Revolução

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Deixo Kitty dormir na poltrona, seu rosto é de completa serenidade, aquele móvel é a parte mais viva de nossos pais e eu sei exatamente com ela se sente, tranquilidade por poder descansar no que resta da família. Minha sogra abraça seu filho e eu já não tenho mais noção de que horas são, me sinto cansada e com sono, mas me sinto bem, mesmo por tudo.
"Você não se parece bem querida, aconteceu alguma coisa?" Angêla acaricia meu rosto, eu poderia facilmente deitar em seu ombro e chorar, mas ela não merece saber da mentira do filho, muito menos do meu drama, "Está tudo ótima, talvez seja cansaço apenas" "Espero que sim" ela nos olha e despede com os olhos, logo depois fecha a porta, sua presença é materna, não consigo pensar em ninguém melhor para Lucca ter tido como mãe.

Agacho para ver Kitty, faço carinho em sua testa e apago a luz da sala no interruptor ao lado. Vejo que Lucca para estático "O que é?" ele não responde, nem sequer pisca, começo a me preocupar. "Aconteceu alguma coisa?" seu olhar é voltado para o chão, ele o observa como se fosse algo importante "Eu to com raiva" "raiva? raiva de quê?" "De mim" "E por que, Lucca?" "Eu sou egoísta demais" não consigo entender, mas talvez eu também não queira. A casa inteira está apagada, eu chego mais perto dele e pouso minha mão na sua, espero um tempo para que eu possa começar a ajuda-lo, talvez ele também se sinta como eu, talvez sua auto estima não seja de invejar, decido tentar de novo "Luc.." ele para de olhar para o chão, ele me olha agora. Ele me olha.

"Venho há a algum tempo tentando achar algum momento, alguma frase. Caramba Serena, eu estou colecionando frases da qual eu sei que não usarei, só para que possam me servir de inspiração. Mas eu acabei de perceber, não preciso de frases prontas quando a fonte de inspiração se encontra exatamente a centímetros de mim" canso de me fazer de desentendida, eu sei exatamente o que ele fala. "Talvez o jeito certo seria salvando a sua vida, mas eu não posso querer colocar você em risco apenas para tentar provar algo que mal tenho coragem em dizer" "As vezes as palavras nos traem Lucca, não precisa falar" ele sabe do que digo, sabe o que peço. Não quero palavras, eu estou cansada delas. Eu seria capaz de escrever um livro enorme apenas com palavras da qual passei tempos montando e disse, mas no final acabaram não valendo de nada. Mas seria muito mais interessante uma crônica apenas com momentos da qual não foram planejados e que desenvolveram grandes impactos na minha vida. Talvez a resposta para o caminho seja o ato de não pensar. E é isso que fazemos agora, eu e Lucca. Seu toque também é doce, como o de Philip era, seu olhar também é carregado como o dele era, o cenário é o mesmo também, a sala é protagonista da história. Só há uma diferença. Uma mudança da qual pode interferir no final do enredo. Eu. 

Lucca é profundo com o olhar, e é engraçado por que tudo está escuro. Eu olho ao arredor, para a parede amarela, a mancha de bebida de Pam na poltrona que Kitty dorme, as fotos da família dos dois, a mesa com o bolo de laranja. Observo tudo, sem ansiedade para o que me esperava, sem precisar estar arrumada, sem repensar nas malditas palavras que Philip me dissera. 

De todas as tempestades já vistas pelos meus olhos, nenhuma contém a força que essa sala possui nesse exato momento. Nenhuma das tempestades passadas já haviam visto uma revolução. Uma evolução feminina. Uma evolução minha. Eu não ouso me arrepender, eu compraria novamente uma pipoca pequena, eu iria novamente todas as vezes para minha cidade, e eu levaria Philip comigo também. Todo esse caminho traçado foi necessário para que eu pudesse chegar a esse ponto. 

Dois julgamentos sendo percorridos, minha família mais unida e estável que nunca. Uma nova família chegando, Angêla e Pablo, e automaticamente, cor na minha vida. Eu precisava disso. Precisava ouvir que era ingênua, e que ainda sou. Era necessário saber que sou carente. Essa é quem eu sou, mas não deixarei ninguém delimitar o que posso ser. Nesse exato momento, com meu rosto em suas mãos, e narizes a centimetros um do outro, eu posso dizer: Lucca é um mero personagem nessa história complicada, eu poderia ter escrito meu roteiro sem ele, mas com certeza, essa Serena é a melhor versão já feita.

E então a tempestade se faz, e ele me beija. 

Chove demais, trovões se formam e não há um pingo do lado de fora da casa. A noite continua serena. A sala ainda está quieta, mas os cosmos se agitam. Não me sinto beijando Philip, era isso que pensava quando Lucca me vinha a cabeça. 

Ele possui seu próprio gosto, sabor da mudança, da confiança. A ideia de que posso escrever um novo caminho me contenta e eu sigo a curvatura das suas costas com meu dedo. Ele não possui olhos verdes, são castanhos, meio amarelados. Mas se há uma coisa da qual aprendi, é que nem sempre o fruto mais colorido é o mais saboroso e saudável. 

Lucca ri entre um beijo e outro. "Eu to feliz" ele me diz, e gosto da sensação de poder lê-lo. Eu ainda não digo nada, "Obrigada por compartilhar esse momento comigo"seu sorriso se faz grande entre cada palavra "Que momento?" ainda encaro o desenho e o calor que meus lábios deixaram em sua boca "Sua vida" e então percebo. Ele também sabe que algo ali mudou. 


FinalmenteWhere stories live. Discover now