"Vamos lá, amigo, não seja tímido. "

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Nick

O cantor favorito de Sienna no mundo inteiro é um homem chamado John Legend. Geralmente eu acho o gosto musical dela assustador. Tanto que dar uma olhada no seu iPod é o bastante para que eu perca a vontade de comer. Mas, com relação a Legend, posso fazer uma exceção. A voz dele é tão incrível que você chega a duvidar que seja mesmo possível um ser humano criar um som daqueles.
Uma vez, fiquei me perguntando se ele seria um robô criado num estúdio obscuro de alguma gravadora onde eles mantinham os grandes nomes da música como reféns, amarrados com cordas e fita crepe, e extraíam através de canos o seu talento e o colocavam em tubos de ensaio. A voz de John Legend é feita de notas doces tão aveludadas em textura musical que você quase perde a capacidade de andar. Eu juro que minha calça caiu quando ouvi um CD dele na cozinha, uma vez. Ele deve ser um sucesso com as mulheres, é tudo o que posso dizer...
Ele não só canta como se fosse a última vez, mas também toca piano - e, meu Deus, como ele sabe lidar com um piano. Aposto que ele pode dar um concerto enquanto passa o fio dental nos dentes e apara as unhas dos pés.
Quando eu soube que ele ia tocar em Londres, reservei ingressos.
- Chloe, você quer ver John Legend? - perguntei, recostando-me na cadeira e olhando para o corredor. Eu podia vê-la passando creme nas pernas depois do banho, com uma toalha enrolada no corpo. Ela parecia um comercial, com a pele brilhando.
- Afe, não. Por que não convida Sienna? - Sua resposta ecoou pelo banheiro. - OK.
Eu estava esperando que isso acontecesse? Eu sabia que Chloe ia achar John Legend totalmente ultrapassado.
- Si, tem um segundo? - sussurrei ao telefone, com a excitação me enchendo o peito.
- Sim, querido, o que é que há? - respondeu. Eu podia ouvir o pai dela conversando com alguém ao fundo.
- Tenho uma surpresa para você. - O quê?
- Vou levá-la para sair na quinta-feira à noite, só você e eu. Você está livre, não é? Por favor, diga que está! - implorei, mexendo com um porta-copos na mesa de meu escritório. Era um porta-copos de plástico transparente com uma foto de Ross e eu abraçados tirada numa noite de muita bebedeira.
- Ah, parece muito interessante, Nick! - respondeu ela, antes de colocar a mão no bocal e verificar que havia alguém cuidando do pai.
- Sim, estou dentro! Já estou ansiosa, seja o que for - disse, rindo e desligando. Fiquei tão contente que ela pudesse vir. Nossos relacionamentos tinham feito com que passássemos muito pouco tempo juntos ultimamente. Essa seria nossa chance de nos divertir, como fazíamos antes de a vida ficar tão complicada.
A semana passou muito depressa, e, embora eu estivesse lotado de trabalho, só conseguia pensar na noite de quinta-feira. Eu sabia que ela iria adorar, e as coisas tinham andado complicadas com seu pai ultimamente, então ela precisava que alguém lhe fizesse uma coisa boa. Eu tinha o tipo de relação com Sienna que só me inspirava a ser uma pessoa melhor.
Era uma noite úmida de verão, e eu esperava por Sienna diante da Brixton Academy. As costas da minha camiseta estavam um pouco molhadas da viagem de metrô, e eu procurava aliviar o calor passando uma lata de Coca gelada na testa. Cambistas passavam de um lado para outro, com cigarros pendurados na boca, tentando vender ingressos para pessoas que já os possuíam. Acho que eles não sabiam direito o que estavam fazendo.
Cinco minutos se transformaram em dez, em 15. Sienna estava atrasada, e ela raramente se atrasa. Comecei a ficar preocupado. E se tivesse acontecido alguma coisa com o pai dela? Eu estava pensando se devia telefonar, quando subitamente ouço meu nome sendo gritado a distância. Levantei a cabeça e vi Sienna correndo na minha direção, com o cabelo esvoaçando ao vento e um sorriso deslumbrante no rosto. Ela usava um jeans colado ao corpo com tênis de cano alto e uma camiseta preta apertada. Mesmo vestida de modo tão simples, parecia uma modelo. Ora, ela pareceria uma modelo até se vestisse um saco de lixo; não tinha nada a ver com as roupas.
Os homens viravam a cabeça enquanto ela atravessava a multidão que se encontrava esperando na rua. Ela estava atraindo muita atenção, e eu me senti muito orgulhoso quando ela chegou e abriu os braços para mim como se não me visse havia anos. Ela cheirava bem. Seu cabelo tinha um perfume delicioso - tive vontade de enfiar o rosto nele. Mas não, eu não podia mais pensar nisso, então logo afastei esses pensamentos da cabeça.
- Agora olhe lá para cima, Sienna - eu disse quando finalmente consegui afastá-la do meu peito, apontando para o grande letreiro em estilo cinematográfico acima da entrada do teatro. Fiquei parado atrás dela com as duas mãos em seus ombros.
Lá estava, com letras pretas em negrito: JOHN LEGEND AO VIVO ESTA NOITE.
Ela abriu a boca e cobriu o rosto com as mãos. Uau, ela ficou muito emocionada. Eu achei que ela poderia ter adivinhado o que eu planejara e estragado a surpresa, mas sua reação parecia bem sincera.
- Ah, meu Deus, Nick, obrigada! - agradeceu, segurando minhas mãos e exibindo aquele sorriso megawatt para mim novamente.
- Então, vamos - disse eu, puxando-a em direção à entrada.
Enquanto andávamos, ela me deu um beijo no rosto. Um beijo de amiga, doce, de agradecimento. Eu queria arrancá-lo do rosto e colocá-lo numa moldura.
Uma mulher impaciente rasgou nossos ingressos ao meio e conduziu-nos através das portas duplas, e nós entramos na escuridão circular do espaço. O palco estava iluminado com tons de azul e verde. Era muito excitante.
Conseguimos chegar ao bar, onde me arrepiei ao pagar três vezes mais que o esperado por uma cerveja choca e uma taça de vinho aguado. Um famoso DJ, de quem eu nunca ouvira falar, estava fazendo o aquecimento, inundando a sala com batidas e baixos, enquanto ela enchia de gente; ele estava tocando uma série de melodias hip-hop, que eu reconheci, mas não sabia as letras. De repente, me senti velho. Sienna, no entanto, acompanhava cada verso, movimentando seu corpo suavemente ao ritmo da música. Era bom vê-la feliz e relaxada.
- Como está George? - gritei acima do burburinho, espremendo os olhos por causa da luz estroboscópica que estava sendo testada bem diante deles.
- Não muito bem, Nick. Ele tem piorado muito nestes últimos tempos. Mudaram a medicação, e ele não está se dando muito bem. É por isso que eu quis ter certeza de que o amigo dele podia ficar lá esta noite, porque ele não está podendo ficar sozinho por enquanto.
Ela ficou na ponta dos pés para ver o palco, que estava sendo montado. Cinco integrantes da trupe, vestidos todos de preto, estavam ligando os fios em várias tomadas e dando tapinhas nos microfones.
Segurei a mão dela e a puxei até um ponto bem perto da frente. - Sinto muito, Si. Posso fazer alguma coisa?
Eu percebi o absurdo do comentário imediatamente após fazê-lo. É claro que não havia nada que eu pudesse fazer. Eu queria poder fazer alguma coisa para melhorar a situação.
- Não, não. Você não pode fazer nada, obrigada. Mas ele gostaria de ver você em breve. Ele está pesquisando disfunções dos sentidos humanos agora, você sabe, gente que pode sentir o gosto das cores, cheirar sons, e coisas do tipo...
Ela revirou os olhos, falando com carinho. - Isso certamente eu posso fazer.
Depois de ficarmos de pé por uma hora ouvindo o DJ, o Sr. Legend finalmente apareceu. Estava vestindo um terno cinza bem justo e tinha tão boa aparência que acho que todos os homens do recinto rangeram os dentes em uníssono quando suas namoradas quase desmaiaram. Por que levar a namorada a uma apresentação dele?
Havia um piano brilhante no meio do palco, esperando e desejando, como a maior parte das mulheres ali presentes, que o astro corresse a mãos hábeis por ele. Um pequeno coral gospel revelou-se no fundo do palco quando a cortina subiu. Eles tinham aqueles sorrisos integrais que você só vê em gente que vai cantar para afugentar as preocupações aos domingos bem cedinho, e não que fica na cama com uma bruta ressaca.
A sala ficou em silêncio, e ele elevou seu banquinho, tocando a primeira nota da noite. Ela reverberou, perfeita, pelo impecável sistema de som. Eu sabia que seria um show e tanto. Sienna estava tão empolgada que mal conseguia conter-se. A música me dava a mesma sensação de conforto interior que eu tenho quando estou com Sienna. Os dois juntos estavam incendiando meu coração.
Na metade da terceira música, a mão de Sienna roçou a minha, e eu pensei, por um segundo, que ela iria segurá-la. Fiquei em pânico por um instante, e depois percebi que foi só um acidente. Aquilo não estava sendo nada fácil. Depois de ir ao bar pela segunda vez, achei que poderia ser uma boa oportunidade de perguntar como estavam indo as coisas com Ben.
- Ah, estamos bem, sim, obrigada - sussurrou ao meu ouvido, mantendo os olhos firmes no palco.
- Muito bem? Perguntei tranquilamente, mesmo ciente de que a música poderia terminar a qualquer instante, deixando-me sozinho gritando no escuro.
- Bom, é um pouco difícil. Parece que ele tem sérios problemas com a família que eu desconhecia, e, em vez de me deixar ajudar, ele se fecha. Ele parece um pouco distante às vezes, e eu não entendo por que não fala comigo, porque eu poderia ajudar, quem sabe. - Ela terminou, com os olhos espremidos sob as luzes faiscantes.
Distante? Como é que alguém conseguiria ficar distante de Sienna é algo que está além da minha compreensão.
- Estou certo de que ele logo vai voltar a ser o que era - respondi, otimista.
Ela fez um sinal positivo com a cabeça, e eu não pude deixar de notar como seu perfil era deslumbrante.
Eu estava me esforçando muito para ser positivo com relação ao assunto. Eu queria que Sienna fosse feliz, e Ben era, de longe, o homem que mais conseguiu fazê-la feliz. Os outros, francamente, tinham sido um desastre. Chegavam tarde nos aniversários, a chamavam pelo nome errado (sem brincadeira, uma vez ela foi chamada de Fiona), eram muito jovens e egocêntricos...
Voltamos a assistir ao show, quando uma coisa vergonhosa aconteceu. Eu quero dizer absolutamente, profundamente, totalmente constran​gedora.
- Essa próxima música é para todas as pessoas apaixonadas - disse a voz do mito se dirigindo à plateia, com as mãos a postos nas teclas de marfim diante dele. - Me digam se estão apaixonados neste momento, Brixton! - gritou, levantando do piano e indo para o centro do palco.
O calor que vinha das luzes criava pequenas contas de suor em sua pele enquanto a multidão urrava. Ah, espera aí, certamente nem todo mundo no recinto estava apaixonado por alguém, não é? Ridículo.
Sienna e eu ficamos quietos, o que eu acho que foi ruim, olhando para trás. Ele segurava o microfone de modo casual na mão direita. Se fosse eu, teria começado a tremer como uma folha e ficaria lá parado num silêncio induzido pelo terror, sob a luz dos spots, enquanto todo mundo atirava suas bebidas em mim.
- E então, para terminar, eu queria cantar essa música para pessoas apaixonadas. Vocês acham que conseguem encontrar duas pessoas que se amam nesta sala? - gritou ele, agitando os braços no ar. Mais gente gritou. Uma mulher perto do palco desmaiou.
Nossa, ele era mesmo maneiro, pensei. Por que eu não consigo ser um pouco mais maneiro? Então, meus pensamentos foram interrompidos.
- Você aí, de camiseta azul. Quero que você venha até aqui - disse o cantor, agachando na frente do palco e sorrindo para o coitado que estava prestes a ser rebocado para o palco.
Mas que cara azarado, pensei, convencido. E então, que engraçado, ele está apontando na minha direção. E eu também estou usando camiseta azul. Puta merda...
- Sim, você, vem cá! - ele disse mais uma vez.
De repente, a multidão se abriu e ficamos somente eu e Sienna, isolados, boquiabertos como animais de fazenda escolhidos para o abate. O resto do rebanho se virou e ficou olhando para nós, sorrindo e berrando.
- Não, não, vocês não entendem, ela não é minha... - tentei falar, mas minha voz era um mero chiado. Meu peito começou a formigar e minhas pernas viraram geleia. Ah, não, eu ia desmaiar feito uma garota, não ia? Eu podia sentir meu rosto enchendo a enorme tela ao lado do palco, a câmera apontando direto para mim. Eles estavam gravando também? Merda, merda, merda.
- Vamos lá, amigo, não seja tímido - disse Legend mais uma vez, com seu pesado sotaque americano, o sorriso empreendedor ainda engessado na cara.
Quando eu percebi, já havia dois seguranças me conduzindo na direção do palco. Ah, droga. Joguei os braços na direção de Sienna, que ficou lá parada, sorrindo, com as mãos juntas diante do rosto, como se estivesse rezando. Muito obrigado, Si. Vou precisar mesmo de uma oração. Ela ia ficando cada vez mais distante.
- Gente, gente - sussurrei freneticamente para os guardas, tentando, de um modo terrivelmente britânico, não fazer um escândalo. - Vocês não entenderam, ela não é minha...
- Fica frio, cara - disse um deles, rindo para o outro. Eu não conseguia distinguir qual deles tinha o crânio mais polido. Era como ser levado para a minha própria execução por dois homens fortes como carvalhos com bolas de boliche como cabeças.
Enquanto ia sendo levado para o lado esquerdo do palco, onde ficava a escada, passamos pelo que pareciam ser dúzias de pessoas, todas batendo palmas e sorrindo, esperando algo muito romântico acontecer. Bom, elas podiam ir se danar. Eu tinha minha namorada, e Sienna tinha o namorado dela, e aquilo era tudo um grande engano.
Percebi que algo profundamente humilhante ia acontecer, e não havia absolutamente nada que eu pudesse fazer. É. Eu, NickRedland, estava prestes a ser içado para um palco diante de milhares de pessoas e gravado em vídeo fazendo papel de idiota. E eu tinha pagado por aquilo. Eu tinha pagado pela minha própria humilhação. Genial.
Eu sempre tivera medo dessa coisa de subir ao palco desde que fui escolhido no circo, aos cinco anos de idade, e prontamente atirado no colo de um palhaço. Foi horrível.
Chegamos à escada.
Um. Dois. Três. Quatro. Palco.
- Aqui está ele - disse o Sr. Legend, vindo na minha direção e pegando gentilmente no meu braço. Todos aplaudiram. Nossa, ele era bonito mesmo.
- Qual é o seu nome, irmão? - perguntou, antes de virar o microfone para a minha boca trêmula. Eu queria mordê-lo para ele parar de funcionar, mas seria um pouco esquisito. Eu acabaria saindo nos jornais se fizesse isso. Imaginei uma foto minha na primeira página com a boca cheia de metal e sangue, com fios saindo por entre os lábios.
- Nick- respondi, meio chateado.
- Bom, todos vocês, este é Nick. Cumprimentem Nick.
Toda a plateia gritou meu nome de volta para ele. Ah, merda. Eles agora sabiam meu nome.
Ele me puxou para diante do piano e se ajoelhou na direção das pessoas reunidas ali abaixo dele, os olhos perscrutando o lugar onde eu e Sienna estávamos.
- E aquela garota ali, de camiseta preta e jeans, é sua namorada, certo? - perguntou, apontando para Sienna, que devia também estar se cagando de medo.
Um enorme holofote cruzou a plateia, tornando-a o centro da atenção e mergulhando minha cabeça tremelicante na total e anônima escuridão. Droga.
Sequei a testa com a mão e sussurrei no ouvido dele:
- Ei, cara, houve um engano, ela é só uma... - E, acreditem, fui interrompido mais uma vez. - Qual é o seu nome, linda? - perguntou ele, levando a mão direita ao ouvido.
A boca dela ainda estava aberta, e ela o encarava com medo e fascinação. Fale, Sienna! Fale! Diga para ele que somos só amigos, pelo amor de Deus. Eu esperava poder transmitir essa mensagem para ela telepaticamente.
- Não consigo ouvir - disse Legend, parecendo um pouco assustado, temendo talvez ter escolhido o casal mais socialmente inepto do recinto.
- Sienna! - gritou ele, ignorando-me.
- Agora, Nick, eu vou tocar a próxima música para você e Sienna. - O rosto dela estava muito perto do meu agora.
Aquilo estava sendo filmado para o DVD ao vivo, que seria vendido no mundo inteiro. No planeta. Quer dizer que gente da China, Canadá, África, França, me veria aqui no palco perguntando-me se seria possível transformar meu corpo numa mala e me carregar para fora dali. Um falso sorriso surgiu no meu rosto.
- Sienna, venha até aqui, garota! - gritou ele, levantando os dois braços na direção das luzes escaldantes.
Ah, não. Vai ficar ainda pior. Eu vi os "armários" correndo para pegá-la e "ajudá-la" a subir ao palco. Num minuto, ela estava parada ao meu lado diante do mundo todo, com o braço em volta da minha cintura. Eu suava. Muito. As pessoas ululavam.
Chloe e Ben provavelmente veriam tudo isso. Alguém deixaria uma cópia na porta da casa da minha avó, e, depois de descobrir como funcionava o aparelho de DVD, ela imediatamente presumiria que eu era um traidor filho da mãe e nunca mais falaria comigo.
- Então, aqui está uma amostra do amor que está nessa casa hoje - disse Legend, dirigindo-se para o grande piano, deixando-nos agarrados um ao outro e tremendo.
A plateia rugiu. Assobios, gritos e mais mulheres desmaiando. Minha cabeça estava leve, como se fosse um balãozinho prestes a desprender-se de meus ombros.
- Estamos aqui para celebrar o amor, gente. É disso que fala a minha música, então uma salva de palmas para Nicke Sienna - disse ele, sorrindo, aparentemente crendo que ela e eu éramos um casal, e começou a tocar os primeiros acordes.
Um casal de verdade que dormia um ao lado do outro todas as noites, embrulhava os sanduíches juntos de manhã e dividia o chuveiro. Um casal de verdade que fazia as coisas do amor.
Sienna apertou minha cintura com força e sussurrou no meu ouvido:
- Tá bem, Nick. Isso aqui é, obviamente, muito ruim. Muito, muito ruim. Mas não podemos fazer nada. Então vamos relaxar, OK?
Ela se virou para mim e sorriu com aqueles olhos, aquelas bochechas e aqueles dentes, e eu subitamente senti que estava tudo bem. Eu queria beijá-la, diante de todo mundo. Ela era muito mais corajosa que eu, isso era certo.
- Esta aqui não é só para Nicke Sienna, é para todos os que amam alguém. Então, um a um, quero que os casais acompanhem os nossos amigos aqui e dancem a minha música. Acham que conseguem fazer isso? - Ouviu-se uma gritaria imensa nesse momento.
Dançar? Espere aí. Eu não sei dançar. Rezei para que ele tocasse uma música lenta, e aí eu poderia trocar as pernas a esmo e poderia até enganar, a distância... E então ele começou a cantar. Foi lindo. Percebi que estava segurando Sienna com força. Então, ela se virou para mim, sob as luzes brancas, e colocou os braços em volta da minha cintura, com o cabelo brilhante lhe caindo sobre os ombros e cintilando. Meu coração batia tão forte, mas por um instante pareceu ralentar. Parecia que éramos só eu e ela, sozinhos. Como se seu cantor favorito neste mundo estivesse tocando num pequenino rádio no canto da sala.
Eu devia estar com um ar assustado, porque ela me deu um sorriso confortador e puxou meu corpo para perto do dela. Encaixamos perfeitamente. Ela era tão quente e linda. Abracei-a pela cintura e descansei o nariz em sua testa. Seu cabelo era perfumado, fresco, e sua pele era macia. Comecei a sorrir, mas ao mesmo tempo senti uma profunda tristeza enquanto dançávamos lentamente diante de milhares de pessoas. Eu não deveria estar fazendo isso. Aqui não era meu lugar. Minhas mãos não deviam estar na cintura dela. As de Ben, sim.
Um dia, Sienna se casaria, e eu teria de aceitar, vestir um terno com uma flor na lapela e sorrir o dia inteiro. Eu teria de assistir a outro homem desposando a mulher que amo.
Outros casais se juntaram a nós no palco. Graças a Deus, pensei. Havia todo tipo de gente dançando à nossa volta, e nós nos fundimos à cena como dois pontos num quadro de Roy Lichtenstein.
Podíamos ter nos soltado a essa altura e limpado as mãos nas calças, como se elas estivessem sujas. Mas não fizemos isso, continuamos a dançar, olhando bem dentro dos olhos um do outro enquanto as pessoas rodavam à nossa volta.
Idosos. Jovens. Altos. Baixos. Muita gente com uma só coisa em comum. Amor.

Esta é uma história de amor (Jessica Thompson)Onde histórias criam vida. Descubra agora