Lembranças

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O chá teve um efeito imediato, em menos de 30 minutos eu e Daniel descemos para a sala. Não tenho TV no quarto, então preciso descer se quiser assistir algo. Minhas pernas ainda doíam, pelo visto, nisso o chá não ajuda. Tive de tomar o remédio horrível que o Dr. Michael havia me receitado, e quase fui carregada da escada para baixo pelo Daniel. Mas o efeito desse remédio também era um tanto imediato, ainda bem. Desci a escada devagar e me deitei no sofá, Daniel se sentou comigo e apoiei a cabeça em suas pernas. Fechei os olhos.

- Lucy, se você queria dormir deveria ter ficado na cama. - Disse-me ele, abri os olhos e o encarei. 

- Não quero dormir. - Falei. - Mas também não quero olhar TV, nem ficar no quarto. 

- E o que você quer fazer então? O Dr. Michael disse para você descansar, então você não pode sair andando por ai. - Disse ele, não respondi. Apenas fechei os olhos e relembrei o Natal. Mary e eu fizemos tantas brincadeiras, quase enlouquecemos as irmas, mas mesmo assim, ganhamos presentes perfeitos para cada uma de nós. As vezes é difícil lembrar de algo tão bom, ou ouvir uma música e lembrar de um momento que nunca vai voltar. É como se você escrevesse uma história, se apaixonasse por ela, por seus personagens, pelo que eles viveram, somente para você perde-la e nunca mais conseguir reescreve-la. Você cria algo perfeito, vive algo maravilhoso. Mas então alguma coisa acontece e você percebe que perdeu isso, que perdeu tudo. 

Senti quando Daniel começou a fazer carinho em meus cabelos, não abri os olhos, somente deixei o momento acontecer e me concentrei em minhas lembranças. Dessa vez fui mais longe, eu e Mary estávamos com 11 anos, corríamos pelo orfanato a procura dos ovos de páscoa. Era noite, a procura só deveria começar no outro dia de manha, encontramos um e o escondemos. Esse, ninguém além de nós encontraria, pensamos ao esconde-lo. E realmente, ninguém encontrou. Foi um "crime" perfeito, ninguém desconfiou quando eu e Mary encontramos três ovos no outro dia, no tempo recorde de 15 minutos. Bem, nenhuma das meninas pelo menos, por que pensando bem, seria difícil a diretora ou alguma das irmãs não desconfiar. 

- Lucy, está acordada? - Ouvi Daniel sussurrar.

- Estou. - Falei-lhe abrindo os olhos. - Algum problema? - Pedi o encarrando. 

- Não. - Disse ele - Só queria lhe pedir se você queria sair comigo um dia desses, para olhar um filme talvez... Não sei. Quando você estiver bem, e poder sair novamente. Você sabe, para celebrar a... liberdade. - Disse ele, ri.

- A liberdade? - Falei o olhando. - Ok, por que não? Mas eu escolho o filme. - Falei, o vi sorrir e fechei os olhos novamente.

Então lembrei-me do dia em que conheci Jesse. Havia lançado um filme novo no cinema da cidade, o orfanato nos levaria para assisti-lo. Eu tinha o que? 7 ou 8 anos. E antes de entrarmos no cinema vi um garoto, com mais ou menos a minha idade, ele estava sentado no chão sozinho. Me afastei da diretora e fui até ele, começamos uma conversa de que não me lembro bem, e no final convenci a diretora a leva-lo conosco. E esse foi o meu primeiro filme em um cinema, e como eu pude perceber mais tarde, o primeiro de muitos que assistiria com Jesse.  

Abri os olhos e encarrei Daniel, assim como eu suspeitava, ele me encarrava.

- Daniel. - Falei, ele deu um sorriso.

- Sim? - Pediu então. 

- Antes do cinema, será que você poderia me levar para o orfanato? - Pedi-lhe, ele fez uma cara confusa mas assentiu para mim.

- Você quer deixar a Mary lá antes do cinema? - Pediu ele então.

- Também, mas é que eu preciso falar com o Jesse. - Falei, o vi desviar o olhar. Eu sabia que isso ia acontecer, um beijo, UM beijo e agora é assim. Toda fez que eu olhar para Jesse vou lembrar da minha traição, não que eu ainda vá vê-lo muito, mas mesmo assim. E toda vez que eu falar de Jesse perto do Daniel, verei essa cara de cãozinho abandonado. Eu não aguento isso, pensei fechando os olhos.

- Como quiser. - Disse ele, suspirei.

- Eu só preciso falar com ele. - Falei. - Esclarecer algumas coisas. - Terminar com ele. - Só isso. - Falei, percebi ele se remexer no sofá.

- Tudo bem. - Disse ele. - Isso não é problema meu. - E essas palavras significam, "Você ta zuando com a minha cara né?". Ok, eu posso pedir para o Gabriel ir comigo, levamos a Mary, e depois damos um jeito de voltar. Suzanna pode ir conosco, ou eu aprendo a usar um portal até lá. E depois, posso sair com o Daniel. Pera... Isso vai ser um encontro? Não. Será? 

Meu Deus, eu tenho um encontro com o Dani e nem terminei com o Jesse ainda. Eu sou uma idiota, não é possível, como eu fui me meter em um triangulo amoroso? 

- Dan? - Falei calmamente.

- Sim? - Pediu ele, abri os olhos.

- Você quer sair comigo? - Pedi então, ele me olhou e sorriu. Eu estou louca, só pode.

- Lucy, eu pedi isso agora a pouco. - Disse ele dando um sorriso triste.

- Você me convidou para sair depois, eu estou te convidando para sair agora. - Falei. Ele me olhou e sorriu.

- Você não pode sair e tem de ficar em casa descansando, ordens médicas. - Disse ele.

- Você está triste? - Pedi o olhando. 

- Não. - Disse ele sem me encarar, me sentei e o encarei.

- Olhe para mim. - Falei, ele olhou ao redor e desviou os olhos antes de me encarar. - Não fique assim. Por favor, o meu mundo ta virando de cabeça para baixo, eu não sei o que ta acontecendo. Eu sinto muito, não queria magoar você, mas eu não percebi as besteiras que estava fazendo. - Falei, ele me estendeu a mão, a segurei e o encarrei. - Desculpe. - Falei.

- Não se preocupe Lucy. - Disse ele. - Eu sei que não esta fácil para você, e eu entendo. Eu só gostaria que as coisas entre nós fossem... Diferentes. - Disse ele, o olhei e sorri.

- Quem sabe... - Falei e me sentei mais perto dele, encostei minha cabeça em seu ombro e suspirei. - Eu vou terminar com o Jesse. - Falei, Daniel ficou em silencio por um tempo.

- Não precisa fazer isso por minha causa. - Disse ele. 

- Não é por sua causa, é por mim. Jesse não é como eu pensava, e... Talvez eu não goste mais dele como gostava antes. - Falei. Ficamos em silencio por um tempo, depois de alguns minutos tomei coragem e me virei para ele. - Talvez eu esteja gostando de você.

A Escolhida (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora