Acordo com os olhos semicerrados, não conseguindo distinguir quem está no quarto. A luz que invade a janela me cega. Levanto meu braço para cobrir o rosto, mas até esse movimento dói:
-Ai! –Gemo.
-Permaneça quieto! –Diz o Padre. Sei que é ele pois reconheço sua voz.
-Padre Lourenço? –Pergunto para que confirme.
-Sim. –Ele diz. –Agora permaneça quieto, por gentileza. Estou cuidando dos seus ferimentos. Aparentemente você teve fraturas superficiais. O osso do dedo saiu do lugar. E há vários ferimentos pelo seu corpo. Estou cuidando deles.
-Obrigado! –Digo. –Mas poderia fechar as cortinas?
Ele se dirige e fecha as cortinas. Consigo ver seu rosto mais nitidamente.
-Como cheguei aqui? –Questiono.
-Seu tio o trouxe. Você desmaiou, estava fraco demais. Eles me chamaram e eu vi o problema. Agora beba isso. –Ele me oferece um copo.
Cheiro antes de beber e engulo tudo.
-Para que é isso? –Questiono.
-Para cicatrizar por dentro. Suas fraturas superficiais.
Alguém bate a porta e o padre vai e atende. Ele fala com esse alguém e depois vejo Ama entrar com rosas nos braços e me entrega:
-Sua amiga, mandou.
Me esforço para receber as flores e sinto o aroma de Julieta impregnar minhas vias nasais. Sorrio:
-Como ela está? –Questiono.
-Preocupada. Já chorou por você e não aguenta mais. Mandou-me para dar-lhe um recado. –Diz Ama. Me estico para ouvir melhor. –Mas antes, quero saber, quais suas intenções com ela?
-As melhores.
-Irá desposa-la, por que se não eu termino de quebra-lo agora! Não magoe minha menina.
-Protesto. –Digo. –Ama, eu a amo. Amo Julieta com todo o meu ser. Diga-me seu recado. –Peço.
-Ela diz que já espera o casamento. E pede para ser breve!
Sorrio e meus olhos ficam brilhantes novamente. Olho para o padre que fica um pouco surpreso.
-Eu disse ao senhor! –Falo.
-É, você disse. -Ele murmura.
-Mas. –Ama intervém. –Ela quer saber quando.
Penso um pouco.
-Amanhã. Pela manhã. Na igreja do padre Lourenço. Ela irá se confessar e... –Olho pro padre que assente. –Casar.
Ama sorri.
-Ah, há mais uma coisa que o senhor deve saber. –Ama diz. –Há um homem, seu nome é Paris.
-John Paris, filho do prefeito? –Pergunto.
-Esse mesmo! –Ama diz. –Ele está cortejando Julieta. Está engajando um noivado.
Fico surpreso:
-E ela?
-O despreza, claro! Prefere ficar só do que com ele! Melhor: prefere ficar com o senhor.
-Pode deixar Ama. Irei desposa-la. Diga que ela irá casar-se amanhã mesmo! –Falo animado e meu peito dói.
-Pode deixar, senhor! –Ama estampa um sorriso gigantesco. –Com sua licença.
Assinto e ela sai o mais apressada possível.
O padre senta na beira da cama:
-Está pronto pra isso? –Ele questiona.
-Sempre estive pronto. Minha vida inteira. –Falo e olho as flores.
-É, meu filho, mas você sabe bem. Shakespeare não errou: estas alegrias violentas tem fins violentos. Falecendo no triunfo, como fogo e pólvora. Que num beijo se consomem. –Ele para. Eu o estou olhando seriamente.
Como no passado.
-Estamos refazendo a história. –Sussurro.
Ele assente.
-Mas podem mudar. Vocês podem mudar. Se não deu certo nas outras vidas, faça dar nessa. –Ele diz.
-Como assim? –Questiono.
Ele para de falar.
-Padre, como não deu certo em outras vidas? Do que está falando? –Franzo o cenho.
-É apenas uma teoria que criei. –Fala ele. –Desde que Romeu e Julieta morreram, houve outros Capuleto e Montecchio que queriam fazer dar certo o final. Dar paz a Julieta e Romeu com a união das famílias.
-Mas...? –Indago.
-Mas eles morrem. Ou antes ou pouco depois do casamento. Eles não podem ficar juntos! Vocês não podem, segundo minha teoria. Há mortes, de ambos os lados. –Ele continua seu discurso. Me mantenho confuso e furioso por dentro sem entender muita coisa. –Talvez não deviam ter colocado essa maldição sobre vocês.
-Maldição?
-De Romeu e Julieta. –Ele fala. –Os amantes desafortunados.
-Quebraremos essa maldição! –Falo convicto. –Nos abençoe e quebraremos essa maldita maldição.
O padre assente e faz o símbolo da cruz.
-Que Deus abençoe a união de vocês, meu filho. –Ele diz. –Já tem, pelo menos, um anel para colocar no dedo dela?
-Sim. –Digo.
Me estico até a mesinha de cabeceira, meu peito lateja. Abro a gaveta e tiro meu cordão que tem um anel bem antigo nele. Mostro pro padre e ele arregala os olhos.
-O anel! –Ele fica surpreso e pega o cordão, analisando o anel. –Esse anel...
-De Romeu e Julieta. Sim!
-Como conseguiu esse? É o verdadeiro?
-Sim. É o verdadeiro, sim. Julieta havia devolvido o anel para Romeu, um pouco antes dela entrar em sono profundo, e ele morrer. Acontece que guardamos o anel. Brigamos por muitos anos com os Capuleto por ele. Mas era nosso. –Explico.
-E dará a Julieta?
-Ela merece. –Digo. –Dará certo, padre. Tenho bons sentimentos sobre isso.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os novos Romeu e Julieta
RomanceAcerca de quinhentos anos atrás, houve a romântica história de uma moça e um rapaz. Por seu amor, ambos se entregaram a morte, e ainda reza a lenda, que foi culpa da sorte. Há quase quinhentos anos Romeu Montecchio e Julieta Capuleto, morreram por...