"Eu amo sua filha. Imensamente." PARTE III

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Nick

Só havia um modo de digerir aquilo. Com cerveja. E grandes quantidades dela.
Era o momento para uma reunião de cúpula, e o lugar escolhido essa noite foi a cervejaria da The Grand Union, em Brixton.
Os rapazes perceberam que era sério. Mandei um torpedo para Ross primeiro, na esperança de que ele não tivesse planejado uma noite olhando para os olhos da esposa na banheira e dando- lhe rolinhos primavera com os pés. Ele pode estar casado, mas ainda é Ross. Meu companheiro: confiável e sempre pronto para uma cerveja. Ele conseguiu reunir a tropa e nos encontramos para uma importante discussão sobre como eu lidaria com essa situação.
Para minha frustração, entretanto, a reunião começou com uma detalhada análise do quanto eu era idiota.
- Espere, espere. Só um minuto - exclamou Ross depois de um gole de bebida, comandando a atenção do grupo reunido como um oficial do exército. Ele era, com certeza, o líder do grupo. Um homem corpulento com ombros largos e queixo quadrado. Uma versão humana do boneco Ken. - O que você está me dizendo é que o pai de Sienna desmaiou e você, pensando que ele estivesse morto, disse a ele que ama a filha dele? - prosseguiu, com os braços fortes e peludos cruzados sobre o peito.
- Bom, não é tão simples assim - retruquei, tentando me defender.
- Como não é tão simples, Nick? Porque é assim que parece para mim! - gritou meu suposto melhor amigo em meio a um riso incontrolável, esmurrando a mesa e espirrando a melhor cerveja de Londres no meu rosto.
Babaca.
Os outros baixaram a cabeça e riram entredentes feito meninos de escola. Eu me tornara a atração da noite. Eu podia muito bem fazer um podcast apresentando atualizações diárias de minhas desventuras românticas, completo e com ferramenta para votação, e aí poderíamos decidir exatamente qual foi meu ponto mais baixo. Talvez o nerd do Jon pudesse mapeá-los em gráficos para mim, só para me afundar mais um pouco.
- Puta merda, gente! Vocês deviam estar me ajudando! - gritei, rindo secretamente e atirando um amendoim em Phil. Ele o rebateu com o braço direito. Isso é o que se pode chamar de bons reflexos. Uma coisa eu tinha de admitir: eles sempre me faziam rir, mesmo que fosse à minha custa.
- Não, falando sério, caras, preciso de ajuda. - Mudei o tom para eles perceberem que eu estava sendo sincero. Eu esperava que, agora que estávamos com 20 e tantos, e 30 e poucos anos, pudéssemos discutir coisas assim. Eu estava errado. - Conto para ela antes do pai? Se ele já não contou! Ou espero que, de alguma maneira, ele tenha se esquecido dessa parte? - As perguntas fluíam da minha boca entre tragadas de Marlboro Light.
- Mas qual é o problema dele mesmo? - disse Simon, um contador de 35 anos com propensão a pescar e fumar maconha.
- Narcolepsia, ou algo assim. Ele adormece o tempo todo e não tem como controlar - respondi, irritado. Eu estava ficando um pouco cheio de explicar isso. Só Deus sabe o que Sienna deve sentir.
- E ele ouve cada palavra do que os outros dizem? - insistiu Simon, como se fosse um cientista dos corações partidos.
- Sim, tudo, aparentemente. O paramédico disse que sim, Sienna também, e o Google também.
- Uau! Que situação maluca. Alguém quer mais bebida? - disse Ross, já se dirigindo para o bar, com a atenção retornando para o pequeno objetivo de ficar bêbado. Um grupo de garotas no canto esquerdo apontou para ele e riu animadamente. Ele ainda levava o maior jeito com as mulheres, apesar de estar comprometido.
Eu me remexia desconfortavelmente no meu assento; o ar úmido da noite, aliado à minha situação difícil, estava me fazendo suar. Palmeiras artificiais decoravam os vãos entre as mesas, com luzes diáfanas cortando suas folhas de plástico. Eu queria subir numa delas e me esconder, como fiz no trabalho uma vez, mas agora não de brincadeira.
- O que é que essa garota tem de tão especial, Nick? Isso já se arrasta há séculos, e tem um monte de mulheres interessadas em você. - Essa informação inútil veio de Richard. De Richard, que nem conhece Sienna. De Richard, que recentemente deixou crescer um bigode que parece um guidão "só para dar risada".
- E aquela gata que trabalha na agência de empregos perto de mim? Nossa, qual é o nome dela, Dave? - acrescentou.
- Sophie - respondeu Dave, com um sorriso aquiescente, descrevendo com as mãos a forma de um violão.
- É, Sophie. Ela tem uma queda por você, Nick, e ela é gostosa pra caramba - continuou Rich. Os outros concordaram em uníssono.
Eu não queria ouvir. Por eles, eu estaria coberto de strippers e mergulhado em poças de mulheres impróprias em festas de lançamento de CDs. Quase todos eles têm relacionamentos sérios ou são casados, e parecem viver através de mim, arranjando-me mulheres que secretamente desejariam para si.
- Ei, Nick, olha aquela gata ali... Ela não tira os olhos de você - declarou Simon, apontando para uma loira com pernas longas que fumava um cigarro. Ela rapidamente jogou a cabeça para
o outro lado, fazendo voar as várias camadas de cabelos macios.
Jesus, era igual ao tempo da escola. Homens não crescem nunca. É um fato. OK, ela era linda, tinha pernas que não acabavam nunca e provavelmente beijava como um anjo, mas eu só queria uma coisa: Sienna.
- Tome aqui, cara, engula isso. - Ross estava de volta com uma bandeja de drinques, o líquido verde-néon quase transbordando dos copos.
Eu estava bebendo quantidades hediondas de álcool, e muito depressa. Metade de mim achava que devia parar, a outra metade queria continuar, então eu ouvi a última. Joguei a bebida garganta abaixo, limpando o líquido viscoso dos dedos na calça jeans.
- Olhe aqui, rapazes. Não tem graça. Isso está me incomodando. Será que é melhor eu mudar de emprego? Dar um gelo? Sair do país? - Agora eu estava sendo dramático, mas era preciso atrair a atenção deles.
O silêncio baixou no grupo. Ross recostou-se, a camisa xadrez meio aberta. Ele andava malhando ultimamente e estava começando a se parecer com um pugilista.
- Tá bom. O que você sente por ela? - perguntou, desta vez bem mais sério.
Era algo constrangedor para um bando de homens bêbados. Sentimentos haviam entrado na jogada - sentimentos reais, crus. Meus sentimentos. Era apavorante, mas eu consumira álcool suficiente para conseguir abrir o jogo. Eles sabiam que eu era um idiota piegas, de qualquer maneira, então não havia motivo para tentar recuperar minha reputação perdida.
- Ela é a perfeição em pessoa. Nunca me senti assim. Não consigo imaginar nada que eu queira mais do que tê-la ao meu lado todo dia. Isso me assusta.
- Bom, você precisa falar pra ela, cara. Mas falar de um jeito legal. Tipo não fale pro pai dela em coma, entende? - disse Simon, endireitando os óculos no nariz.
- Ross. Quando você conheceu Sarah... Como soube que a amava? Como soube que ela era... perfeita? - Virei o rosto para o meu melhor amigo, na esperança de poder encontrar as respostas por trás do pesado véu de seu estupor alcoólico.
O macho alfa se mexeu desajeitadamente e parou por um instante. Ele sabia que eu sabia que ele era um romântico disfarçado. Eu nunca disse aos rapazes que havia alguns meses o surpreendera de cueca escrevendo um poema para a esposa ao som de Ronan Keating. Eu certamente aprendi desde então que devo bater na porta... Aquilo permaneceu um segredo nosso, e era minha maior arma quando o seu nível de brincadeira chegasse a limites irritantes. Um simples movimento de caneta com minha mão direita era suficiente para calá-lo.
- Bom, é... eu soube e pronto, acho - ele respondeu baixinho, passando o dedo indicador na borda de sua caneca de cerveja.
- Como assim, soube e pronto? - perguntou Simon. Ele estava claramente fascinado por tudo aquilo também.
- Eu senti que tudo nela era certo, e a ideia de ficar sem ela me fazia ficar perdido - arrematou, espalmando as mãos sobre a mesa de madeira. - É só um sentimento aqui dentro, não consigo explicar. - Suas feições de grande urso se atenuaram, e ele sorriu de orelha a orelha.
- Então, é assim que eu me sinto com relação a Sienna - declarei, secamente. - Mas, eu repito, o fato de ela ter mantido isso em segredo por tanto tempo é um mau sinal. Ela não deve sentir a mesma coisa, não é possível. E depois eu vou ter de encarar a humilhação no escritório e a perda de uma grande amizade...
- Amizade o cacete - desembuchou Ross. - Homens e mulheres nunca são só amigos, não do jeito que vocês dois são. Tem sempre um que quer agarrar o outro - continuou, como um guru do amor numa cervejaria, distribuindo conselhos e cigarros à multidão de ávidos discípulos.
Até mesmo homens que não estavam bebendo conosco empinavam as orelhas e se inclinavam na nossa direção. Um tipo todo desengonçado desistira de ser educado e se acomodou na ponta da mesa. Ele não devia ter mais de 19 anos.
Uma sensação ruim tomou conta de mim, e não era somente o enjoo causado pela bebida. Senti que precisava cair na real e superar aquilo. Eu, NickRedland, estava me transformando num indivíduo patético e não gostava disso. Meus amigos estavam rindo de mim. Em vez de sair às pressas do bar, subornar um motorista de táxi e ir correndo declarar meu amor eterno a Sienna, eu queria ficar o mais longe possível dela.
A batida pesada da música house me perturbava os pensamentos, e Ross se levantou, agitando sua cerveja no ar feito uma tocha olímpica.
- É música, rapazes! Lembram-se desta música lá de Ibiza? - gritou ele, sacolejando os quadris ao ritmo. Era trágico. Tão trágico que eu tinha de acompanhá-lo.
Quando me dei conta, estávamos todos dançando, como se minha vida amorosa fosse tão impossível de resolver que a única coisa a fazer era dançar. Éramos homens. Isso era mais natural para nós do que discutir nossos sentimentos.
O resto da noite foi uma bruma; uma bruma que certamente envolveu mais cerveja, doses de outras bebidas, e mais cerveja por cima. Pela primeira vez em muito tempo, eu não pensei em Sienna e simplesmente dancei para esquecer meus problemas.
Quando chegou a minha vez de pegar a próxima rodada, fui tropeçando até o bar com meia caneca nas mãos, e derrubei uma garota acidentalmente. Ela se virou para me dizer umas boas.
- Merda. Me desculpe, sou um idiota. Droga, a bebida molhou seu vestido todo?
Ela olhou para sua roupa. Era composta de tiras de materiais incomuns que davam a impressão de que, em separado, definhavam miserável e solitariamente numa loja de caridade qualquer, mas que, quando costurados juntos, formavam um vestido que lhe caía muito bem. Do ombro esquerdo, um broche em forma de sapo me encarava. Era, sem dúvida, um exemplo do assunto a que as pessoas se referem quando falam de mulheres que se vestem para outras mulheres e não para os homens, que ficam tão perplexos quanto eu estou com o resultado. O vestido maluco, junto com seu cabelo chocolate, comprido e desgrenhado, dava-lhe aquele afetado ar artístico que tantas garotas de Londres têm. Ainda assim, ela era bem atraente. Ou era isso ou eu estava muito bêbado. Rezei para não ter de encarar uma conta de 500 libras pelo vestido que deve ter sido feito por crianças famintas em algum país em desenvolvimento. Eu ficaria muito chateado.
Ela ficou mais calma.
- Não, tudo bem. Você pode me pagar uma bebida para se desculpar. Descarada.
- Sim, é claro. O que quer beber?
- Um cuba libre, por favor. Qual é o seu nome?
- Nick- respondi, notando um delicado colar em forma de ferradura caindo sobre sua clavícula. Era muito sexy.
Ela sorriu para mim, e meu coração acelerou. De repente, eu não sentia nada mais a não ser desejo; ele tomou meu corpo inteiro e quase me deixou incapaz de falar. Corria pelas minhas veias feito um trem.
- Eu me chamo Kate. Prazer. - Ela estendeu uma mão, que eu apertei debilmente, me arrependendo em seguida. Seu perfume era diferente; forte, misterioso e picante. Me deu vontade de chegar mais perto dela. Suas unhas estavam pintadas de preto; ela tinha aquele ar superproduzido e ao mesmo tempo completamente largado.
De repente, me dei conta de que fazia muito tempo que eu não abria os olhos para o mundo. Muito tempo que eu não era simplesmente um cara despreocupado. Havia tantas mulheres atraentes e adoráveis por aí. Talvez eu estivesse me limitando com minha vista curta.
Ross acenou para mim por trás do ombro de Kate e fez sinal de aprovação. Eu o ignorei.
Foi uma caminhada barulhenta até o ponto de ônibus, com o ruído de saltos e risos. Fomos tropeçando de braços dados pelas ruas e subimos num ônibus noturno, nos beijando feito adolescentes a cada oportunidade. Dividimos uma porção de batatas fritas ensopadas de vinagre e sal.
Minha cabeça rodava enquanto o ônibus de dois andares ganhava as ruas de Londres rumo à zona oeste e ao meu covil de solteiro. Nunca me passou pela cabeça que ela viria comigo, mas também nunca me passou pela cabeça que não viesse. Ela definitivamente não ia descer do ônibus, isso era certo.
Um pouco antes do nosso ponto, ela me segurou pelo queixo e pressionou seus lábios contra os meus, mordendo minha língua delicadamente. Eu me senti à vontade para beijá-la apesar da plateia.
A última coisa de que me lembro é das roupas de Kate sendo jogadas por toda a casa. Como nos filmes, sapatos, lingerie e o vestido colado dela eram descartados pelo corredor e escadas como uma trilha de provas incriminatórias. Lembro-me de percorrer seu corpo nu com as mãos na minha cama, e de ser apaixonadamente beijado por uma estranha. Enredamo-nos nos lençóis, enroscamos braços e pernas. O cabelo dela cheirava bem, cada curva de seu corpo era perfeita. Ela era linda.
Acordei pela manhã e me virei para o outro lado. Sentia-me vazio por dentro.

Mais um capítulo completo. Queria saber se estão gostando da história, estou me sentindo meio no vácuo,enfim, semana que vem tem mais.. Até lá.

Beijos Sah :*

Esta é uma história de amor (Jessica Thompson)Onde histórias criam vida. Descubra agora