Yetminister/Poole, Inglaterra
Terra, Julho de 1986
Desmond conseguiu ouvir o trem antes que pudesse vê-lo. A carta que recebera de Ally dois dias antes estava no bolso do terno, e pesava como um tijolo de concreto. Ele não lera, não tivera a coragem necessária. Não conseguia imaginar o que poderia estar escrito ali, de fato, não conseguira deduzir muito sobre Ally. Tudo que sabia ela havia contado; nada ele havia deduzido. Era um tanto estranho para ele. Desmond apenas olhando para uma pessoa era capaz de deduzir várias coisas sobre ela. Por exemplo, o homem que estava no fim da plataforma. Ele usava um terno caqui, um chapéu marrom, óculos redondos de leitura; ele carregava uma maleta de couro marrom grossa demais para conter documentos e pequena demais para ser de roupa. A mala estava um tanto surrada. Ele devia ser um escritor, e na mala devia estar uma máquina de escrever, provavelmente herdade do pai ou comprada em uma loja barata.
Mas com ela, seu poder de dedução não funcionava. Ela era totalmente imprevisível. E é por isso que ele gostava dela.
O trem parou na plataforma e ele subiu. Desmond tinha certeza de que o homem do chapéu coco estava ali. Ele entrou no primeiro vagão de passageiros, andou pelo corredor estreito entre as poltronas de couro vinho. Ele odiou a cor, já que era a favorita de Clarisse. Andou até o fim do corredor, parando um pouco antes de ir para o próximo. O assassino não estava naquele vagão. Repetiu o processo por três vagões, até que finalmente o viu.
Kypper estava sentado na última poltrona à janela. Ele era alto, sua cabeça era maior que o banco. Seu roso tinha feições firmes e quadradas. Seu nariz era grande e anguloso. Ele parecia careca por debaixo do chapéu coco. Um bigode farto e loiro deixava-o estranho, como se não pertencesse. Kypper estava com a cabeça baixa, concentrado em algo no colo. Ele está lendo, Desmond concluiu, sem dúvida está lendo.
Desmond sentou-se em um banco próximo de frente a ele, o que permitiria observá-lo com cuidado. O livro que ele lia era sobre psicologia de um professor britânico conhecido por tratar de traumas. Caleb Galswyck era seu verdadeiro nome. Um nome herdado de uma criança morta de uma família quebrada. Desmond pôde imaginar o trauma que ele passou quando descobriu ser adotado e carregado o nome de outra pessoa.
O trem saiu da estação com um apito, ouviu a fumaça sendo jogada ao céu e ouviu a maquinaria partindo. Pessoas na plataforma despediam-se daquelas no trem, e, ao mesmo tempo, pessoas nos vagões retribuíam os acenos com fervor. Kypper não tirou os olhos de sua leitura.
Desmond observava o vagão em que estavam. Havia duas saídas, uma em cada extremidade, além das janelas. Havia malas em todos os bagageiros, exceto naquele que pertencia a Kypper. No total, trinta e três pessoas estavam no vagão; se havia alguma que era aliada de Kypper caso ele tente fugir, seria impossível dizer. Durante a viagem, Kypper não moveu um músculo, a não ser quando virava uma página.
Eles estavam se aproximando de Hamworthy, ele deixou o livro de lado e se dirigiu a saída. Desmond, desconfiado, foi atrás dele. Entretanto, Kypper havia apenas ido ao banheiro e depois voltado ao seu lugar. Ele não fez menção de desconfiar que Desmond estivesse seguindo-o.
Será que não era ele? Todos os sequestros foram estritamente pensados; a diferença exata de uma semana entre uma vítima e outra. Contudo, se Caleb Galswyck era tão inteligente, como deixara tantas pistas para trás? Elas foram propositais para levá-lo até aquele trem? Se sim, por quê? A não ser que fosse uma divergência, uma distração para o detetive. Algo para tirá-lo do verdadeiro sequestrador.
Chegaram à Poole algumas horas depois. Desmond observou o suspeito levantando, pegando uma maleta que até àquele momento o detetive não tinha visto. Entretanto, ele havia deixado o chapéu coco no banco. Desmond foi a ele e o pegou. Examinou-o por alguns segundos; havia uma mancha branca na aba; procurou por bolsos secretos dentro, e encontrou um.
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Afterlife: Mundos
FantasyLeonard encontra-se pela segunda vez com a Morte e descobre que seus planos vão mais além do que imaginava. A Morte não revela apenas que ele não é seu único escolhido, mas que outros cinco estão espalhados pelo Paraíso apenas esperando que o herói...