Imperfeições graças a Deus

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Acordo e ouço Lucca conversando com alguém. Ele dormiu comigo essa noite, e foi meu alívio após a dor aguda que senti, digo isso pautado não apenas na clavícula, ele me ajudou muito mais que isso. Ele não conversa, ele grita. Não ouço retorno, provavelmente é no celular. Decido não interromper, vivemos juntos agora e ele tem uma vida.

Levanto cuidadosamente da cama, preciso tomar o remédio da manhã segundo Lucca. Abro a porta do quarto e vejo as costas nuas, tensionadas. Ele se vira pra mim e desliga, caminha até a porta do quarto me dá um beijo na testa. "Bom dia S." "Você tá bem?" "Sim, claro." Tento adivinhar quem era no telefone baseando no que o conheço. A única pessoa que consegue tirar seu riso é um par de tom de olhos verdes. Philip. Ligo o que ele me disse ontem á noite com seu estado atual. 

"O que Philip fez?" "Te deixou sem remédio." Lembro da enfermeira dando as instruções, mulheres e homens de jaleco branco entraram tantas vezes no quarto que perdi a noção de quando era real e quando era sonho. "Que bom que tenho você então." "O que seria de você sem mim não é?" "Menos Lucca." "Liguei pra Black, ela virá depois do almoço. Mas tenho outra coisa pra falar." "Diga." "Meus pais querem vir pro almoço, mas eu não confirmei nada até você disser que pode, eles querem te conhecer." Meu coração palpita e parece querer pular pra fora. "Lucca, você mora aqui agora. A casa é sua, não é pra pedir permissão. Eu adoraria conhecer seus pais." "Eles acham que a gente namora." "LUCCA" "Minha mãe ficou tão feliz quando eu mostrei sua foto, ela ficou ansiosa com o julgamento, e até chorou quando descobriu que você tinha sido internada no hospital." "Lucca, meu Deus do céu" "Ela já não é nova S, não queria quebrar seu coração." "Tá, tudo bem. Não vai ser tão ruim assim, acho." "Serena, tem tantas meninas no campus que matariam pra morar e fingir ser minha namorada." "Nossa, sai daqui." Ele levanta da cama dando risada, e eu não posso deixar de rir mais ainda. Apenas a ideia de retornar a namorar alguém me deixa aflita, eu nunca conheci os pais de Philip. 

"O que eu faço de almoço?" Lucca grita da sala, eu levanto e paro parada no corredor o encarando "Então é você que vai fazer o almoço?" "Claro, achou que eu ia ser louco de te por na cozinha?" "Cala boca Lucca, eu cozinho bem." "Colocar lasanha no microondas e aperta a função de descongelar não é cozinhar bem." "Eu vou provar pra você, temos bastante tempo pra isso." "Quero só ver." "Fica quieto." "Sim senhora." Sento ao seu lado no sofá e depois de quatro dias eu consigo ver televisão e não sentir náuseas. Em literalmente todos os noticiários tem como manchete o ocorrido no tribunal. "Eles não cansam, desculpa S." Eu fico cansada de ver minha vida exposta ao país todo, não sai de casa ainda, mas a vontade diminui a cada palavra dita pela repórter "Morre prefeito da cidade de Santa Bárbara." Lucca muda de canal "A filha do ex prefeito acusa..." Lucca muda de canal. "Viúva do prefeito, Catherine afirma estar em depressão após morte de seu marido." "Mas que droga." Lucca desliga. 

Encaramos o preto da televisão desligada, Lucca vira o rosto e me olha. Ele não se mexe, não me toca, por mais que eu seja o que eu mais gostaria no momento. Seu olhar apenas me conforta e não carrega nenhum tipo pessimismo, ele não tem dó de mim e não precisa me dizer isso. Ele chega mais perto do meu rosto, sinto sua respiração quente no meu pescoço, eu não tenho coragem ou habilidade para me virar e encara-lo. A ponta de seu nariz encosta na minha pele e consigo ver que seu olho se mexa, sua boca abre e ele sussurra "O que você quer almoçar?" 

Uma crise de riso me ataca, talvez seja os sentimentos tentando correr e fugir de dentro de mim. Dá certo. 

Lucca levanta "Eu to falando sério." "Eu também, você não existe." "Ok Serena. Vou fazer um fettucine alfredo." "Meu prato preferido." "Vou fazer outra coisa então." Jogo a almofada em suas costas enquanto ele sai rindo da sala. Me sinto mais leve de um tempo pra cá, tenho dado mais risada desde que o encontrei. É impossível não comparar a Philip, com ele era um estado permanente de troca de olhares carregado de malícia e recaídas de choro, querendo ou não ele era um lembrete diário do que passei com meus pais, por mais que ele se esforçasse pra mudar isso, ou pelo menos é o que eu achava. Percebo que até meus pensamentos estão no pretérito. Gostaria que Philip fizesse parte do meu presente, mas é complicado.

"O almoço vai demorar?" "Acho que não." "Vou tomar um banho então." "Você deve dar muito prejuízo com o tanto de banho que você toma." A tipoia no braço incomoda demais, mas é melhor ficar com ela em casa, do que sem e no hospital.

Repasso como devo me comportar perante os pais de Lucca, tento imaginar como eles são, mesmo já sabendo alguma das características deles. Um casal simples, que tem um único filho e ralaram muito para coloca-lo cursando medicina na UCLA. Sei também que todos os passos que Lucca dá é impulso para faze-los felizes. A Angêla e o Pablo criaram um menino que tem um coração enorme, eu já os admiro e mal os conheço. 

Tomo um banho rápido para não fazer a brincadeira de Lucca verdade. Passo no corredor de toalha e mesmo com um dia apenas morando em casa, eu não tenho vergonha dele. Ontem mesmo fui vista logo após o banho por ele. Philip era perfeito na minha cabeça, sua casa era perfeita, sua barba não tinha falhas, seus olhos eram profundos e perfeitamente verdes. Ele precisava de alguém perfeita ao lado dele, e ele me enxergava e insistia em me fazer da sua visão uma mulher sem defeitos, mas essa não sou eu. Meu cabelo não é liso e arrumado, meu corpo não é digno de revista, mas ele precisava que eu fosse. E eu não preciso de alguém assim, agora eu percebo isso. Lucca não faz esforço para que eu me sinta confortável ao lado dele, nosso tempo junto não me tem como centro, nossas conversas não giram ao arredor da pior parte da minha vida. Lucca me desafia, fala que sou preguiçosa, que demoro no banho, ele mostra o quão imperfeita sou. E graças a Deus ele me vê assim, eu odiaria ter que morar com alguém que pensa que sou algo impossível de ser alcançado. Graças a Deus que sou imperfeita.

Ainda não entendi o por quê eu os comparo tanto, talvez sejam as duas imagens masculinas mais presentes na minha vida. Meu inconsciente me pergunta por que não faço o mesmo com Jake. Tento disfarçar o fato de que o vejo como irmão. Não deveria ser assim com Lucca também? 

  

FinalmenteWhere stories live. Discover now