OIRÁM E AIRAM

14 0 0
                                    

Fiquei curioso com o nome Mário.
Consultei na Internet o significado etimológico desse nome. Vem do latim Marius e deriva dos elemento "mas" e "maris ",literalmente significa "homem viril". Durante a "Idade Média" era usado, sem nenhuma justificativa etimológica, como uma variante masculina de "Maria".

A Idade Média aparece novamente. A Idade Média é uma das palavras escritas ao contrário pelo "Mário" de Maria. Maria é o nome da diárista. Logo que ela voltou perguntei o seu nome e ela respondeu secamente: Maria. Ela parecida outra pessoa, estava muito séria, fria, distante, um lenço amarrando os cabelos antes livres, leves, soltos. As pernas longas e bem torneadas estavam agora coberta por um vestido longo e sem decote, escondia as formas dos seios que antes apareciam generosamente sob a camiseta básica vermelha.

Me disse que queria parar com as fotos, pegaria somente o serviço da faxina e... Não pode continuar o que estava falando porque caiu no choro largando no chão as duas sacolas em que trazia suas coisas e cobrindo o rosto com as mãos.

Quando recuperou o autocontrole me contou que estava sem ter aonde morar, que aceitaria trabalhar só por moradia e alimentação.
Respondi que tudo bem, tudo bem, mas que ela iria me ajudar na limpeza da biblioteca. Seu trabalho seria recolher uma a uma aquelas folhas de papel acumuladas ali a trinta anos e coloca-las em arquivo morto.

Ela levantou a cabeça e me olhou com uma expressão indefinível nos olhos, sem dizer palavra pegou suas coisas e guardou no canto da sala.

A deusa Perséfone deu sua sacerdotisa ao clubista para serviço doméstico, para que ele tivesse o tempo livre para servi-la como espião do mundo exterior.

Com a ajuda de Maria vai sobrar muito mais tempo para ler tudo o que o clubista deixou escrito a respeito dos trinta anos da espionagem que praticou para a deusa.

Ela queria primeiro preparar o almoço antes de começar na biblioteca, respondi que não precisa fazer almoço que tem um restaurante aqui perto que entrega à domicílio.

Entramos na biblioteca e expliquei novamente para para ela o seu trabalho, deveria pegar cada folha uma a uma para poder separar as que eram manuscritas das que eram datilografadas e estas das que eram mimeografadas e estas das que foram impressas e estas das que fossem folhas arrancadas de livros, e guardalas em arquivo morto diferente. E mais uma coisa muito importante, toda vez que ela encontrasse uma folha com uma ou mais palavra escrita ao contrário, seria para me entregar imediatamente.

A primeira hora de trabalho prosseguirá calmamente, Maria sentada em um banquinho, com a dignidade de uma pitonisa em seu tripé, olhava para o cimo da pirâmide de papel que tinha de arquivar e onde a luz do sol que entrava pela janela
de vidro fazia ver os milhares de
grãos de poeira brilhando em sua
volta. Ela mexeu os lábios, parecia querer dizer alguma coisa enquanto estava olhando para cima.

Queria fotógrafa-lá assim contemplativa, Seria a imagem de uma sacerdotisa contemplado a chegada de sua deusa, a luz. Não, nada de fotos, quero uma imagem verbal daquilo que vejo.

Puxo pela memória e recito mentalmente o poema A Ideia

De onde ela vem?!...DE ONDE ?!

De que matéria bruta vem essa luz

Que sobre as nebulosas... SOBRE... SOBRE... SOBRE...

Cai de incógnita cripta misteriosa como os estalactites de uma gruta?!

Vem da, Psicogenetica e alta luta, do feixe de moléculas nervosas, que em desintegrações maravilhosas, delibera, e depois quer e executa.

Vem do encéfalo absconso que a constringe... ENCÉFALO... ENCÉFALO... ENCÉFALO...

Chega em seguida as cordas da laringe.
Tísica, tênue, mínima, raquítica,

Quebra a força centrípeta que a amarra.

Mas, de repente, e quase morta, esbarra no mulambo da língua paralitica.

Percebi mentalmente as palavras que me perturbam nesse poema esotérico. Escrevo na primeira folha de papel que pego, as palavras que me perturbaram.

DE ONDE, SOBRE, ENCÉFALO, e as escrevo ao contrário.

EDNO ED, ERBOS, OLAFÉCNE.

Entrego a folha à Maria e ela olha e guarda no arquivo.

As horas foram passando e a pirâmide continuava lá desafiando o tempo. Paramos para o almoço.

Almoçando na cozinha ficamos em silêncio até ela perguntar se sou irmão gêmeo de Cavalcanti. Respondo que não, que somos só parecidos, e conto para ela que só aqui na cidade conheço mais quatro, sem contar comigo, que se parecem com o cavalcanti.

Quando ele vai voltar da viagem?Arriscou perguntar. Não respondi à essa pergunta, e perguntei por que ela me chamou de Mário. Ela explica que me confundiu com Cavalcanti, que quando eu lhe abri a porta o mês passado pensou que eu estava brincando quando disse que o Cavalcanti havia viajado. Expliquei para ela que o nome dele não é Mário. Ela me explica que foi ele mesmo que lhe disse que se chamava Mário.

É agora! Como se explica isso senhor encéfalo?

Perguntei se agora ela acredita que não sou o Cavalcanti e ela respondeu que agora acredita sim.

É como você tem certeza se não sou ele se somos tão parecidos? É que se fosse ele já teria feito sexo comigo.

Não sei se já esperava essa resposta. Mas como o encéfalo demora em processar o olafécne!
Ele que pagou uma soma alta pela virgindade dela ( soma alta?e qual seria o preço da virgindade?) agora bem que podia te-lá de graça.

No bar, Cavalcanti, ou devo chamá-lo de Mário??? me disse que foi ela que o chamou de Mário. Um dos dois está mentindo.

Tive o impulso de perguntar se o preço das relações sexuais estava incluído no preço da diária, mas não tive coragem de descer tão baixo.

Terminamos logo o almoço, ela queria lavar os pratos, eu disse que deixasse para lavar à noite, o trabalho na biblioteca tem prioridade total. Descansamos o almoço na sala ouvindo o programa almoço musical pelo rádio e em seguida voltamos aos papéis.

Disse a Maria que agora iríamos os dois procurar papéis em que estivesse escrito às palavras OIRÁM E AIRAM.

A proposito Maria, seu nome é Maria mesmo?? Ela respondeu que seu nome é Cora Maria, mas que todos a chamam de Maria.

Minha cabeça deu duas voltas para voltar ao lugar.

Fiz a pergunta que faltava : quantos anos você tem, Cora?

Cinco mil ! Exclamou com uma voz rouca, profunda, enigmática, que me deixou ali parado olhando para ela sem saber o que dizer.

Quando me recuperei do efeito hipnótico de sua voz, falei quase balbuciando as palavras, e eu...eu tenho cinqüenta e três.

Eu sei, ela completou.

Mas como diabos ela poderia saber a
minha idade ? Perguntei isso a ela. Eu
sei porque Mário me dizia tudo o que sabia sobre o senhor, foi o que ela me explicou.

Então você me conhece tão bem como eu. Ela soltou aquele sorriso mágico e voltou a revólver papéis e mais papéis a procura de Oirám e Airam.

Mudei de ideia, Cora, assim nunca vamos encontrar aquelas duas palavras, vamos voltar ao método de antes, você separa as folhas nos arquivos enquanto eu leio tudo. Se as palavras foram escritas e estiverem aqui, vão acabar aparecendo.

Na minha opinião é como se essas palavras estivessem escritas nas nossas testas, pois a quem mais além de Cavalcanti antes de sumir, e a mim  e a Cora agora,  essas duas palavras podem se referir?

História sem Título Where stories live. Discover now