CORA

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Encontrei o nome Cora no final de uma lista de nomes femininos que o poeta escreveu com a finalidade de conhecer a última imagem de Sonja.

O nome Cora vem do grego Koré "mulher jovem"

Cora era o nome pelo qual que os deuses do submundo chamavam a deusa Perséfone.

Uma estátua Koré em que uma mulher jovem usa um diadema de sete pontas fez o poeta*  associar a imagem de Cora com a imagem da Estátua da Liberdade que é a representação visual da deusa Sophia, que na sua opinião é a musa da
" sabedoria "escolástica.

*a palavra poeta era uma forma de tratamento entre os clubistas que adotaram o anonimato e nunca se tratavam pelo nome.    

O clubista, (nome que usarei de agora por diante para me referir ao poeta, ele não gostava de ser chamado de poeta, preferia que o chamassem simplesmente de  Itnaclavac)
e proteger o seu anonimato. Uma
semana antes do seu desaparecimento teve uma conversa muito séria comigo, temia pela sua vida e me pediu que, caso acontecesse alguma coisa com ele, Cora* seria minha.

*Cora é também o nome da biblioteca do clubista.

Na opinião do clubista, Cora era a imagem mais antiga e consistente de
anima, aquela que preservou a ideia existente na fase mais primitiva da cultura da humanidade, a ideia de que existe um só espírito que anima a natureza, e que o mesmo espírito que faz o mal é o que faz o bem.

Tão logo aconteceu o desaparecimento, tomei posse de Cora. No estágio atual de minha pesquisa encontro o meu amigo à se decidir sobre qual das duas teorias da psique seria a verdadeira.

Aos poucos vou percebendo a sua incapacidade de escolher entre a teoria "nebular" defendida por C.G.Jung e a "para-nebular" defendida pelo Clube. Ele reluta ainda em aceitar a hipótese de que o arquétipo
anima não existe. Aceitou que animus, persona, id, eu, ego, superego, são pseudos arquétipos, mais anima ele ainda não conhece o bastante.

Anota o clubista: Existe toda uma problemática imagética inerente ao arquétipo anima que não foi ainda
suficientemente analisada. Segundo a teoria paranebular, as imagens geradas a partir da relação cósmica da sombra com a luz nunca se extinguem no espaço. Por trás de cada imagem que percebemos existe uma série infinita de imagens que "não percebemos que percebemos". Logo existe "a percepção extra-consciente" das imagens, e são essas imagens acumuladas em nossa psique que confundimos com arquétipos.

Tudo estava apontando para uma origem "empirica" para as idéias inatas (arquétipos).

O clubista fez uma anotação que me surpreendeu pelo seu conteúdo enigmático : entendo que anima é um arquétipo não porque é um arquétipo, mas sim porque "quer" ser um arquétipo.

Anima seria então a única parte da psique que teria a "vontade livre" .

Mas adiante ele anota: Koré ou simplesmente Cora, é um modelo tanto de santa assim como de  escrava
sexual. Logo Cora tem trânsito livre entre o mundo superior e o inferior. Perséfone que é a imagem mais complexa de Koré, é a personificação mais perfeita da dicotomia dos arquétipos triângulo-preto , circulo-branco. E fez um retrato abstrato de Perséfone na "posse de Koré" segundo o título que deu a pintura. Era um círculo branco em cima de um triângulo preto invertido, sobre um fundo vermelho. Era um nu feminino abstrato. Com esse trabalho ele pretendeu provar que anima era um arquétipo primordial. E deu como segundo título ao quadro, "Dicotomia"

Então ele conclui : Dicotomia é um bom nome para o "auto-arquétipo" anima, e Koré é a sua imagem mais antiga das séries de imagens que examinei.

Em outra nota no rodapé de uma
apostila que estudava, ele escreveu : Por que será que as imagens antigas
estão no fundo do "poço" da psique
em relação às imagens "modernas"
que se refletem na superfície da
mente?? Se as imagens fossem geradas pela psique, as mais antigas chegariam primeiro a superfície da mente enquanto as mais novas ainda estariam subindo à tona da consciência. As imagens novas são simples borrões, manchas abstratas, que se movem na escuridão do espaço  na velocidade da luz, e vão copiando fielmente as cores e formas dos objetos com que colidem no seu caminho antes de
atingirem a nossa retina e
penetrarem em nossa psique.
Agora imaginei um paradoxo : a imagem que percebemos primeiro é a mais velha e a que percebemos por último é a mais nova.

Essa preocupação excessiva com imagens era um sintoma do transtorno de ansiedade que aflorou nele como necessidade de expressão visual do que se passava em sua cabeça. A arte da pintura, que ele aprendeu em um curso por correspondência, ajudou  à soltar os seus demônios. Uma vez ele me falou que estava olhando uma foto de um quadro renascentista, não me recordo qual quadro era, e de repente a imagem do quadro o puxou para dentro dela, pelo menos essa foi a sensação que ele teve enquanto olhava a imagem. Agora que toquei nesse assunto; será que aquele quadro que ele pintou, o da deusa Perséfone apresentando um poeta sem rosto à uma deusa sem nome, nua e segurando um cinto de castidade, tem alguma conexão com o seu súbito desaparecimento? Arisco dizer que a deusa sem nome é Cora, mas a ideia que me passou agora pela cabeça, de que, a imagem dele tenha passado para dentro do quadro deixando seu corpo, desprovido de sua imagem, invisível, do lado de fora, é
completamente absurda.

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