdido. Vamos lá, Pete. Esta é a sua chance…
– O que você quer, Laura? – Ele levantou a voz e jogou os braços para o ar. – Quer me ajudar? Posso assegurar a você que não sou digno de ajuda. Eu me meti nessa confusão toda e posso sair dela. Sozinho. – Ele puxou os joelhos para ainda mais perto do peito, o logo plástico no alto, esticado e descascando onde a tinta estava sendo puxada. Ele fechou os olhos bem apertados de frustração.
– Certo, acho que devemos esquecer isso. – Virei-me para Laura. Eu fiz tudo errado. Nunca deveria ter interferido. Laura me ignorou e foi sentar-se ao lado de Pete.
– Olhe, Pete. Eu só queria bater um papo com você, OK? Você não precisa fazer nada que não queira. Não vamos levá-lo a lugar nenhum, não vamos forçar nada. Você pode só conversar um pouco comigo? – Ela olhou para ele, mas ele manteve os olhos no chão, como se estivesse tentando comunicar-se com as minhocas. Mantive-me a distância, mas ouvindo cada palavra.
– Como tudo isso começou? Não se importa que eu anote, não é? – perguntou ela, indo direto ao ponto, puxando a esferográfica da prancheta e aprontando-se para escrever.
– Como você pode me ajudar? Ninguém pode me ajudar. Não existe nada de graça no mundo – murmurou ele, finalmente olhando para ela. Fiquei assustada. Aterrorizada, de fato, por ter cometido um erro tão grande. Um erro que estragaria três anos de uma delicada amizade.
Fez-se silêncio. Um silêncio profundo, longo e cavernoso. Um esquilo correu tronco abaixo, agarrando a casca com as unhas e mudando de posição nervosamente. Pete se distraiu observando cada movimento dele, e começou a rir sozinho. Mas era um riso estranho… Um riso esquisito, carregado de frustração.
De repente, ele pareceu acalmar-se, e depois de alguns minutos, disse:
– Minha esposa morreu. Foi aí que começou. – Ele recostou-se no tronco espinhoso e forçou a cabeça contra ele, olhando para a copa folhosa lá em cima, com raios de luz a cortando feito faixas de purpurina.
– Eu estava no trabalho quando recebi o telefonema. Eu era organizador de eventos, sabe, shows e coisas assim. Eu nunca vou esquecer. O acidente ficou conhecido como o desastre ferroviário de Oakwood Park. – Ele fez mais uma pausa, como fizera comigo tantas vezes. Era incrível como seu humor podia mudar tão depressa. – O trem descarrilou, e ela estava nele, você deve saber dos detalhes. Eu achei que era uma brincadeira, então eu só disse um monte de “nãos”. Depois, liguei a TV no noticiário e lá estava, pedaços de metal retorcido, a carcaça rasgada como se fosse um pedaço de papel. E eu sabia que minha linda esposa estava lá dentro, e eu não estava lá para salvá-la, protegê-la. – Seu tom voltou a ficar colérico enquanto recontava a história.
– Qual era o nome dela? – perguntou Laura.
– Jenny – disse Pete, num suspiro rouco, como se o simples fato de pronunciar a palavra o fizesse sangrar.
– Suponho que você vivia com ela. – Ela foi investigando mais fundo, rabiscando anotações no papel, a caneta arranhando a superfície com força. Eu podia ouvir cada letra.
– Sim. Alugávamos uma casa de um dormitório em Balham. Depois disso, não consegui mais trabalhar, não consegui fazer mais nada. Eu tentei, mas acabava fazendo tudo errado. Tudo desmoronou. Acabei sendo expulso da casa, e o resto você sabe… – Ele pareceu tão furioso ao dizer isso. Quase furioso consigo mesmo.
– Não sei, não, Pete. As pessoas são diferentes. Acha que pode me contar?
Ele correu as mãos pelo cabelo, a frustração fervendo mais uma vez, como se falar naquilo fosse a última coisa que ele queria fazer.
– Bom, eu comecei ficando na casa de amigos, familiares, você sabe. Mas, por mais que as pessoas lhe digam que você é sempre bem-vindo, não dura para sempre. Você começa a atrapalhar, deixar cereais na tigela por muito tempo, aí eles ficam duros e não dá pra lavar. Você faz coisas que incomodam as pessoas, e você faz coisas de um modo diferente daquele que elas estabeleceram, e aí elas não querem mais você.
… Comecei a me ofender com isso, porque eu estava um pouco amargo, e duro. Eu ficava bravo e sistematicamente puto com todo mundo que eu encontrava, até que eles me fecharam as portas. Foi então que dormi a primeira noite num banco. – Ele esticou as pernas, como se revivesse a sensação das ripas de madeira sob seus membros pela primeira vez.
Eu ouvia e pensava em toda aquela baboseira com Nick, na estupidez de meus sentimentos inúteis. Pensei em como passamos nosso tempo pensando que estávamos em perigo porque a torradeira ou a Digibox não fabricava mais o The X Factor quando existe gente que foi rejeitada por todo mundo. Comecei a me acalmar quando percebi que podíamos estar chegando a algum lugar. Mas eu estava errada.
– Olha, eu tentei, mas não quero falar nisso – disse Pete, secamente, voltando-se para olhar para Laura com os lábios ligeiramente trêmulos.
– Tem certeza de que não pode ficar mais uns minutinhos, Pete? – perguntou Laura, ficando um pouco mais tensa.
– Não. Não. Não vou ficar. Só me deixe em paz, está bem? – disse, levantando-se. Ele andou até mim e me olhou nos olhos.
– Por quê, Sienna? Por que você vive tentando me ajudar? Fique longe de mim, está bem? – sussurrou e sumiu na distância.
Eu não podia com aquilo. A emoção estava me apertando a garganta novamente. Era provável que eu tivesse estragado tudo. Para sempre. Não queria que Laura me visse chorar, então apertei seu braço em agradecimento e afastei-me. Depressa.

Esta é uma história de amor (Jessica Thompson)Onde histórias criam vida. Descubra agora