Nick
Eram mais de dez e meia da noite de sexta-feira quando arrombamos o apartamento de Sienna. O vizinho dela, Jack, e eu. Ele me disse que a ouvira gritar, depois batera na porta algumas vezes, mas ninguém respondera.
– Ela deveria ter se encontrado comigo horas atrás – disse a ele quando estávamos no sombrio corredor do prédio. Eu estava usando a camisa vermelha e branca com listras da Flórida, minha melhor calça e sapatos elegantes.
Ele parecia extremamente preocupado. Eu nunca o vira antes, mas já ouvira falar dele. Eu sabia que ele ajudara Sienna e o pai no passado. Ele tinha cabelo branco muito grosso e crespo, que crescia em tufos encaracolados; a pele de seu rosto era cinza e enrugada, mas havia algo cordial em suas feições. Gentil.
Eu o encontrara andando para lá e para cá no corredor quando subi até o andar do apartamento. Sienna não atendera meus telefonemas. Eu já estava preocupado, mas, quando o vi, soube que tinha razão para tanto.
– Acho que precisamos arrombar a porta – disse ele, com calma.
– Mas pode ser que ela tenha só saído – protestei, louco para não fazer uma cena. Eu sabia que George devia estar lá dentro, dormindo quietinho, sem ideia do que se passava aqui fora. Talvez ela tivesse gritado de alegria por causa do emprego, tivesse se entusiasmado demais e esquecido de encontrar comigo. Era realmente necessário arrombar a porta?
– Mas Nick, seu nome é Nick, não é? – Eu fiz que sim. – Eu ouvi, amigo. Ela estava gritando, e parecia muito perturbada. – Ele estendeu o braço e o colocou no meu ombro, tentando me fazer ver que ele tinha razão.
Meu coração ficou apertado. Ele estava certo. Devia ser grave.
– Ela não é do tipo que não atende o telefone, é? Não aparece? – perguntou, punhos cerrados, no que eu presumi ser uma tensão não expressada.
– Não, não é, não – concordei, balançando a cabeça. – Bom, então vamos ter de colocar essa porta abaixo.
Olhei para ela. Era uma porta enorme e forte. Maior e mais forte do que eu. Eu não tinha ideia de como dois homens como nós iam conseguir derrubá-la.
– Vamos lá – encorajou-me, dando alguns passos para trás e pressionando seu corpo contra a parede. Ele me chamou para ficar ao lado dele. – E já! – gritou, e nós dois corremos na direção da porta, jogando nosso peso de encontro a ela com força.
Eu era mais um cara de literatura e xadrez que um sujeito forte capaz de derrubar estruturas muito sólidas. Deu para ver. Meu braço começou a latejar imediatamente e minha pele ardia quando eu me afastei. Não tínhamos nem deixado vestígio de nossa investida.
Depois, de repente, um fogo acendeu minha alma. Eu tinha de chegar até ela. Uma força enorme surgiu de dentro de mim. Uma força que eu nem sabia que tinha. Investimos contra a porta várias vezes, até ela ceder, lançando nós dois para dentro da sala de Sienna.
A porta voltou violentamente para trás; o som das partes metálicas zunindo e atingindo as paredes feriu meus ouvidos. Eu podia ouvir a madeira se rasgando e se quebrando, e depois ela ficou pendurada, inerte, pela dobradiça inferior. Eu estava sem fôlego. Nervoso. Estava escuro. Demorou algum tempo para meus olhos se ajustarem, e foi então que eu a vi, de costas para nós, no sofá em meio à escuridão. Ela nem se virou. Ah, meu Deus. Corri para ela e me joguei ao lado de sua pequena figura, que estava dobrada para a frente.
– Sienna, querida. O que está havendo? – perguntei freneticamente, tremendo tanto que mal conseguia controlar-me.
Ela só olhava para a frente, encarando o infinito. Toquei seu rosto suavemente. Estava molhado, e mais lágrimas corriam de seus olhos, como uma torneira esquecida aberta no canto da mente. Eu a abracei forte. Passei os braços em volta de seu corpo e a apertei. Eu podia sentir seu coração batendo no peito. Ela começou a estremecer.
– Sienna, me escute. – Eu peguei seu rosto, começando a ficar desesperado. Seu corpo tornou- se inerte, e eu fiquei sustentando todo o seu peso. – O que houve? – implorei. Ela não disse nada, nem sequer reconheceu minha presença.
Senti um tapinha no ombro. Era Jack.
– Você precisa vir aqui – disse ele, baixinho, ao meu ouvido.
Afastei-me de Sienna, que afundou nas almofadas, e o segui até a cozinha. Uma pequena réstia de luz vinha de um abajur ligado. Lá estava ele. George. Com o rosto virado para o chão, as mãos envoltas nas fitas dos balões que eu encomendara. Ah, não, não…
Corri de volta para Sienna e abracei-a. A dor me inundou de tal modo que comecei a chorar. Devagar, puxei o rosto dela para perto do meu peito e afaguei seu cabelo. Eu tinha de protegê-la disso. Salvá-la. Mas era tarde demais. Ela passara por tudo aquilo sozinha.
– Nick, o que está fazendo? – perguntou ela, endireitando-se e colocando o nariz perto do meu. Seu rosto não tinha nenhuma expressão, e ela falava sem sentir.
Coloquei as duas mãos no rosto dela e beijei seu nariz.
– Si, precisamos chamar uma ambulância e a polícia, está bem? Precisamos de gente para nos ajudar – sussurrei por entre minhas lágrimas, novamente sentindo-me tão desinformado quanto me sentira quando George desmaiara diante de mim. Uma ambulância, pensei, sem ter certeza de que isso era realmente o que tinha de ser feito em situações como essa.
– Ninguém precisa fazer nada com o meu pai. Não, não precisa – disse ela, começando a soluçar.
Beijei seu nariz novamente, dessa vez mantendo meus lábios apertados contra o rosto dela por mais tempo.
– Olhe, você fica aqui, está bem? Vá se deitar. Eu resolvo tudo. – Cocei a cabeça e fiquei pensando no que fazer em seguida. Ela só balançou a cabeça e ficou lá parada. – Por favor, Sienna – ouça-me, está bem? Vou cuidar de você. Vou chamar as pessoas certas que podem nos ajudar, e depois você vai para a minha casa comigo, certo? Preciso ficar com você, para o seu próprio bem.
Ela acabou parando de balançar a cabeça e deitou-se no sofá, vencida pela exaustão. Jack já começara a ligar para os serviços de emergência; ele andava em volta do corpo de George com
o telefone no ouvido e um olhar preocupado no rosto.
Corri para o quarto de Sienna, procurando uma mala. Acabei achando uma e enfiei nela o máximo de roupas que consegui. Eu não estava pensando direito. Peguei o seu casaco de inverno, mas me detive ao tentar colocá-lo na mala. Estávamos no verão, pelo amor de Deus. Escova de dentes. Xampu. Sabonete…
Logo, o apartamento estava cheio de uniformes verdes e do som de velcro se abrindo. Sienna acabou levantando do sofá e ficou observando enquanto eles realizavam vários testes, pressionando os dedos no pescoço dele em busca da vida que deixara seu corpo. Ela observava sem dizer nada. Eu não sabia ao certo se devia afastá-la daquilo. Cobrir seus olhos. Protegê-la. Em vez disso, deixei que ela os assistisse, mas abraçado a ela o tempo todo. Senti que era importante que ela soubesse que ele estava em boas mãos. Ela não disse nada.
Quando George já fora levado do apartamento, levei-a para casa. Para longe daquilo tudo. Jackcuidou de tudo incrivelmente bem. Salvei o telefone dele no meu celular e lhe disse que ligaria assim que pudesse, para informar como Sienna estava.
A viagem foi difícil. Dirigir foi difícil. Quando ela finalmente concordou em entrar no carro, começou a tremer novamente, mas não porque estava com frio. Era o choque. Ela ficou muito tempo olhando pela janela, sem dizer palavra, até chegarmos a minha garagem.
– Ele morreu, não é, Nick? Respirei fundo e desliguei o motor. – Sim, Si. Ele morreu. Sinto muito.
Ela só fez um sinal com a cabeça e abriu a porta. Um sentimento estranho tomou conta de mim. Minhas lágrimas haviam secado e a histeria desapareceu. Eu tinha de apoiá-la e não poderia fazer isso se estivesse desmoronando. Eu tinha de ser forte. Então, de algum modo, eu fui.
Naquela noite, ela dormiu na cama comigo. Ela não quis comer nada e foi para a cama totalmente vestida. Estava cansada demais para colocar o pijama, então só desligamos a luz e ficamos lá. Sua respiração estava totalmente normal enquanto ela tentava compreender o que aconteceu. Eu não queria confundi-la com palavras, então fiquei quieto, abraçando-a, agarrado bem forte a ela. Pesar. Imobilidade. Frustração.
Ela acabou pegando no sono. Eu, não. Fiquei acordado, como uma coruja. Por ela. Eu fiz um voto. Eu a protegeria pelo resto de nossas vidas, se ela deixasse.
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Esta é uma história de amor (Jessica Thompson)
RomanceUm rapaz conhece uma menina e a menina se apaixona pelo rapaz - até aí, nenhuma novidade. Mas, com Sienna e Nick, as coisas não acontecem do jeito que costumam acontecer nas histórias de amor. Tudo bem que ela o achou superparecido com o Jake Gyllen...