Capítulo 42

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  O último dia havia chegado mais rápido do que o esperado. Um mês e seu coração ainda estava mutilado, um mês e ainda se sentia vazia. Sorriu para as pessoas que a acolheram com amor naquele país. Sorriu para cada criança, aquelas crianças tinham muito mais motivos para chorar e estavam ali sendo fortes, e essa seria a maior lição que deveria acompanha-la, sorrir porque a única certeza que a vida dará é que sempre tem pessoas com mais problemas, com mais tristezas, e com mais sorrisos.

"Loving can hurt

Loving can hurt sometimes

But it's the only thing that I know

And when it gets hard

You know it can get hard sometimes"

  A música ecoava pelos pensamentos de Ana, ecoava em seu coração, e a fazia lembrar do último dia que viu Tomas.

  Agora parecia simplesmente impossível para ela ignorar sua dor. Estava guardando suas roupas na mala, a incerteza de seu futuro a fez estremecer, uma lágrima caiu manchando uma folha de papel que ela havia deixado no canto. A folha que em uma noite desesperada ela escreveu para ele, e confessou, sem mendigar amor nem pedir arrego, apenas sendo sincera consigo mesmo, que o amava.

  O que faria com todas essas cartas?

  Talvez devesse jogar fora... Ou ignora-las...ou enfrentar...

  Apoiou a cabeça nas mãos e ficou tentando ser forte.

  Não conseguiu, se desmanchou em lágrimas e antes que se desse conta já estava jogando as roupas na mala com raiva.

  Precisou de mais duas horas para terminar de arrumar sua mala, e mais uma hora para se recompor.

  Ana encarava seu reflexo no espelho, seu vestido branco com a barra colorida e um lenço em sua cabeça, uma aparência tipíca daquele lugar. Em seu rosto uma expressão que parecia gritar "sobrevivente", não tão tipico.

  Guardou o papel na bolsa de mão e foi para o aeroporto.

   Assim que atravessou a entrada do aeroporto estancou parada no mesmo lugar, seus olhos encontraram um velho sorriso, um velho amigo.

  Dan estava vestido um terno preto de corte reto, com cabelos arrumados e com um sorriso enorme, em suas mãos uma placa de papelão que lia-se Aninha escrito no que se parecia batom vermelho.

  Ana largou suas malas e correu pulando no amigo. Ele a segurou a apertando contra seu peito, havia algo de diferente,nele, nela, nos dois. Ainda eram velhos amigos, mas tinha algo a mais.

  Ela se soltou dele o olhando cada detalhe do rosto, sua cabeça ainda girava tentando processar que ele estava ali. Riu freneticamente por falta de palavras.

  -Gostou da surpresa?

  -A carta... Eu enviei esses dias... Como sabia? - Ana não conseguia formar uma frase coerente na sua cabeça, as palavras saiam jogadas enquanto tentava processar as informações.

  -Eu disse Aninha, eu saberia, eu sempre sei. Você precisava de mim, e aqui estou.

  -Você não cansa?

  -Do que?

  -De ser sempre meu salva-vidas?

  -Nunca... Você sabe que nunca.

  Longo silêncio.

  Ficaram se encarando por longos minutos.

  -Sinto muito Dan.

  -Eu sei.

  Ana assentiu, seus pensamentos ainda não acompanhavam toda a situação. A verdade era que quem ela queria ali era outra pessoa. E quem ela precisava naquele momento era ele.

  Dan a puxou para outro abraço. Ao se soltarem ele caminhou até onde ela tinha jogado as malas, em uma mão ele arrastava a alça da mala, na outra segurava firmemente a mão de Ana. Ela apenas se deixava ser arrastada, dessa vez não iria fugir dele. Dessa vez não tinha para onde fugir.

  Ela se deixou ser levada, apenas isso, seguiu os passos de Dan sem se dar conta de para onde estava indo até ele entrar em um hotel próximo do aeroporto. Os olhos de Ana se arregalaram de surpresa, talvez nem tanto pelo hotel, ela não prestava muita atenção nisso, seus olhos estavam no homem ao seu lado que envadia o hotel com a maior liberdade e ia se dirigindo para o elevador.

  Sua engrenagens já deviam estar soltando fumaça á essa altura, ela tentava ligar os fatos mas falhava miseravelmente. Como ele recebeu aquela carta tão rápido? Como ele em algumas horas já estava hospedado e tão íntimo do hotel? Ou...

  -Calma Aninha não queime todos esses miolos de uma vez. Preciso deles ainda.- Dan sorriu mas havia algo estranho em seu olhar. Parecia distoar das palavras.

  Ela assentiu. 

  Não estava sabendo lidar com tudo isso. E com TUDO ISSO ela englobava tudo e mais um pouco. Seus pensamentos, sua dor, e as coisas que ela não entendia. E havia naquele momento muitas coisas que ela não entendia.

  Entraram no elevador em silêncio, Dan apertou um botão e o elevador começou a subir. Ela se virou para trás e encarou seu reflexo. Um longo suspiro. Seus olhos verdes estavam desenhados e marcados com o delineador, e seus cabelos estavam escondidos pelo turbante que usava. Ela não se parecia com a mesma Ana Júlia de alguns meses atrás, nem se sentia a mesma pessoa. Mas nos últimos dias ela se perguntava o que havia mudado tanto, e a resposta era o nome de uma pessoa. Uma pessoa capaz de mudar tudo, inclusive quem ela achava que era. Uma bagunça, isso resumia sua vida agora.

E quem era ela agora?

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