Ana olhou para o lado onde o outro carro estava no dia do acidente, e seus pensamentos começaram a ficar nublados. O outro casal. O casa jovem que estava indo comemorar algo. O casal do qual os pais deles foram dar condolências para ela, mesmo com sua própria dor. O ar fugiu de seus pulmões ao se dar conta de quem era o casal. Ana olhou para trás e viu Tom parado a poucos passos dela. Um longo silêncio. Naquele dia havia tanto silêncio entre eles que Ana nem se importava mais com isso, havia muito que ela queria dizer, e ao mesmo tempo ela tinha medo de dizer em voz alta.
-Ana...
-Ela morreu no acidente junto com meus pais não é? -Ana o olhou, sua voz estava cortante.
-Ana...
-Sua dor sempre foi maior que a minha? Meus pais morreram, e eu os amava tanto quanto você amava ela, ate mais, mas você só pensa nela não é? Você foi meu carrasco, e tirou de mim meu coração e nem mesmo pode retribuir porque eu não sou ela.- As palavras de Ana foram jogadas antes mesmo de ela se dar conta.
-Ana não é isso.- Tom abaixa seu olhos e encara os pés.
-Você culpava meus pais pela morte deles?
-Não Ana, eu ME culpava pela morte deles. Por todos. Ainda hoje.
-Por que você me ajudou? Sempre foi culpa? Você só estava tentando se sentir menos culpado pela morte DELA?
-Eu não sabia quem você era, pelo menos não antes de você gritar que era orfã.
-E então colocou toda a culpa em suas costas e tentou ser legal comigo. -Tom ainda encarava os próprios pés. - Sabe Tom, eu me culpava pela morte dos meus pais, e por anos evitei pensar neles, falar deles, e até vendi a casa que moravamos para evitar qualquer sentimento, sabe por que? Porque eu odiava o fato de ter sido a única a sobreviver, odiava o fato de meus terem me deixado sozinha no mundo, e eu me odiava por achar que sempre foi culpa minha, que se eu não tivesse tirado uma nota boa, que se meu pai não quisesse comemorar ,eles estariam vivos. E hoje eu fui sincera comigo e admiti que não era culpa de ninguém. Mas você não percebe isso, você ainda ama ela, mesmo depois de tantos anos, e tentou compensar a morte dela, a sua culpa, sendo legal comigo. No fundo você sabe que não tem culpa. E pior que isso. Você deveria saber que eu me apaixonaria por você, e que você não retribuiria.
-Ana não é isso. Eu...
-Eu não quero ouvir, eu fui hoje no seu escritório com um motivo, e agora mais do que nunca vou me agarrar a minha decisão.
Gotas de chuva começam a cair, Tom ainda está sem reação, nem mesmo Ana sabe de onde vem tanta raiva, ela só queria ser amada e o que conseguiu foi ter seu coração dilacerado. A chuva começa a se misturar com suas lágrimas e lavar o rosto dela. Os cabelos que estavam em coque agora estão se desmanchando, e seu salto está quase afundando na água.
Ana se vira para ir embora, mas Tom a segura. Os dois se encaram em silêncio. Mais um longo minuto. Ela abaixa a cabeça tentando não sentir a dor que a toma. Ele levanta o queixo dela e lhe dá um beijo, um beijo sofrido, com lágrimas, e quando os dois se separam Ana se vira e corre, deixando Tom para trás.
Ela tira seus saltos depois de um tempo, e agora caminha apenas, debaixo da chuva, caminha de cabeça baixa. Vê então a praça e vai até o balanço.
Não era apenas dor, era frustração, era decepção, era rejeição, era tudo misturado e junto em um único sentimento, sentada no balanço ela se sente a pessoa mais vulnerável do mundo. A culpa é capaz de mover pessoas, e no fim ele só estava pensando nela. Nunca foi de fato culpa então.Ela olhou para o céu. Foram dias maravilhosos, e foi ela quem se deixou envolver, e foi só ela que se apaixonou. Ela não tinha motivos para ter tanta raiva, mais tinha, por seu coração quebrado, por ter a sensação de que tudo foi pena, e que no fim ele só olhava para a orfã do acidente, ele nunca de fato a viu.
Após um longo tempo chorando ela ligou para Dan.
Não se deu ao trabalho de procurar um lugar para se proteger da chuva, queria sua alma lavada, queria que seu coração fosse colado, ela queria não ter tanta raiva dentro de si, e principalmente queria poder fugir de tudo e tentar colar os cacos de seu coração.
Em menos de dez minutos um carro estaciona perto da praça cantando pneu. Dan desce do carro desesperado e quando a vê corre em direção a ela.
Grandes braços a envolveram, e ela se deixou chorar no ombro dele. Era sempre assim, ele limpando as lágrimas dela, dizendo que ia ficar tudo bem, e sempre se sacrificando para poder dar apoio a ela. Ele a pegou no colo, e a depositou cuidadosamente no banco do carona. Tirou do banco de trás um paletó e a cobriu. Nenhum dos dois reparou na figura ao longe que observa tudo. O homem se vira e vai embora enquanto o carro da partida.
Ana não diz nada, com a cabeça apoiada na janela ela apenas tenta não pensar em seu próprio vazio.
-Aninha?
-Hum?- Ana se vira um pouco para olhar o amigo.
-Lembra daquele cartão de crédito que deixei com você?
Ana assentiu.
- Sei que precisa pensar longe de tudo. E sei que essa era sua decisão quando foi em casa mais cedo. Use ele para comprar a passagem e para o que precisar.
-Não Dan.. eu não posso...- Ana queria recusar, mas não tinha mais forças para dizer mais nada. O vazio que estava em seu peito não a deixava ser forte.
-Você não está em condições de discutir.
Ele encerra o assunto, ela apoia novamente a cabeça no vidro da janela. Pega no sono enquanto ouve photograph pela segunda vez no dia.
Ela acorda assustada, percorre os olhos pelo comodo até se dar conta que está em sua casa com seu gato deitado ao lado. Se levanta tropegando e encontra Dan jogado no sofá, uma mala enorme perto da porta. Ele se remexe um pouco resmungando. Ana vai na ponta dos pés e o cobre, quando ela está se virando ele segura sua mão a fazendo parar e virar.
-Você sabe que sempre te amarei baixinha?
-Sei. Eu também.
-Então vá com a certeza que eu estarei te esperando aqui. E que eu saberei quando estiver pronta para me dizer o que quer que tenha acontecido hoje.
Ana assentiu.
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ENTRELAÇADOS
Storie d'amoreAna Júlia, Aninha ou apenas Anaju,uma mesma mulher em muitas formas. Aos 17 anos sua vida mudou drasticamente com o acidente que matou seus pais. E sua esperança. Aos vinte quatro anos sua vida caminhava da forma mais confusa possível, sua camin...