Uma semana já havia passado desde que Ana chegou no país. Estava morando na casa de uma mulher solteira que durante todo o ano recebia intercambistas, sua admiração pelo país ia crescendo a cada dia. Ela estava se esforçando no inglês, tinha que organizar alguns eventos sobre o intercâmbio e experiência para falar pelas cidades da região. Passava a maior parte dos seus dias auxiliando crianças especiais. Ana sempre foi desengonçada, e muito atrapalhada, mas se sentia muito bem consigo mesma ao ver pessoas se divertirem com seu jeito.
As noites eram mais difíceis, a saudade que sentia de casa era quase insuportável, somando isso a saudade de Tomas ela quase enlouquecia todas as noites, e se preenchia de sorrisos durante o dia. Um ciclo vicioso e muito louco. As noites eram uma tortura. Uma tortura com nome e endereço, um endereço longe dali.
Sentia agora as coisas de modo diferente, sentia vontade de gritar para o mundo a sensação boa de estar naquele lugar, enquanto que as vezes queria apenas sussurrar para o vento seu amor. Ela deixou seu guarda roupa de lado e adotou as roupas da região, experimentou usar pela primeira vez vestidos até o pé e turbante. Abusava das cores, e de combinações absurdamente coloridas.
Qual era mesmo o significado das cores?
Não sabia. Não precisava de celular, nem internet. Talvez sentisse saudades do seu gato folgado ocupando a cama, mas ainda se sentia forte.
Muitas pulseiras e bijuterias de material artesanal, comidas diferentes, um mundo diferente do dela.
Depois de mais uma semana, agora ela tentava escrever uma carta avisando Dan que ela estava bem. Mas as palavras não fluiam bem. Precisava escrever algo, mas não sabia o que.
Largou a caneta e o papel em um canto e saiu.
Mais uma semana se passou, sua estadia no país terminaria em alguns dias.
Sentada de frente para o papel branco de novo agora ela tentava dizer que estava tudo bem, mas a verdade era que ela não conseguia agir como se estivesse mesmo bem, seus olhos continuavam se enchendo de água toda vez que pensava no Tomas, e suass noites eram um martirio que nem as pessoas maravilhosas que ela conheceu conseguiam amenizar.
Um longo suspiro.
" Querido Dan,
Eu poderia contar nas mãos as pessoas que me fizeram feliz, e sem dúvida você estaria quase no topo dessa lista, mas mesmo que muita coisa não tenha mudado entre nós, eu sinto que mudei, de coração , de pensamentos, do modo de ver a vida, e me sinto ainda mais diferente a cada dia, mas as mudanças aconteceram naturalmente, não foi de ontem para hoje, foi um processo longo e demorado que me fez crescer de verdade, que me fez constatar que a vida não era como eu queria e que meus medos tinham que ser enfrentados, e eu enfrentei, encarei de cabeça erguida meus pais, você e até mesmo Tomas. E de tudo isso o mais dificil é admitir que eu tenho um amor unilateral pelo Tomas, que eu segui por sete anos um emprego que decepcionaria quem amo, e que fui egoísta com você. Ou seja, eu evitei todos esses confrontos porque era dificil, e enfrentei tudo isso mesmo depois de tantos anos sem saber que eu tinha essa força.
O que quero dizer é que estou bem, mesmo com o "apesar" de um coração partido, com um "sinto muito" por as coisas não serem melhores, e com a certeza de que quando voltar nada será o mesmo. Não sei o que eu era antes daquele homem entrar na minha vida, não sei quem eu fui durante todos esses anos ao seu lado, e nem tenho resposta para a pergunta "quem sou eu hoje", apesar de tudo, eu estou bem.
Com amor,
Anaju."
Ana dobrou cuidadosamente a carta e colocou em um envelope amarelo. Talvez a carta chegasse para Dan depois que ela já tivesse voltado, mas ainda não tinha coragem para pensar em como seria partir para casa.
Na verdade, ela tinha dúvidas se queria voltar.
Deixou a carta em cima da mesa com um bilhete pedindo para Nara entregar a carta no correio por ela.
E os dias foram passando, Ana não tinha a ambição de conhecer toda a cidade, estava no centro-oeste da Nigéria, um lugar com muita miséria, e conflitos históricos, muitos convivem com medo da seita identificada como Bokon Haram, e entre outros problemas tinham as crianças mortas acusadas de bruxaria.
Um longo suspiro definiria tudo, mas a diferença gritante de culturas é a prova de que quem vê de fora não sabe nem metade da história. Então conviver com tudo isso, somando com seu coração partido era como renascer para si mesma.
Repetir a si mesma todos os dias que estar vivo é uma benção passou a ser um mantra nos dias de Ana.
Estar vivo, passou a ser o que a fazia levantar todos os dias depois dessas noites de saudades.
VOCÊ ESTÁ LENDO
ENTRELAÇADOS
RomansaAna Júlia, Aninha ou apenas Anaju,uma mesma mulher em muitas formas. Aos 17 anos sua vida mudou drasticamente com o acidente que matou seus pais. E sua esperança. Aos vinte quatro anos sua vida caminhava da forma mais confusa possível, sua camin...