UMA "INSCRIÇÃO"

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A biblioteca já foi toda arquivada. Bem no centro do quarto, quando as últimas folhas de papel foram recolhidas, pode-se ver uma cerâmica decorada com uma figura de um círculo vermelho com um triângulo branco dentro e dentro do triângulo uma estrela de cinco pontas verde e três pequenas manchas pretas dentro dela.
Era a única cerâmica decorada, bem no meio de um assoalho de cerâmica branco gelo.

Aquela cerâmica tinha a assinatura de um famoso ceramista.

Impossível não associar as figuras daquela cerâmica ao quadro Dicotomia pintada pelo clubista, logo, por mim.

Somente a estrela verde não aparece naquele quadro.

Aquele quadro! Em um gesto motivado pela curiosidade, fui até a pintura , peguei-a e corri para à janela olhando a tela sob a luz do sol.

Olhei e olhei para aquela sombra em forma de estrela que aparecia dentro do círculo vermelho.

Dicotomia estava grávida de uma estrela e eu até agora não sabia.

Também não sabia que Cora está grávida de Mário.

As três descobertas me deixam a cabeça ainda mais ocupada com problemas existências do que já estava, me deixam no limite da sanidade. Sinto que se surgir mais uma novidade vou enlouquecer.

Lá vem você com essa frescura de que vai enlouquecer. Use o cérebro, para que é que você tem cérebro senão para raciocinar.

Racionaliza-rei sobre as três novas questões da seguinte maneira :

Primeiro, não fui eu quem fez aquela cerâmica, nem foi eu quem à colocou
ali. Se existe alguma coisa de terrível por trás dessa cerâmica(como desconfio que exista) não é problema meu.

Segundo, se a "coisa" que está simbolizada na cerâmica, é a mesma que o pintor simbolizou no quando, só é problema meu na medida em que eu tenha consciência dessa "coisa", e consciência do que seja mesmo essa " coisa "é coisa que não tenho.

Terceiro, não sei se sou o pai do filho que Cora diz que está esperando. Ela diz está grávida de dois meses, e eu só tenho consciência de que ela existe à menos de dois meses. Logo, esse também não é problema meu.

* * * * * * . *

Os arquivos estão todos arrumados nos quatro cantos do quarto. Empurro a minha mesa de trabalho para o centro, puxo a cadeira e sento, minha vista pousa sobre a cerâmica cuja "inscrição" agora observo mais atentamente.

A assinatura do ceramista é um pequeno arco e flecha.

Imagino uma analogia entre essa assinatura e aquela sociedade de tiro com arco.

Dicotomia foi a primeira imagem que consegui "tirar" dessa cerâmica, a segunda foi a gravidez, e a terceira, tiro com arco.

E sangue, ia me esquecendo do sangue.

Tivesse você acesso à todas as imagens que estão gravadas na memória e não se importaria tanto com o porquê dessa inscrição, que agora, e por conta disso, deixa de ser uma simples peça que ornamenta o piso desse quarto, para ser bem um portal para outras virtuais dimensões da psique. Logo existe algo de positivo em se perder a alma. Se fica mais sagaz.

Engraçado como por conta do meu velho trauma hipnótico adquirido, eu desenvolvi o hábito de conversar comigo mesmo.

O que não é tão engraçado é que eu passei três décadas da minha vida amontoando papel em cima dessa inscrição.

Essa cerâmica é a única evidência física de que o clube não é uma fantasia da minha imaginação. Algo me diz que a inscrição  a V a  foi feita por outro clubista.

História sem Título Where stories live. Discover now