Força.

8 1 0
                                    


"Lucca, ele veio fazer um favor" eu digo calmamente enquanto tento me aproximar da fera que meu namorado é agora, a campainha toca novamente "ah não, por favor" eu digo em voz alta, já reclamando e prevendo que Philip veio provocar mais Lucca. Ele abre a porta do apartamento gritando "O que você quer agora?" eu não assisto a cena, fecho meu olho, já esperando a risada irônica de P. Mas ao contrário do que aguardo, um silêncio se faz, ouço a risada de Jenna e Jake na cozinha. Abro um olho e percebo que Lucca pede desculpas a alguém, abro o outro olho e percebo que não é Philip, é minha sogra.

"Algum problema filho?" ela pergunta e ele pigarreia, e para afastar a cara de vergonha de Lucca eu decido interver "Angela!" "S!" ela entra e me abraça, Jenna se responsabiliza por apresentar ela aos pais de Jake. "Eu trouxe alguns cookies" Angel sorri enquanto estende a bandeja colorida no balcão que separa a cozinha e a sala. Lucca chega perto de mim e me abraça por trás, ele sussurra no meu ouvido "Desculpa pela cena, eu perco a cabeça com ele do meu lado" sorrio dizendo "Você deveria perder a cabeça COMIGO do seu lado, não com Philip, devo me preocupar?" ele dá risada "Não! Pelo amor de Deus, você é a única louca o suficiente pra tentar namorar ele" forço um sorriso, algo ali me incomoda. 

A mãe de Jake, Rosa, não sai de perto da barriga de Jenna. Minha melhor amiga faz uma cara de quem não gosta, mas percebo em seus olhos a emoção, Jake observa a cena de longe, abobado.  

"Você não quer ver se sua mãe quer beber alguma coisa?" pergunto a L, ainda encostado atrás de mim, ele faz que sim e caminha até a mesa onde sua mãe está sentada, ele levanta a garrafa de vinho que Rosa trouxe e coloca em uma taça de cristal que pertencia a minha mãe. Eu dou risada com Jenna sobre a escolha dos nomes do bebê, e quando menos esperamos Lucca derruba vinho na roupa de Angela. "Ele sempre foi assim, eu nunca pude deixa-lo muito na cozinha" a mãe dele reclama, visivelmente incomodada com a situação. "Vou para casa, trocar de roupa e já volto" ela diz em uma fala agitada, nervosa, ansiosa. Não é a mulher que costumamos conversar, Lucca fica assustado, a observando, o clima na casa muda repentinamente. Ela usa uma calça jeans e uma blusa de manga comprida, o clima não é pra isso e penso se seu desconforto não é pelo que esconde embaixo das vestimentas. Decido que hoje é o dia, "A, não precisa voltar pra casa, tenho roupas da Jesse que ela deixa aqui quando vem dormir, você pode usar sem problema nenhum" fiz de propósito, Lucca me encara, ele já entendeu o que quero "Mãe, por favor, a gente já vai jantar, vai ficar tarde se você for voltar apenas para se trocar" corro até o quarto e pego o vestido da minha tia que fica pendurado no meu guarda-roupa. "Angela!" a chamo carinhosamente, ela aparece no final do corredor caminhando lentamente, como se já soubesse o que a aguardava. Nós sabíamos. 

Estendo o vestido pra ela, com uma expressão solidária que acolheria qualquer um. Eu sou boa em expressões, há uma parte de mim que tem repulsa no quão visível meus sentimentos podem ser, mas assim como todo espelho, as pessoas enxergam o que querem sob mim. Eu não acho que quero ser solidária a minha sogra nesse momento, quero desafia-la ao máximo. Não preciso ter pena, ela é forte. Preciso faze-la falar, pelo bem extremo dela, odeio ver Lucca incomodado com seu pai e odeio mais ainda saber que uma mulher sofre agressão física e psicológica e apenas assistir de camarote, isso não é uma opção. 

Tenho que tomar um cuidado com ela, sua instabilidade é enorme. Muitas pessoas pensam que agressão só é válida se mostrar as marcas na pele, o que muitos esquecem é que não é o corpo que comanda a vida, e sim o que se passa dentro da cabeça do ser humano, uma vez traumatizado e agredido, o psicológico vira refém. E é por isso que mulheres que sofrem esse tipo de violência devem ser tratadas de um modo cauteloso e desafiante, para provar á elas mesmas que são merecedoras de carinho e atenção. 

Fecho a porta do quarto, não me importo se ela se incomoda em se trocar a minha frente, ela já fez isso uma vez. "Pode colocar a roupa em cima da cama mesmo, eu vou coloca-las para lavar" "Ah não S, pode apenas guardar em uma sacola, eu lavo em casa" saio do quarto a procura de algum lugar para ela colocar sua roupa, e para dar privacidade. 

Entro novamente, ela se encara no espelho. Seus braços, assim como imaginei, estão cheios de cicatrizes e machucados, ela prende o cabelo e seu pescoço possui marcas também. "Não gosta do que vê?" pergunto a ela, "Não muito, não costumo me olhar no espelho" "Por que não quer ou por que não pode?" " O que você acha, Serena?" não respondo. 

Ela dá risada enquanto passa os dedos em cima dos machucados. "Sabe o que é mais engraçado?" ela pergunta, mas eu poderia jurar que ela está falando sozinha "É que todo mundo sabe o que acontece na minha casa, mas ninguém faz nada. Você não tem noção de como é difícil sair de casa, ligar para Lucca, vir aqui. Preciso convencer meu "marido"" ela faz as aspas com a mão, ainda rindo, como se fosse muito doloroso para ser contado de um modo sério. "Você foi a primeira pessoa a me olhar, me olhar de verdade. Me fazer encarar o que levo no corpo, obrigada" chego mais perto da senhora a minha frente, ela é de ouro. "Mãe, eu estou aqui" ela me olha, surpresa, as lágrimas correm "Esse foi o melhor presente de natal que eu já recebi" dou um beijo em seu ombro, "O que faremos agora?" ela me pergunta, "Encararemos, com todas as forças que tivermos" "E se eu não tiver nenhuma?" Angela questiona, como uma criança necessitada. "Se você não tiver, nós inventamos, os outros não sabem o que se passa aqui" e faço o gesto em seu peito, ela abre um sorriso, como se soubesse contracenar, ela é uma atriz, e possui o dom de atuar. "Acha que posso ir na sala assim?" ela aponta para os machucados, "Algo ai não é seu?" faço-a pensar, "Não" recebo uma resposta direta e firme "Então não há pelo que temer, ou envergonhar. Nada" "Então podemos ir?" ela ajeita a postura, "Sim senhora!" 

Entramos na sala de braços dados, todos tentam não perceber o que ela carrega, e conseguem disfarçar bem. "Belo vestido" Jesse diz animada, "Tia! Que bom que vocês vieram" digo a abraçando e beijando Kitty. Angela as cumprimenta também, seu modo de agir é muito mais diferente do que estava a alguns minutos atrás. Parece que tirei sua mordaça, seu colete a prova de balas e agora, agora ela pode se ferir e mostrar ao mundo que se fere. É lindo de observar. Percebo que Lucca sai da cozinha, pisco para Jenna, que percebe que quero que ela chame a atenção, e então minha melhor amiga começa a contar sobre sua gravidez, fazendo com que todos na cozinha e sala, inclusive seu sogro, chorem. 

Entro no quarto novamente. "Lucca?" ele me abraça com tanta força, e sinto que se ele me soltasse, eu quebraria. "Eu te amo muito" ele sussurra antes de me beijar, um beijo típico nosso, com toda a saudade envolvida, saudade que não existe. "Eu nunca a vi mais relaxada do que agora" Luc diz encantado "Sabe o que é mais legal? Ela nunca esteve tão vulnerável como agora, e isso não a deixa acanhada" ele faz que sim com a cabeça, e deixa algumas lágrimas escorrerem. "Eu tenho que levar ela daqui, tenho que leva-la comigo S" eu não pergunto nada, não digo absolutamente uma palavra, eu apenas dou um beijo em sua teste, faço carinho no lóbulo e sinto sua respiração contra a minha. "Nós nunca estivemos tão perto para estarmos tão longes" ele sussurra. "Precisamos encarar o Natal ainda" digo forçando a risada e limpando ambas as lágrimas. Ele faz que sim com a cabeça. 

Damos o primeiro passo para fora do quarto de mãos dadas, chegamos na cozinha de mãos solteiras, sinto que isso é uma prévia do meu tempo ao lado dele. Mas ainda assim, quando chego cheia de mãos vazias no final do corredor, ele ainda me olha com gratidão. Se nosso final for assim, estarei grata á vida por ter me dado um homem desse. 

Nossa família está sentada na mesa, toda a nossa família. Sua mãe ri graciosamente e desesperadamente de algo que Kitty faz. 

Sim. 

Ela precisa sair daqui. 

FinalmenteWhere stories live. Discover now