4ª semana

6 1 0
                                    

"Eu não consigo mais ficar naquela casa" Philip reclama enquanto estudo nosso próximo caso. "O quê?" "Minha casa, é enorme só pra mim" "Quer vender é?" sua boca se curva enquanto observa a tela do computador "Tem quem queira?" ele pergunta animado me olhando, "Jen e Jake?" ele perde a animação no olhar, "Eles iriam querer algo vindo de mim?" "Sem drama, é lógico que iriam. Ainda mais uma casa, mas precisa ser rápido, pelas minhas contas Jenna entra no sétimo mês hoje" ele ri, como se estivesse emocionado. "Acho que você devia voltar a vê-los, uma mudança na casa seria uma boa desculpa para voltar a amizade" "Você acha?" ele me pergunta com os olhos brilhando, sorrio com piedade "Acho P" 

"Vou mandar uma mensagem para eles" digo animada, mas penso melhor "Não, você vai mandar" Philip me olha nervoso, "Por favor, você conhece eles há muito tempo" digo tentando encoraja-lo, ele pisca diversas vezes enquanto entrego meu celular já discando para ele. "É... Jenna?" ele corre com a cadeira para o meu lado e coloca o celular no viva-voz, faço sinal com a boca de que ficarei quieta. "Mann?" ela pergunta como se quisesse entender se leu mesmo meu nome na tela do meu celular, "Isso" ele diz rindo de nervoso "Então... Fiquei sabendo que você e Jake precisam de uma casa, pra família" "Olá S, vem logo pra casa" ela diz mais alto como se soubesse que eu estava ouvindo "Eu não estou" digo rindo, "Precisamos sim P" ela diz, como se já agradecesse a oportunidade, "Vocês se interessariam na minha casa? Quero mudar, já até comecei a ver alguns apartamentos. Sei que logo logo o monstrinho aí nasce, então precisam ser rápidos" ele diz praticamente vomitando as palavras, consigo ouvir ela chamando Jake silenciosamente "Sim, sim, sim, nós adoraríamos Pis" olho para Philip querendo entender de onde tinha saído esse apelido, "Faz tempo que você não me chama assim" "É..." "Vocês querem ir lá em casa dar um olhada?" ouço Jake do outro lado da linha "Por favor Philip, nós já fomos lá inúmeras vezes. Só me preocupa o preço, quanto você quer por ela?" "Nós podemos pensar isso mais tarde, não se preocupem" ás vezes esqueço que P é rico. 

"Acho que ele pode ir depois do trabalho em casa, e vocês conversam direito" "Sim sim sim" eu podia sentir o alívio do casal, "Até lá então" Jake diz com felicidade na voz "Até lá" P responde ansioso.

                                                           ************

Ele bate os pés no chão, e batuca os dedos no batente da porta enquanto eu tento abrir a porta. "Tem como você parar? Quantas vezes você já não veio aqui?" "Você sabe que não é assim, as coisas mudaram" acho engraçado ele assim, ainda preciso me acostumar. A chave roda "Pronto?" pergunto, e antes dele poder abrir a boca eu abro a porta. A mesma cena vem se repetindo a vários dias, Jenna e Jake encarando a tela do computador procurando detalhes sobre apartamento e mudanças, enquanto Angêla e Lucca conversam com os representantes da empresa alemã. 

Dessa vez não encontro a casa assim, J+J separam algumas caixas vazias de papelão e o sorriso do casal se expande mais quando nos vê entrando. "Com licença" Philip diz sério, Jenna não consegue segurar e acaba rindo, rindo muito, rindo tão alto que faz todos da sala rirem juntos. "Jesse e Kitty se mudaram para cá" digo baixinho no ouvido de P, enquanto ele as cumprimentava. Deixo Philip conversando com seus amigos de infância enquanto ando até o quarto. 

A cama de casal repleta de malas enormes, e os armários esvaziados. "Então é isso?" pergunto e ele parece se assustar, estava concentrado demais em não esquecer nenhum item, "Acho que começou a sequência de adeus" "Não acho que estou preparada, e não quero estar" "S, seu julgamento é daqui dois dias" "Você vai fazer falta no tribunal, onde mais procurarei o pôr do sol?" ele ri como se fosse uma piada "Não fala bobagem, você sabe exatamente do que é capaz. Mesmo que estivesse sozinha na vida, ainda assim entraria naquele lugar inabalável"

 Ele para e tentar escutar de onde a voz masculina vem, forço o sorriso como uma criança que fez coisa errada "Eu mal fui embora e você já o traz para cá?" sinto um nojo repentino em sua voz "Não fala desse jeito comigo" "Você quer que eu fale o quê?" "Parece que eu sou uma vagabunda com você falando assim. E eu não preciso disso" "Tanto faz" ele levanta os ombros, esse não é o Lucca que eu conheço, deixo por assim, não é fácil ir embora. Seria pedir demais que ele ficasse tranquilo. 

Me lembro da nossa promessa, de fazer algo juntos todas as semanas. "O que faremos hoje?" pergunto, e uma ideia vem em mente. "Seu voo é cedo demais amanhã, não pode dormir tarde. Já sei onde iremos" ele me olha intrigado "Só preciso separar uma regata, uma camiseta sua e alguns lanches naturais" digo sorrindo enquanto giro o calcanhar em direção á cozinha. Ele me puxa pela cintura, como não fazia há algum tempo. Beija o topo da minha cabeça gentilmente, "O que foi?" digo delicadamente, "Só quero guardar algumas lembranças" sorrio tristemente e caminho para a cozinha.

Depois de prontos nos despedimos de todos na sala, inclusive Philip. Lucca faz questão de sair de mãos dadas comigo, o que já não era mais de costume. Repreendo L pelo olhar, é infantil demais fingir algo apenas para irritar Philip, mas nenhum dos dois parece prestar atenção no papel ridículo que fazem. Puxo L pela manga da camiseta até a porta, "Até amanhã P. Boa sorte no negócio fechado, façam uma boa compra" digo ao casal sorridente. 

"Você dirige, eu já me cansei de errar o caminho" digo brincando enquanto sento no banco do passageiro. É triste pensar que certas ações faremos pela última vez. Tento afastar o pensamento da cabeça, mas minha consciência insiste em dizer que devo terminar isso logo. Já adiei tudo o que eu podia adiar, preciso colocar em ação. 

"Sei já é tarde, mas não escolhi esse horário á toa" digo enquanto sentamos na areia branca da praia abandonada. Sinto o vento salgado e gelado levar meus fios encaracolados para dançarem no ar denso. "O pôr do sol" ele diz sorrindo e observando o horizonte. 

"Meses atrás, você me trouxe aqui. Me ajudou a superar Philip, me ensinou sobre o céu. Você me disse "Usamos metáforas com o céu, tiramos fotos e idealizamos como nosso, mas o pôr do sol aparece para todo mundo" e eu disse "Nem todo mundo sabe contemplar o pôr do sol, algumas pessoas os perdem todos os dias" eu lembro desse dia, e eu lembro de tudo que conversamos" 

"Exatamente pôr do sol" ele responde, e foi exatamente o que ele me deu como resposta alguns meses atrás quando eu completei sua metáfora. "Lucca, sabe o que a Alemanha tem?" ele me encara agora, não olha mais para o horizonte, eu não tenho coragem de encara-lo. "O quê?" "A Alemanha possui um céu, um pôr do sol, e possui você" ele se ajeita pra mais perto de mim, seu cheiro que aconchega, suas mãos enormes e seu cabelo preto como os segundos antes de abrirmos os olhos. Ele beija minha têmpora, ele diz entre beijos "Como você vai ficar?" "Bem, eu sobrevivo" "Quero tirar algo bom disso tudo. Sei que seria egoísmo demais pedir que você continue me amando mesmo longe, seria muita maldade. Mas não esqueça totalmente de mim. Tire algo bom disso, faça o que você sempre faz. Faça uma metáfora, uma poesia, um livro. Tente ser positiva, por que eu já tentei e não deu certo" ele diz cada palavra com dor. Mas um tipo de dor diferente. A mesma sensação que possuímos quando retiramos um espinho das mãos. 

Dor.

Alívio. 

Eu li uma vez que os espinhos são a sobrevivência da rosa. Ela precisa deles, caso contrário fica fraca demais. 

"Eu já estou tirando. Sabe quando precisamos nos encontrar? Quero acertar tudo e com todos ao meu arredor, quero ser alguém melhor. Mas preciso ficar sozinha, ajeitar todas as engrenagens para que meu relógio volte a funcionar, quero que mostre o horário certo. Por muito tempo senti que solidão era algo ruim. Mas ser solitário é um indício que precisamos desesperadamente de nós mesmo. Talvez não seja vazio que eu sinta, talvez seja apenas vontade de transbordar. Não sei ser pouca." desabafo enquanto vejo as lágrimas de Lucca saltarem, beijo sua boca levemente, a água da tristeza tem gosto do mar, é salgada. "Será que o mar é o reservatório de alguém que algum dia se apaixonou? Será que nossas lágrimas fazem parte dele?" L faz que sim com a cabeça enquanto deixa seu mar interno transbordar pelos olhos. 

FinalmenteWhere stories live. Discover now