Capítulo 29: Prisão de Deuses

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Chile, Terra

Nathanael observou o velho senhor saindo da igreja. Era um velho de pele muito enrugada, costas encurvadas e olhar saudoso, como o de todos os idosos. Ele caminhou devagar, sendo o tempo todo observado pelo anjo de longe. Ele andou por algumas ruas, virou algumas esquinas e parou em uma praça, onde não havia mais ninguém. Ele se sentou e esperou diversos minutos; o tempo pareceu tão longo, que Nathanael sentiu-se constrangido em observar uma pessoa assim.

O velho, então, virou-se para ele. Sorriu, revelando dentes, o que Nathanael achou inesperado. Mal sabia ele que se tratava de uma simples dentadura. O idoso levantou uma das mãos, olhando diretamente para o anjo, e sinalizou com os dedos para que ele se aproximasse.

Sem temer coisa alguma, o anjo aproximou-se e sentou-se diante do velho, que não parava de sorrir simpaticamente. Era como o sorriso de um avô para o neto que acabara de abrir um presente.

– Eu sei que você é um anjo, criança. – Ele soltou uma gargalhada gostosa, um pouco rouca, talvez estivesse com sede, por isso, Nathanael fez surgir um copo de água diante dele; o velho o bebeu. – Muito obrigado. E desculpe chamar-te de criança; é um hábito de velho. Mas me diga, como é seu nome?

– Não se preocupe. Já fui chamado de coisas piores. – Brincou. – Chamo-me Nathanael. E o senhor?

– Sou Juan Pablo.

– Como soube que sou um anjo? – Nathanael perguntou, sem entender.

– Eu já vi muitas coisas deste mundo. Incluindo, você mesmo. Não se lembra? – O velho não parava de sorrir enquanto pegava, com a mão trêmula, uma foto que estava no bolso de dentro do terno xadrez que usava. – Eu era assim quando jovem. Neste dia, eu estava passeando em São Paulo com uns amigos. Eu estava bêbado e triste por causa de uma garota que tinha acabado de se casar com meu melhor amigo. E eu a amava e estava afogando as mágoas em uma boa pinga. Te vi sentado em um ponto de ônibus de madrugada, como se um realmente fosse passar. Eu sentei ao seu lado e comecei a falar, então você me disse uma única frase...

– "Sorria, embora seu coração esteja doendo, sorria, mesmo que ele esteja partido. Sorria, e talvez amanhã, você descobrirá que a vida ainda vale a pena se você apenas..." – Nathanael completou suavemente, não querendo interromper o idoso, mas já o fazendo. – Era você naquela noite.

– Sim, e eu fiz exatamente isso. Eu sorri, como estou sorrindo para você agora. – Lágrimas brotaram nos olhos de Juan; os idosos costumam ser muito emotivos quando falam do passado.

– O senhor deve estar se perguntando o que estou fazendo aqui, não é?

– De fato, não. Está aqui para me levar, não? Finalmente chegou a minha hora.

– Se é a sua hora, apenas o Criador o sabe. Estou aqui para te pedir uma coisa. Preciso de um pouco de sua paciência, para que eu possa ajudar uma pessoa.

– Então, leve o quanto precisar. A mim, minha paciência, já não é mais necessária. – Nathanael riu, enquanto tirava a pedra de cor laranja-clara do bolso.

– Não se preocupe, você ainda terá sua paciência. Preciso de apenas parte dela.

Nathanael fez como tinha feito ao pastor. Tocou com dois dedos no peito de Juan; puxou uma cordinha de lá laranja e brilhante. Guiou-a até a pedra, que sugou sem hesitar a segunda virtude. Quase um metro depois, a pedra estava completa, emitindo um brilho estranho através de sua superfície fosca.

Ele agradeceu, mas Juan não o ouviu. O velho estava sorrindo, fitando a mesa, mas sem a ver. Estava caminhando em direção ao seu Julgamento. Nathanael fechou seus olhos com delicadeza; nunca tinha visto alguém morrer tão feliz.

Afterlife: MundosOnde histórias criam vida. Descubra agora