Sofi

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A rua da casa de Jesse sempre me trouxe um ar de tranquilidade fora do normal, mas hoje a dose é maior ainda, os ipês brancos formam o teto do bairro e um monumento me acompanha. Mas não consigo perceber nada de tranquilo em Lucca, seus dedos tremem e suam enquanto tentam ficar entrelaçados aos meus. Aperto a campainha e Kitty abre. "Sereny!!!" "que bom que é ver você pequena" ela me abraça e logo depois pula no colo de Lucca. A casa é a mesma, sempre impecável e com um frescor de lar. Jesse prepara o almoço, com o cabelo preso, o avental herdado da minha vó e o sorriso espontâneo no rosto, e me sinto novamente a menina que minha mãe tanto amava. 

Não são muitos passos adentro da casa até minha tia perceber que há algo errado. "O que aconteceu S?" Lucca e Kitty vão para a sala ver tv, com muito esforço minha irmã consegue o empurrar para o sofá. Me apoio no balcão e sinto o cheiro maravilhoso do macarrão que minha tia faz, mas ainda não é suficiente para afastar a raiva que Philip trouxe. "Ah, tem tanta coisa pra contar" "Começa pelo começo" "Jenna está grávida" "Serena!! Que notícia maravilhosa!" "Sim, fiquei muito feliz também, eles irão morar lá em casa" Jesse me olha admirada, como se estivesse orgulhosa sobre algo que não sei "Nossa família está crescendo S, com todos esses meninos" sorrio, ela entende a necessidade deles, vivemos por um bom tempo nos baseando com apenas nós 3, saber que esse número aumentou é gratificante. Mas ainda não digo o por quê ela vai morar em casa e nem o por quê estou aqui, não sei se Jesse precisa saber de mais drama da minha vida. 

"Quero levar Lucca pra conhecer a cidade" digo, já imaginando a sua reação ao conhecer minha antiga casa "Essa é uma ótima ideia S" faço que sim com a cabeça e me viro, a cena de Lucca conversando com Kitty é pacificante, percebo que minha tia também os observa. "Logo depois que seus pais morreram e vocês vieram morar comigo, a escola da sua irmã me ligou e reatou que ela tinha se excluído de todos, por muito tempo ela ficou sem amigos. Sua evolução foi um estímulo pra ela S, Kitty está bem melhor agora, ela sorri o tempo todo com vocês" não consigo tirar os olhos deles. Todos dessa casa são sinônimos de força, não é a toa que eu os escolhi para ser família. 

Sento no sofá branco, e sussurro para Lucca "quer dar uma volta?" ele me olha e assente com a cabeça. Dou um beijo na cabeça da minha irmã e aceno para Jesse. 

"Onde vamos?" "Acho que não vou falar, mas você vai gostar" olho para o porta-malas e checo se nossas bolsas ainda estão lá, "sua tia tá fazendo o almoço, não seria melhor a gente esperar?" "não, acho que não precisa" e sorrio, o que tenho em mente é bem melhor do que ficar em casa. 

A casa é preta com inúmeros detalhes brancos, a caixa do correio está lotada e flores murchas estão posicionadas sobre o pé da porta, a grama ainda é verde, mesmo parecendo que não há ninguém a anos para rega-la. Estaciono na calçada, onde tem uma amarelinha feita no cimento e respingada com tinta azul, seguida de marcas de duas mãos. Saio do carro e sento nos degraus da escada em frente a porta, contemplo o olhar de Lucca sob a visão. "O que acha?" pergunto, tentando analisar se ele entende onde estamos "sua casa?" "ainda está no nome da minha família, então, sim. Eu cresci e vivi aqui até pouco tempo, os vizinhos não se cansam em deixar flores - pego o restante de um buquê de rosas e jogo para trás, tentando limpar a entrada- aquela amarelinha ali na frente, meu pai deixou eu e Kitty fazer quando reformavam a casa, a marca maior da mão ali é minha" Lucca me olha enquanto passa os dedos na marca feita no chão, sorri ao perceber que é muito menor que a sua. 

Apoio meus braços no chão enquanto respiro o ar que para mim era cotidiano, e observo o homem que vem ao meu encontro, ele é lindo. "O que acha?" "Obrigada por compartilhar" ele me beija não apenas uma vez, mas repetidas vezes. "Podemos ir para a próxima etapa?" digo, entre risadas e beijos"tem mais um lugar?" faço que sim e ele me beija novamente. 

Não preciso dirigir muito, a cidade de Santa Bárbara não é muito grande. Estaciono em frente a praia deserta e não dou tempo a Lucca questionar, abro o porta malas e tiro uma mochila. Dou uma regata preta pra ele e tiro uma camiseta dele pra mim, "não deu tempo de fazer o lanche, mas prometo que na próxima vez eu faço" ouço a risada dele e sorrio sem ao menos levantar a cabeça para vê-lo. "você vai colocar minha camiseta?" "vou, por que?" "aqui no meio da praia ?" "vou, por que?" "de sutiã, aqui no meio?" "não, sutiã não, não quero molhar ele" "como assim? aqui no meio?" dou risada e tiro o sutiã, olho ao arredor e não há ninguém, coloco a camiseta de Lucca e tranco o carro "aqui no meio?" ele ainda diz e dou risada, mas o telefone dele toca e mal há tempo para mais risadas "É o Jake" "atende logo" Lucca coloca no viva-voz, "Oi J+J" digo animada, tentando trazer vida ao casal "Oi S, Oi Luc" "Algo bom?" L pergunta "Estamos indo pra cidade de volta, vocês tem certeza que podemos começar a mudança?" "Sim Jake, é claro, usem a chave que demos a vocês" tento acalma-los e ouço a risada de felicidade de Jenna "Obrigada gente, de verdade!" "Não precisam agradecer, logo logo a gente volta a se falar, eu e S não demoramos pra voltar" Luc finaliza a ligação. 

"Melhor deixar o celular no carro, não quero nada atrapalhando a gente" jogo meu celular no porta malas e Lucca faz o mesmo. 

Entrelaço meus dedos aos dele e prometo a mim mesma que não haverá nada nessa cidade capaz de atrapalhar o efeito no mundo que eu e meu amor causamos. Se cada cena da vida se transformasse em pintura, a minha claramente seria um esboço daqueles que o pintor apaixonado faz de sua amada eternizada. Eu sou esse pintor, a praia e o sorriso lindo de Lucca são como pincéis na mão de Monet. 

Estendo a toalha na areia e deito em seu peito nu. Eu já estive em uma praia com Luc, eu já deitei em seu peito, já olhei para o céu com ele, mas por algum motivo, eu nunca estive tão perto e tão aconchegada em sua alma como no momento. Talvez seja por que ele me faz sentir que sou fácil de ser amada. Lucca faz algo diferente do que as pessoas costumam fazer, ele fica ao meu lado nas situações difíceis. Não ficar ao lado passando a mão na cabeça ou apoiando, ele faz mais do que isso, ele enfrenta comigo.

Hoje percebo, é mais fácil mandar palavras de força como Philip me mandava, do que ajudar a carregar a cruz, como Lucca faz. Ainda é difícil não os comparar. Sou interrompida com beijos, que traduzem exatamente a sensação de paz e agradecimento. 

"S" "Oi" "Meus pais vão se casar novamente" "Como assim?" "Meu pai era casado, teve uma filha, a Sofia. Minha meia-irmã.." "COMO VOCÊ NUNCA ME FALOU ISSO?" "Calma, você vai conhecer ela. Só que essa mulher morreu, depois de pouco tempo de casado, aí meu pai casou com a minha mãe, me teve e depois de um tempo eles se separaram" "Vai com calma, não posso me perder" ele sorri, mas continua tentando ir mais devagar "Próxima semana faz 5 anos que eles voltaram, e a Sofi decidiu fazer uma festa pra eles mesmo nenhum dos dois querendo, basicamente é a renovação dos votos" "Por que sua meia-irmã que vai fazer a festa? Por que eles se separaram? Por que você nunca contou isso pra mim?" "Sofi perdeu a mãe muito nova, então decidiu adotar a minha como permanente. Não sei por que eles se separaram e não te contei antes por que eu acho que não tinha o por quê" como assim, os pais se separam e ele não sabe por que? Mas tudo bem, meu pai traia minha mãe e eu mal desconfiava. 

"Onde vai ser?" "No interior da cidade, de frente pra praia" "Que romântico" "Quer que o nosso seja assim?" "Poderia ser no campo também" "Próximo mês?" "Nem brinca Lucca" "Não quer casar de branco S?" "Vestir? Meu Deus Lucca, o que eu vou vestir?" "Qualquer coisa S, pelo amor de Deus" "Vou pedir ajuda da Jesse e da Kitty pra comprar" "Você vai ficar sensacional com qualquer coisa" "Não força" "Voltar a deitar aqui, queitinha pra eu gostar de você" dou risada, e faço mesmo, deito e curto a sensação nervosa de conhecer sua família. 

"To com fome Luc, vamos?" "Você sabe que eu poderia ficar aqui o dia inteiro, né?" "eu também poderia meu amor, mas minha fome é maior do que meu romantismo, desculpa" "eu sei" levanto dando risada e curto a brisa salgada que bate. 

Volto ao carro e recupero meu celular. "3 chamadas perdidas de Black" Lucca lê enquanto volto ao volante. "Black?" pergunto, imaginando se seria sobre Glorí, "Black" L afirma. 

FinalmenteWhere stories live. Discover now