A TERMA DAS QUIMERAS

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Meu objetivo é passar por Larderello
para ver a paisagem dantesca do Vale do Diabo e em seguida ir  até  Bagnore onde foi recentemente descoberto um complexo arquitetônico etrusco-romano, de termas que foi usado para banhos públicos do século 2 a.c. ao século 4 d.c.  Ali era permitido à homens e mulheres tomarem banhos em piscinas de água quente, distribuídas em diferentes setores daquela vasta área de fontes termais.

A paisagem física do Vale do Diabo foi o modelo que os autores anônimos da Divina Comédia copiaram e colocaram no poema atribuído exclusivamente a Dante Alighieri (quando é uma obra do inconsciente coletivo e não do inconsciente pessoal), para  servir como paisagem psicológica de um ambiente emocional próprio ao Inferno.

Me desvio do caminho certo e me vejo perdido entre vapores fétidos que me sufocam. Caio em sono profundo e desperto com a umidade da língua de uma loba à molhar o meu rosto. A loba* é a última imagem da minha animalidade a aflorar a consciência. Uma pantera* e um pouco mais distante, um leão*, estão parados em volta de meu corpo ainda deitado nas rochas brancas e brilhantes de origem vulcânica.

*os três animais aparecem na Divina Comédia como símbolos das três idades metal do homem-animal . A astúcia, representada pela figura da loba é a terceira idade e o nível mais alto da mentalidade animal. O leão é a imagem da violência e da primeira idade mental animal, e a pantera é símbolo da segunda idade e da incontinência.

A astúcia é a sabedoria animal que só se desenvolve completamente com a idade. Nunca fui muito mentalmente astuto quando jovem, mais fui mentalmente, moderadamente violento e nada incontinente . Na idade madura fui selvagemente incontinente, pouco violento e pouco astuto. Na velhice... bem ainda me considero inexperiente na astúcia, e minha incontinência diminui-o bastante, e tenho mais necessidade de violência mental. Gostaria muito de poder resgatar a minha incontinência. Desejo morder, comer, uma pantera . Mas é uma loba que se aproxima de mim e que alimenta minha animalidade sedenta com o seu leite quente e espumante. Estou tão fraco, estou prestes à morrer, mal encontro forças para sugar está teta que ela maternalmente me oferece.
O néctar lentamente sugado é de um efeito narcotizante em minha alma anímica e repleta de imagens de um primitivismo bizarro e vital. Vejo caudas de panteras nas penas de cabo de guarda-chuva da mulher cigana do Figuras Invertidas e seus braços dobrados sob o peito são os chifres daquela cabeça de pã adormecida sobre seus seios.
As cores azul e verde e preto e vermelha daquelas duas caudas me confundem e exitam a minha inteligência mais primária para a existência dessa coisa que só existe em nossa percepção visual e na substância da luz, a cor.
Pelas cores entendi que aquelas caudas iguais na forma, pertencem a animais diferentes.
Qual das caudas pertence a mulher?
De repente está pequena questão microscopicamente construída por razão da luz e cor no fundo da retina assume no cérebro uma proporção gigante e cósmica.
A minha memória visual do "figuras" me mostra que aquela cauda azul e verde pode ser também vista como a cauda de uma serpente. Então a astúcia de que estou tomado me faz ver a quimera habilmente oculta pelo artista nas figuras da mulher e do cão. A cara do leão está incluída no rosto da mulher. O corpo da quimera é de pantera e não de leão como todos pensamos. Seu corpo de pantera está parcialmente oculto sobre o corpo da loba que imaginei ser de cão. Aquele pênis estilizado que julgue-i ser do cão é do deus fálico  da fertilidade.
O que a sagacidade da loba quer me informar por meio da simbologia do quadro que tanto estranho e admiro, é que as termas de Bagnero estão em um sítio onde existiu um antigo santuário onde o deus cornífero e a deusa da luz se acasalaram à 12 mil anos.
Os dois deuses fazem amor no verão que é quando a deusa luz engravida. Quando chega o inverno o deus bode morre para só renascer na primavera.

Só agora percebi o intrigado sincretismo de culturas de eras diferentes existente na composição aparentemente simples e até infantil dessa pintura moderna.
Que coisa realmente impressionante, naqueles simples traços que formam o rosto da mulher estão conjuntamente simbolizados a face da deusa luz, e a cara da quimera.
O artista fragmentou a imagem da quimera, como faziam os pintores cubistas com sua pintura analítica, o que impede uma visão de síntese à qual estamos habituados.
Aquela cauda preta e vermelha contínua a me intrigar. Ela deve ser reinterpretada com um duplo simbolismo, como perna da mulher deusa e como a parte restante do corpo da serpente cuja cauda já encontramos.
A serpente tem a cabeça e pescoço pretos, o corpo vermelho e verde, e a cauda azul. Não sei o significado dessa sequência de cores. Também o porquê das cores dos outros animais me escapa. Outro detalhe, a forma geométrica  retangular do corpo do cão-loba com retângulos menores internos cortados por linhas que sugerem um ritmo espiralado, são uma alusão à secção áurea *

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