Capítulo 2

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''Eu sei que quando você for para a Califórnia você nunca olhará para trás.'' - Greetings From Califournia (The Neighbourhood).


Meu pai morreu quando eu tinha apenas dezesseis anos, costumava me perguntar se as coisas seriam mais fáceis se ele nos tivesse deixado quando eu ainda era pequena demais para criar memórias.

Eu o amava, embora nosso relacionamento não fosse a oitava maravilha do mundo. As vezes eu sentia tanta raiva dele que beirava ao ódio, um sentimento que eu não queria sentir pelo o homem a quem eu supostamente deveria dar a vida, talvez aquele sempre fosse ser o papel de Emma.

Nosso pai era um homem controlador que sempre queria as coisas nas palmas de suas mãos e ele sempre conseguia, pelo menos era o que ele achava. Ele tinha minha mãe, a perfeita dona de casa aos seus pés e a incrível filha do meio que beijava o chão em que ele pisava, para Emma ele sempre seria um ídolo e eu não a culpava, por vários momentos ele também era o meu e possivelmente o de Peter.

Daniel Morris. Nosso herói imperfeito. Nosso pai.

Peguei a foto dele que havia em cima da escrivaninha no meu quarto agora vazio e a guardei na gaveta junto a outra que eu mesma tinha tirado em seus últimos momentos de vida, a única vez em que ele sorriu vendo que eu segurava uma câmera em minhas mãos.

Joguei minha mochila sobre as costas e fechei a porta do quarto.

De frente de casa minha mãe e Henry me esperavam para irmos até o aeroporto e por incrível que parecesse Emma também estava ali.

O aeroporto ficava a uma hora da nossa casa e meu voo seria longo, esperava conseguir dormir feito uma pedra durante o trajeto até a Califórnia e talvez isso realmente acontecesse levando em conta que eu tinha passado a noite praticamente em claro repassando tudo que precisava fazer assim que o avião pousasse.

Minha mãe me abraçou seguida de Henry fazendo com que eu prometesse que a visitaria no Natal ou pelo menos no Dia de Ação de Graças. Eu disse que iria tentar, mas não daria certeza. A verdade era que eu estava tão empolgada com as milhares de expectativas que morar em uma nova cidade e estado traria que mal conseguia pensar em voltar para Montana.

Emma veio até mim por ultimo quase como se não quisesse.

- Você finalmente conseguiu o que queria – comentou ela sem uma expressão que eu realmente pudesse decifrar.

- Agora você vai ter a casa inteirinha para você incluindo meu quarto – comentei tentando ser pacífica – Eu sei que sempre gostou mais dele do que do seu.

Ela sorriu.

- Vou sentir sua falta pirralha.

Contive uma risada.

- Achei que estava com raiva de mim – ergui as sobrancelhas a encarando.

- Eu estava, mas de qualquer maneira continuo com essa maldita admiração por vocês – disse ela – Quando digo vocês, quero dizer Peter. Vocês sempre tiveram coragem de ir atrás do que queriam e lutar por isso diferente de mim.

- Você sabe que isso não é verdade.

- Sim, é verdade. Eu posso até conseguir o que quero, mas... eu nunca tive a coragem de abandonar tudo para trás e fazer o que um dia eu realmente quis – vi um sorriso fraco desapontar em seu rosto.

Assenti.

Na vida de Emma ela continuava a acreditar que as vontades do meu pai sempre viram em primeiro lugar, no fundo eu entendia um pouco já que eu estava indo embora, mas por tempo limitado ainda pensava em voltar construir uma família como meu namorado queria e talvez ajudar minha mãe assim como minha irmã no que restou dos negócios da família.

Ir para a Califórnia seria mais como ferias e uma forma de me afastar de certas coisas.

- Bem, faça uma boa viagem e quando chegar lá fale para o nosso irmãozinho que irei visitar vocês assim que possível.

Olhei para ela de maneira intrigada.

- O que foi? Eu estou disposta a tentar uma reunião dos irmãos Morris de novo – ela deu de ombros – Além do mais eu realmente preciso de um bronzeado e talvez de um amante californiano.

- Certo – eu ri sem nem ao menos querer.

A voz no auto falante anunciou a ultima chamada para o meu voo.

Emma me abraçou como nunca tinha feito antes, nós não éramos próximas aquele ponto.

Nos separamos e eu segui meu caminho, deixando para trás uma pequena parte de mim. Segurei minha vontade de chorar enquanto caminhava. Minha família tinha problemas como qualquer outra, grandes problemas que as vezes eu pensava não poder suportar, mas ainda assim era minha família e apesar de todas as brigas e discordâncias eu os amava.


Horas depois...


Alguém tocou o meu ombro me despertando, era uma das aeromoças me avisando que o avião já havia pousado e era hora de desembarcar. Eu ainda me sentia cansada depois de ter hibernado na poltrona desconfortável, me esqueci de trazer comigo uma almofada de viagem e tinha certeza que meu pescoço havia sofrido alguma lesão assim como as minhas pernas e braços, talvez eu precisasse de um analgésico mais tarde.

Peguei minha mochila e sai do avião.

Um senhor me ajudou a colocar minhas malas em um carrinho de mão e então sai em meio aquele lugar desconhecido a procura do meu irmão na esperança de que ele já estivesse ali a minha espera.

Ao passar pelo portão de desembarque avistei uma plaquinha em meio a tantas outras com as palavras ''KIT KAT'' em uma letra horrível. Comecei a rir antes mesmo de meus olhos se encontrarem com os dele.

Corri em sua direção.

- Kit Kat sério? Você poderia ter escrito apenas Katherine sabia? As pessoas podem achar que você é maluco – sorri para ele que me apertou em seus braços.

Os braços de Peter pareciam muito mais fortes do que da ultima vez que nos vimos.

- Você não deve ter vergonha do apelido carinhoso que te dei irmãzinha – ele sorriu voltando seu rosto contra o meu – Senti sua falta.

- Também senti a sua – o sorriso em meu rosto não queria de jeito algum desaparecer.

Peter puxou a mochila das minhas costas a colocando em cima das malas e me arrastou junto a si pelo aeroporto.

- Eu ainda não consigo acreditar que ela deixou você vir – comentou ele claramente se referindo a nossa mãe.

- Não tenho mais quinze anos – bufei.

- Certo, mas, você vai ser para sempre o nosso bebezinho – Peter fez beicinho bagunçando meu cabelo.

A maldição de ser a caçula.

Revirei os olhos o fazendo rir enquanto colocava minhas malas na traseira da sua picape preta e enorme. Era um carro e tanto.

Reparei um pouco mais no meu irmão.

Peter tinha herdado assim como Emma os olhos azuis do nosso pai, mas diferente dela seu cabelo era castanho como o meu. Ele estava diferente do que eu me lembrava, seu cabelo estava bem cortado quase rente a cabeça e seus músculos pareciam muito bem definidos por debaixo da camiseta azul clara que contrastava com sua pele bronzeada do sol. Imaginei que ele passasse um bom tempo nas areias das praias californianas. Havia uma tatuagem tribal em sua panturrilha e eu poderia estar ficando louca mas tinha certeza que também tinha visto um metal sobre sua língua quando ele sorriu para mim abrindo a porta do carro.

De repente me dei conta de que meu irmão havia passado tanto tempo longe de mim que eu já não sabia mais o que realmente acontecia em sua vida.

Peter deu a partida no carro e logo começou a me fazer todas as perguntas que podia e eu não deixei de fazer o mesmo enquanto o sol banhava a minha pele entrando pela janela aberta ao meu lado e eu admirava os coqueiros ao longo das ruas, pessoas caminhando com suas roupas de verão e o horizonte onde possivelmente se encontravam as praias.

Eu estava começando a gostar daquele lugar mais do que achei que gostaria.

GREETINGS FROM CALIFOURNIAOnde histórias criam vida. Descubra agora