O táxi parou, Ana sentia um frio na barriga, mas ainda sim sorria. Saltou do carro e saltitante tomou o rumo para o lugar onde estavam as pessoas que ela queria ver. Sua assadeira sendo amparado pelos antebraços, e só faltava uma placa para descrever o orgulho que sentia de si mesmo. Ela se sentia feliz por poder ser útil.
Entrou e procurou uma cadeira no fundo da sala, em um ângulo confortável e que pudesse ver Tom sem grandes dificuldades. Muitas pessoas começaram a entrar e tomar lugar, algumas mais velhas, uns mais novos, alguns sem nem mesmo idade para estar ali, mas estavam, com sorrisos enormes estampando a cara. O olhar de Ana correu a sala até se deter em uma figura em especial, um menino. Não era um menino qualquer, aquele menino não estava sorrindo como os outros naquela sala, segurava a caneta com firmeza e certa seriedade, seus olhos atentos pareciam destoar da descontração dos outros. Havia algo de diferente naquele menino. Não pela cor da sua pele, não pelas roupas simples. Havia uma aura diferente.
Tom entrou depois que todos estavam confortavelmente espalhados no lugar, depositou a mochila de uma vez na mesa, e deu um sorriso estranho para a Ana, algo como "se prepare".
-Boa tarde galera. Como estão? Eu vim aqui encher mais um sábado de vocês com minha falação. – Todos riram, menos o menino. Tom pareceu não notar aquele menino. – Eu queria compartilhar com cada um de vocês o amor pelos livros, pela literatura, pelas palavras. Mas queria fazer isso de uma forma que as palavras pudessem alcançar cada um de vocês, as palavras são mágicas. Mas como posso descrever o que é magia? A palavra em si pode ter um significado em dicionário, e o meu próprio significado, aquele que eu escolhi como melhor definição para "magia". Eu escolhi não apenas definir, não apenas conceituar, não apenas usar palavras difíceis como se fosse por maldade, não. Magia é o que acontece em livros fantasiosos, fora da realidade, aqueles livros que lemos com a certeza de que não vai acontecer nunca com a gente como pessoa, mas e daí? A magia não está na certeza de que não é real. Está no que antecede isso, aquele pensamento livre em que você pensa, "e se eu fosse o personagem principal o que eu faria?" O que vocês fariam?
-Eu queria voar.- Gritou alguém em algum canto.
-Eu queria ser rico e chefão.
Aos poucos as pessoas iam se manifestando, coisas simples, coisas absurdas, coisas tristes.
-Então eu vou contar um segredo para vocês.- Tom disse com cara de alguém que vai confidenciar algo.- Vocês podem ser o que quiserem. Nada na vida ira impedir vocês, e dai que hoje vocês não tem dinheiro, e daí? As melhores coisas não se compram. Vou contar para vocês o melhor presente da minha vida...- Tom sorriu sapeca.- Meu melhor presente custou dois reais. Eu tinha seis anos, estava vindo morar na cidade para estudar, esse era o sonho dos meus pais, que seu filho estudasse, e no meu primeiro dia de aula eu estava de chinelo e uma calça bem surrada, meus pais não tinham como me dar algo diferente disso naquela época. Mas no meu primeiro dia meu pai me comprou um presente. Conseguem adivinhar o que era?
Muitas cabeças balançaram, Ana do fundo estava acompanhando cada movimento de Tom, cada gesto, cada expressão.
-Uma caneta. Meu pai me comprou uma caneta. E posso garantir que esse foi um dos dias mais felizes da minha vida. Sabem porquê?
Novamente silêncio.
-Porque eu nunca tinha tido uma caneta.
Alguns risos preencheram a sala.
-Galera, as coisas boas não vem do dinheiro, vem do significado. Não importa quanto custa mas quanto vale.
Tom dirigiu um sorriso para onde Ana estava, ela por sua vez lhe devolveu o sorriso mais brilhante.
-E qual é a diferença?- Um senhor perguntou na carteira lá na frente.
-Talvez em vez de eu explicar, seja melhor que descubram com o tempo. Leiam o Pequeno Príncipe, talvez as respostas estejam nele.
-Talvez?
-Ler é incrível, mas tem livros que são incríveis por si só. Leiam não como uma criança que sabe tudo, mas como quem ainda está aprendendo. "O essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração". Só se vê bem quando souber o que é essencial, o que tem valor.
-E você sabe?
-Não, assim como cada um nessa sala, estou aprendendo. Sou um eterno estudante.
Ana estava sendo inundada por cada palavra de Tom, e era como se sua vida ganhasse novas cores, ela ainda não sabia o que queria, se queria ser ou fazer alguma coisa, não sabia qual caminho, não sabia nada. Porém esqueceu de tudo isso quando os olhos escuros de Tom encontraram o seu, e sem palavras tiveram o diálogo mais franco que ela conseguiu sustentar. No fundo ela sabia o que tinha que fazer, só não admitia.
Aos poucos a aula ia terminando, Ana já estava em um mundo só seu, e só percebeu que era sua deixa, quando ouviu uma vozinha ao longe á chamando para a Terra de volta.
Seu sorriso se alargou enquanto servia um pedaço do seu bolo comestível, e ocasionalmente ouvia elogios e sorrisos bonitos. Muito bonitos na verdade, ela nunca tinha visto um lugar com tantos sorrisos sinceros lado a lado. Parecia um espetáculo de dança e cores.
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ENTRELAÇADOS
RomanceAna Júlia, Aninha ou apenas Anaju,uma mesma mulher em muitas formas. Aos 17 anos sua vida mudou drasticamente com o acidente que matou seus pais. E sua esperança. Aos vinte quatro anos sua vida caminhava da forma mais confusa possível, sua camin...