"... totalmente maravilhado por ela. " PARTE III

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Nick

Sienna foi para casa e agora eu estou aqui sozinho e triste feito um macaco de zoológico. Uma pobre criatura cuja esposa, consideravelmente mais atraente, foi exportada para um zoológico do outro lado do mundo onde há animais mais vistosos. É difícil assim estar sem Sienna. Como eu vou dormir sem saber que ela se encontra do outro lado do corredor? De que vale voltar para casa se eu sei que ela não estará aqui?
Não. Eu tinha de me manter sob controle. É importante que ela passe a primeira noite sozinha. Eu tenho de dar algum espaço a ela. Mas meu telefone está com o volume no máximo. E no vibrador também. E está numa tigela de vidro, então vai fazer bastante barulho ao vibrar, caso ela telefone enquanto estou dormindo.
Deitei na cama e decidi que tentaria ler um livro. É. Quem sabe eu encontre algo que me distraia em Grandes Esperanças, de Charles Dickens. Pelo que me consta, ele não tem nada a ver com garotas deslumbrantes de olhos azuis que moram na zona oeste de Londres. Você conhece o tipo – as que roubam seu coração e o deixam se debatendo inutilmente sem ele por metade de uma década, preenchendo o vazio onde ele ficava com outras coisas, mas descobrindo que elas nunca se encaixarão ali.
Um livro é provavelmente a melhor opção, porque tudo mais me faz recordar dela. Programas de TV. Música. Filmes. Rádio. Até caixas de cereal (Ela fez dois buracos numa, há alguns meses, colocou-a na cabeça e me deu um susto quando eu estava lavando louça. Eu cheguei a gritar). Então, enquanto as gotas de chuva se lançavam contra a minha janela, enfiei- me na cama e comecei a ler. Primeiro capítulo. Vamos lá.
Mas meus pensamentos se intrometiam. Talvez eu devesse ligar para Sienna… Sabe, para checar se ela está bem. Dê um pouco de espaço para a garota, cara. Agora vamos tentar novamente.
Primeiro capítulo…
Mas ela poderia estar nervosa, ela poderia estar precisando de mim. Ora, vamos lá. Concentre- se. Primeiro capítulo…
Eu poderia levar para ela um daqueles bolinhos de limão de que ela tanto gosta. Eu nem precisaria vê-la. Eu poderia deixá-lo diante da porta, tocar a campainha e sair correndo. Ah, é, e isso não seria, no mínimo, esquisito, Nick? Seu maluco. Primeiro capítulo…
Não. Não estava dando certo. Eu não conseguia sair do título. Sentei-me ereto na cama e empurrei o livro para debaixo das cobertas de pura frustração. Algumas páginas ficaram enrugadas. O que eu faria para me distrair? Talvez eu pudesse fazer um castelo só com palitos de fósforo? Inventar uma nova fórmula para uma vitamina de banana? Ou eu poderia rebobinar minhas antigas fitas VHS e colocar os títulos em ordem, para o caso de haver alguma explosão sônica que deixasse todos os equipamentos modernos inúteis e os antigos videocassetes fossem a única tecnologia a sobreviver. As pessoas fariam fila na minha porta porque eu seria a única casa da rua que podia exibir filmes…
Ah, Deus, acho que estou enlouquecendo. Existe algum lugar para ir tratar dessa coisa? Sabe, uma salinha branca com uma cadeira da qual é muito difícil sair e um estoque infinito de guardanapos e pizza. “Ah, com licença, eu amo esta garota há cinco anos e toda vez que eu tento dizer isso a ela eu acabo estragando tudo e isso está me deixando maluco.”
Eu poderia contar a ela esta noite. Já se passou algum tempo, pensei. Obviamente, quando George morreu daquele jeito súbito, a ideia de contar a Sienna como eu me sinto foi completamente afastada da minha mente. Fora um choque terrível, e certamente não era hora de declarar meu amor feito um idiota atabalhoado. Teria sido tão bem recebido quanto um peido numa bola Zorb para dois. Mas quem sabe agora? Possivelmente?
Despreguei-me da cama e abri um pouco a janela. Uma brisa cálida me roçou o nariz e gotículas de chuva se chocaram contra meu rosto. Estava lindo, apesar de haver uma tempestade brava se aproximando. Olhei ao longe; havia muitas luzes em todo lugar. O brilho de lâmpadas em janelas aconchegantes, faróis de carros. Uma cidade resplandecente se acendia num brilho branco, como raios atravessando o céu. Olhei vagamente na direção do apartamento de Sienna e fiquei imaginando o que ela poderia estar fazendo. Estaria assustada? Triste? Poderia sentir meu amor vindo daqui? Concentrei-me nos meus sentimentos por ela e deixei que eles aflorassem, mas parecia que meu coração explodiria em chamas.
Fechei a janela e tirei um maço de cigarros da gaveta. Fumar no meu quarto, isso era novidade… Sentado na beira da cama, acendi um, a fumaça fazendo curvas intrincadas à minha volta. Olhei para o meu reflexo no grande espelho preso na porta do guarda-roupa. Que idiota era eu, fumando um cigarro de cueca. Tufos de pelo aqui e ali, por todo lado. Joelhos peludos e protuberantes. Nossa, como sou feio, pensei. Continuei dando tragadas profundas e exalando a fumaça dentro do meu quarto.
Aquilo era repugnante. Eu precisava que uma mulher viesse me salvar antes que eu começasse a viver à base de tortas de miúdos de porco e isotônicos. Quando eu começasse a passar as tardes em casas de apostas, saberia que me ferrara, mas ainda não tínhamos chegado a esse ponto.
A chuva estava ficando mais forte. Eu queria estar lá fora me afogando nela, resfriando-me, lavando todas as minhas inseguranças. Tenho duas opções, pensei, curvando-me para bater as cinzas numa caneca vazia que estava no chão.
Eu poderia ficar sentado aqui como a vil criatura que sou, fumando e imaginando onde perdera minha aparência de rapaz.
Eu poderia ir à casa de Sienna agora mesmo e dizer a ela que a amo.
A primeira opção era mais fácil. Envolvia menos humilhação. A segunda opção mudaria minha vida para sempre. Mas seria a hora certa?
Tempo. Que coisa mais engraçada é o tempo. Eu a conheço há cinco anos, e, cada vez que tento contar como me sinto, sou interrompido por uma variedade de coisas. Paramédicos, namorados, insegurança torturante. Qualquer coisa. E agora, enquanto ela se recupera da maior tragédia pela qual já passou, sinto-me um pouco egoísta jogando isso na cara dela. Muito bem, segundo Pete, ela sente o mesmo de verdade, mas não me parece certo. Com o passar das semanas, desde que eu e Pete tivemos “aquela conversa”, a ideia toda me parece cada vez mais surreal. Como se eu tivesse imaginado tudo, alguma coisa assim.
Não, pensei, pressionando a guimba do cigarro no fundo da caneca. Vou voltar para a cama e tentar dormir para dispersar esse humor estranho em que estou. Esse humor terrivelmente estranho que eu tenho.

Esta é uma história de amor (Jessica Thompson)Onde histórias criam vida. Descubra agora