Jenna é magra demais, e usa roupas coladas demais. Eu nunca me incomodei com isso. Mas hoje, andando ao seu lado no campus da UCLA, com o sol da manhã refletindo nela a sua maior beleza, é possível perceber que muitos alunos olham pra ela. Olham pra baixo e a barriga que carrega meu sobrinho transparece. Parece que só eu ainda não tinha percebido como sua barriga tinha aumentado. "Tá todo me encarando ou é impressão minha?" dou risada e passo a mão em seu ventre, ela entrelaça nossos dedos. "Preciso ir Jey. Vou conversar com a Black e ir pra aula depois" "Ok S, até" sorrio e caminho em direção ao prédio da sala 116.
O auditório como quase sempre está vazio e nem a professora está. Sento na cadeira da mesa de frente para a enorme escadaria e amontoado de cadeiras. A lousa ainda contém traços da última aula e faço as contas de quanto tempo não venho até a faculdade ver aula. Só sosseguei depois que Jenna contou que seu primeiro ano foi igual. Seria impossível eu me concentrar em tudo de uma vez só. Black entende isso, ainda bem. "Sempre pontual" ouço a voz rouca da minha advogada. "E então? Você me deixou curiosa"digo como uma criança observando a grande caixa de presente embaixo da árvore de natal "Foi por um bom motivo querida" "Espero que sim" "Você sabe que eu tenho uma relação muito boa com o Martín, certo?" não consigo esconder a risada, lembro de Lucca indignado como eu nunca tinha percebido que Black e Martín namoravam. "Desculpa pela risada" tento ficar séria "Certo" digo tentando consertar. "Já fazem alguns anos que tentamos abrir uma agência de advogados, nossa cidade é carente disso. Ficamos em silêncio por muito tempo. Mas conseguimos levantar com muito esforço e empréstimos" "Isso é demais!" fico realmente feliz por ela, mesmo não entendendo o por quê ela me chamaria para isso. "Ficamos muito receosos, já que éramos delegados da mesma cidade. Eu virei sua advogada mesmo sendo delegada da polícia na época, por isso demoramos para anunciar essa abertura" "Parabéns mesmo!" "Agora fica mais fácil, eu já pedi demissão daqui, ficarei inteiramente focada no seu caso. Não que seja difícil, já que Glorí nos deu a chave do processo. O único problema é que o juiz não quer acatar minha ideia de julgar o caso dos Wallen e dos Manning juntos. Precisarei o convencer antes de tudo" "Tudo bem, eu tenho paciência, só preciso ter certeza do resultado" "Você tem querida, nós já ganhamos" "E preciso ver Catherine sendo presa" "Ah, com certeza ela será" "Era isso?" digo já levantando da cadeira. "Ainda não Serena. Sua proposta, tenho que fazer" "Diga" " Pensando em montar uma boa equipe de advogados da nossa empresa. Eu e Martín decidimos escolher 2 advogados em processo de aprendizado, para serem bons ajudantes. A UCLA tem um sistema de compensação de horas de estudo em horas de trabalho. E se trabalharmos juntas, poderemos agilizar em 100% o processo do julgamento. O salário será generoso, vocês trabalharão bastante, já aviso" fico extremamente grata por Black pensar com tanto carinho em mim. Ela não é apenas professora e advogada, ela se tornou da minha família e eu fico muito feliz por isso.
Levanto rapidamente da cadeira e a abraço, seu cheiro me lembra vagamente o sentimento de acolhida que minha vó e minha mãe me passavam nos domingos que tinham macarrão no almoço. Ela pigarreia, mostrando-se constrangida "Desculpa" eu sorrio, nervosa. "Está tudo bem querida" fico imaginado o que aquela senhora já passou, quantas pessoas de fato ela ama. E o por que ela trabalha tanto.
Saio da sala e deixo meus pensamentos lá. Sou pura felicidade, e preciso compartilhar isso com alguém que vai ficar feliz por mim. Pego o celular e ligo. A voz rouca dele me deixa mais elétrica ainda. Eu mal consigo suportar a distância da UCLA e de casa sem ele, imagina Alemanha.
Alemanha.
Desligo a tentativa de ligação.
Uma chance de trabalho com uma professora, advogada e mulher renomada como Black não é para qualquer um. O mercado de trabalho está extremamente conturbado para quem ainda estuda direito. Não posso desperdiçar essa chance.
Engulo seco.
Não posso proibir Lucca de correr atrás de seus sonhos. Mas não posso mudar de país agora. Sento no banco mais disputado da faculdade. O que fica em frente a um chafariz. Aproveito que todos estão em aula e penduro minha cabeça entre minhas mãos.
Tenho um tribunal a frequentar, me lembro repentinamente. Não posso faltar aos julgamentos dos meus casos. É a minha vida contra viver ao lado de Lucca. Mas se é ele que me traz a famosa sensação de paz que eu sempre procurei, como posso querer uma vida sem ele? Lucca é minha vida, qualquer circunstância sem ele não é viver, é sobreviver.
Respiro fundo, seguro minha mão trêmula entre minha perna inquieta, a ansiedade me arrebata como um tiro. É a sensação que não consigo tirar, uma toalha presa em minha garganta. As frases e os rostos de Black e Lucca rodeiam todos e qualquer tipo de pensamento. Consigo sentir o suor se formando em minha nuca. Seria muito mais fácil enfrentar meus problemas sem ser afetada pelas consequências que a ansiedade causa em meu corpo. Seria muito mais fácil dizer um "não", sem sentir que há alguém me enforcando, sem sentir que é possível desmaiar a qualquer momento. Mas eu já me acostumei, sei que os sintomas não desapareceram se eu ficar sentada, então levanto. Sigo em direção ao meu carro e repito a mim mesma "É a sua vida, seu controle" "É a sua vida, seu controle" forço um sorriso e ando, um passo de cada vez, metaforicamente ou não.
Ás vezes vivo dentro de mim, revivendo os dramas criados pela minha mente e esqueço completamente que existem outras vidas, dentro dos corpos ao meu arredor. Tenho o sentimento do mundo todo e esqueço que há quem também pense isso sobre ela mesma. Por isso não deixo meu mundo acabar e renascer por ter um dilema. Coloco a mão no volante, ainda repetindo a frase. Eu estou no controle de tudo, vou aonde quiser com meu carro, vou aonde eu quiser com a minha vida.
O controle é todo meu.
E já sei o que fazer.

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Finalmente
Misterio / Suspenso"Encaro novamente o ínicio da nova viagem, seguro na mão ao meu lado, aparentemente a minha própria, sorrio para mim mesma, me abraço e tomo cuidado do meu corpo."