"É uma caixinha que eu levo comigo para todo lado..."

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Nick

O grande dia chegara. Meu aniversário. Trinta anos. O imponderável número que passei uma década receando e ansiando em igual medida.
Receando porque tinha aquela sensação de "Ah, meu Deus, só me restam alguns anos para me tornar alguém bem especial", e ansiando caso um dia acordasse e constatasse que eu já era alguém bem especial.
De início, a realidade não foi nada especial.
Acordei às oito da manhã, o que foi um bom começo. Estava vivo. Era um dia de outono agradável e ensolarado. Abri a janela para deixar entrar o ar; era fresco e gelado, e eu adorava. Um esquilo saltou graciosamente para um galho, quase ao alcance da minha mão, antes de escapulir pela casca grossa e rugosa da árvore. Um idoso passeava com seu cachorro na rua lá embaixo, com um largo sorriso no rosto.
Chloe não estava em minha cama. Lembrei-me de que a expulsara deliberadamente na eventualidade de eu ter alguma espécie de ataque de pânico e acabar tendo de respirar dentro de um saco de papel.
A primeira grande constatação foi que todos os meus membros estavam em perfeitas condições. Não havia nenhuma necessidade urgente de converter meu depósito do jardim em oficina de marcenaria ou de começar a registrar em planilhas os pássaros que avistava no jardim. Até ali, tudo bem.
O primeiro passo foi dirigir-me ao banheiro. Minhas articulações não rangiam; todos os movimentos estavam fluidos como sempre tinham sido. Caminhei cautelosamente em direção ao espelho e observei meu reflexo. Ufa. Não me transformara no meu pai, por mais bonito que ele seja. Continuava com os mesmos quatro fios de cabelo branco do dia anterior, e nenhuma ruga a mais em volta dos olhos. Tudo corria bem.
Meu telefone tocou, então disparei de volta ao quarto para atender, batendo o pé numa caixa cheia de livros. Infelizmente, continuava desastrado. Senti os olhos marejarem.
- Feliz aniversário, bonitão - disse a voz ronronante de Chloe. Minha cabeça imediatamente se encheu de imagens dela usando lingerie. Era bom. Logo me arrependi de tê-la mandado embora na noite passada. Podia estar tendo as primeiras relações sexuais de minha verdadeira vida adulta. Talvez agora começasse a ser bom nisso...
- Bom dia, Chloe. Como você está, minha linda? - perguntei, enfiando-me de novo na cama, debaixo dos lençóis.
Eu avisara no trabalho que tiraria o dia de folga. Não era algo que faria normalmente, mas tive medo de ter um treco e não queria que isso acontecesse no terceiro andar de um escritório em Balham. É bem alto. Pensei que lidaria bem com isso tudo - você sabe, aquela história de aproveitar a viagem. Mas passara a última semana dos meus 29 anos num estado de ansiedade aguda. Será que fui louco o bastante? Será que fui louco demais? Deveria ter feito alguma coisa de modo diferente? Será que fora um idiota egoísta?
- Estou ótima, obrigada, Nick. - A voz de Chloe interrompeu o meu raciocínio. - Vou visitar você esta noite para levar sua surpresa de aniversário... pode ser? - Ela baixou o tom de voz; aparentemente, minha surpresa seria ou infeliz ou sexy. Desejei que fosse a segunda.
Na verdade, não estava para grandes agitos. Só queria que o dia acabasse para então começar a me preocupar com a chegada dos 40. Seria uma tarefa para 10 anos, e eu precisava de toda a força que pudesse reunir.
- Claro, está ótimo. Mal posso esperar para ver você - respondi, em seguida desligando o telefone e puxando os lençóis macios para debaixo do nariz. Tinham o cheiro dela. Que delícia.
E agora, o que eu faria? Gostaria muito de ver Sienna. Na realidade, isso me deixava muito nervoso. Embora desejasse que meu trigésimo aniversário passasse despercebido nos livros de registros como um dos dias mais discretos e irrelevantes da história, ficaria magoado se Sienna não fizesse parte dele. Era bom que eu me mantivesse a distância, mas hoje eu precisava dela. Ela não planejara nada comigo. Nada. Havia semanas que não fazíamos praticamente nada juntos.
Ouvi uma batida forte na porta. Tentando imaginar quem poderia ser, saltei da cama, me embrulhei num grosso roupão azul e desci as escadas na ponta dos pés. Através do vidro, vi o contorno borrado de um carteiro. Foi denunciado pelo casaco vermelho-vivo e pela faixa refletora amarela.
Ah, céus. Vai ver que minha mãe me enviou de novo um de seus bolos caseiros, que na maioria das vezes chegavam amassados e desfeitos e traziam na cobertura alguma fotografia horrível de quando eu era um bebê desdentado e usava fraldas gigantes. Abri a porta e espreitei pela fresta.
- Tudo bem, amigo? - disse uma agradável voz masculina. - Olá - respondi, num tom levemente receoso.
- Isto é para você. Pode assinar aqui, por favor? - Passou para mim uma daquelas pranchetas com uma caneta fininha, que faz nosso nome parecer ter sido escrito sob efeito de anestesia.
Ele me entregou uma caixa pesada, embrulhada no tradicional papel marrom. Sim, era sem dúvida um bolo. Deus a abençoe. Já imaginava que foto horrível ela teria posto esta vez. Pareciam piorar a cada ano que passava; talvez tivesse caprichado e escolhido aquela em que eu mostrava para a câmera uma meleca recém-tirada do nariz. Ai...
Levei a caixa para a sala e preparei um chá. Não estava com muita pressa de abri-lo. Comecei a pensar de novo em Sienna. Na verdade, era só com ela que eu tinha vontade de estar. Ela me acompanhara durante o pior de minha angústia existencial pré-30; riu de mim quando foi adequado e me abraçou quando as coisas se tornavam um pouco difíceis. Ela era maravilhosa, mas onde será que se metera?
Levei a caneca de volta para a sala e comecei a abrir a pequena pilha de cartões que tinham sido deixados na caixa de correio nas últimas semanas. Havia um da minha tia-avó Polly, endereçado ao "Meu querido sobrinho Daniel, no seu trigésimo segundo aniversário". Bem, pelo menos ela se lembrara da data. Pensei que deveria fazer uma visita em breve. Provavelmente, era em parte culpa minha que ela achasse que meu nome era Daniel; ultimamente eu andava meio preocupado. De qualquer forma, 32...
O próximo era do trabalho. Todo mundo assinara, até Dill. Fiquei emocionado. Coloquei num lugar de honra em cima da prateleira da lareira. Depois havia outro de Ross e do pessoal: eles tinham colado uma fotografia do grupo nas nossas férias em Ibiza havia dois anos e meio. Estávamos rosados de tanto sol e cerveja. Sorri. Dentro havia um monte de mensagens bobas e escrachadas e a promessa de uma noite com tudo grátis. Até que não seria assim tão ruim...
Reconheci a letra do seguinte, mas não tinha certeza de quem seria. Rasguei apressadamente o envelope e me deparei com o nome Amélia assinado embaixo, em tinta preta. Ah, meu Deus. Aquilo é que era volta ao passado. Lembrei daquela manhã em que ela desmoronou do lado de fora da porta, chorando, e me perguntei se agora seria feliz. Esperava que sim. Esperava realmente, já que eu era.
O último postal era da minha mãe, do meu pai, da minha irmã e da cachorra. Era muito longo e bem sentimental e me deu um nó na garganta do qual tratei de me livrar. Dizia até que tinham orgulho de mim. De mim! Por quê? Não pude deixar de reparar na frase mais abaixo, onde se lia: "PS: Você tem de vir este fim de semana para buscar seu bolo. Eu não conseguiria suportar que meus esforços culinários chegassem às suas mãos em migalhas".
Que estranho. Olhei desconfiado para a caixa marrom pousada em cima da mesa. Reparando bem, era bastante grande. E pesada. Grande demais para um bolo. Comecei a ficar preocupado. Podia ter sido enviado por qualquer um. Podia ser um pacote de anthrax enviado por alguém que eu tivesse irritado inadvertidamente um dia qualquer.
Coloquei o pacote no colo e comecei a rasgar o embrulho, destapando uma grande caixa de sapato. Bebi mais um gole de chá e abri a caixa. Lá dentro se encontrava outra caixa, embrulhada em jornal; dessa vez era uma caixa da Topshop. Desembrulhei-a. Debaixo dessa camada havia outro papel de embrulho cor-de-rosa e mais uma embalagem menor. Já estava sacando o que era aquilo. Na minha idade, não ia cair naquele tipo de brincadeira...
Continuei a rasgar camadas e mais camadas até chegar a um livro pesado de capa dura. Um livro preto. Aquilo estava me deixando meio nervoso. Abri cautelosamente o livro e me deparei com um recorte de jornal amarelado. Olhei mais de perto e distingui a foto de um esquilo fazendo esqui aquático. Por baixo, escrito a mão, lia-se: "Tudo começou num trem...".
Caraca! Era de Sienna. Uma sensação agradável e calorosa percorreu meu corpo e me lembrei da primeira vez que olhei nos olhos dela. Comecei a tremer um pouco ao virar a página seguinte.
Logo me dei conta de que ela criara um livro. Um livro inteiro, só para mim. O título era A História de Sienna e Nick. Era a coisa mais tocante e profunda que alguém já fizera por mim. Voltei a sentir um nó na garganta e foi como se o tempo tivesse parado. Já não ouvia o barulho da rua lá fora, era como se o mundo estivesse no mute. O gesto de Sienna me acertou em cheio para logo depois me abraçar com firmeza.
Estava tudo no livro: entradas de cinema, cartões de embarque, todas as fotografias que tiramos juntos, minicartazes dos nossos filmes preferidos. Tinha letras de música, histórias engraçadas... Cada um dos momentos felizes que tivemos a sorte de viver em nossa curta relação estavam ali, distribuídos por todas as páginas, harmoniosamente dispostos com amor e carinho.
Notei que os pelos de meus braços se arrepiaram. Aquela sensação familiar voltava a me percorrer e li de novo o livro, desde a primeira página.
Coloquei os pés na mesa de centro e me deixei embarcar numa viagem, recordando tudo que acontecera desde que a conheci. Com o indicador, contornei o rosto dela numa das fotos que tiramos numa cabine de instantâneos na Flórida. Ela estava sentada ao meu colo e ria. Meu Deus, ela era demais.
Quando a conheci, ela era uma criança, na verdade, mas muito mais preparada para enfrentar
o mundo do que eu estava ou virei a estar algum dia, espero.
Conseguia sentir seu cheiro. Conseguia sentir seu gosto. Conseguia sentir o calor dela bem ao meu lado. Tenho vergonha de admitir, mas uma lágrima enorme caiu de meu olho direito e escorreu pelo rosto. Uma lágrima de felicidade. Pela primeira vez na vida outra pessoa, Sienna Walker, pegara um dos dias mais assustadores de minha existência e o transformara num dos mais felizes, e nem sequer estava aqui...
Peguei o telefone com a mão tremendo e pressionei a tecla dois, com o coração aos saltos. - Olá, Nick- respondeu ela, soando como se tivesse um sorriso enorme no rosto.
- Sienna, que demais. Obrigado. Muito obrigado. Você nem imagina... quanto... quanto... ahhh... - Eu nem conseguia falar, mas esperava que ela tivesse compreendido. Percebi que tinha a cabeça baixa, apoiada entre as mãos, e o telefone estava preso entre a orelha direita e o ombro.
- Parabéns, querido - respondeu ela, com o afeto de sempre na voz ressoando pela linha metálica.
- Não precisava fazer isso. Deve ter levado um século para fazer. Mas está incrível, Si - afirmei, sentindo-me de repente muito nervoso. Intimidado pela grandiosidade dela. Seguiu-se uma curta pausa enquanto eu a ouvia se deslocar para o banheiro feminino, presumi.
- Sei que isso pode parecer cafona - começou, inspirando profundamente -, mas adoro você, NickRedland. Você me ajudou em muita coisa. Estaria perdida sem você. Portanto, era o mínimo que podia fazer. Obrigada por estar sempre presente. - Ela parecia nervosa.
Suas palavras me tocaram fundo.
- Preciso ver você, Sienna. - Simplesmente saiu da minha boca. Foi involuntário. A frase saiu por ser a coisa mais natural do mundo.
- A gente vai ser ver em breve, prometo. Olha, tenho de ir. Tenha um fantástico trigésimo aniversário, Nick, e tenha orgulho do que você é.
E foi isso. A ligação terminou. Olhei para as fotografias de Sienna e eu numa cabine de instantâneos de um supermercado e, pela primeira vez em muito tempo, tive orgulho de ser quem sou.

Esta é uma história de amor (Jessica Thompson)Onde histórias criam vida. Descubra agora