Capítulo 1| Naufrágio Emocional

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" O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte.

(Nietzsche)"

No auge dos meus 29 anos ainda não consigo entender como nós, mulheres, continuamos acreditando no "feliz para sempre" até hoje. Mesmo depois de tanto sofrimento, revoluções e conquistas ao longo da história.

Bom, cada qual com sua doce ilusão.

Eu, Katrina Gonzalez Bittencourt, não acredito nesse conto de fadas.
Não que eu nunca tenha pensado em ter uma família na qual nas noites de Domingo iríamos assistir Faustão juntos na Tv ou ir com crianças à praia pós-almoço na casa dos sogros... Simplesmente, deixei de acreditar. E por não acreditar criei um grupo, o qual sou coordenadora, para auxiliar mulheres que passaram por desilusões, que foram agredidas e que de alguma forma buscam cicatrizar seus corações, o UTPNM(Unidas e Treinadas para Não Amar), que vem sendo meu grande orgulho.

Temos encontros todas segundas, quartas e sextas e os resultados têm sido construtivos.

Hoje como é quarta feira, estou saindo do treino de Kung Fu e estou indo diretamente para Ipanema, onde acontecem nossas reuniões. Hoje em especial, entrarão duas novas integrantes.

-- OK, garotas! Estamos aqui em mais um encontro. E hoje em especial, estamos recebendo duas novas integrantes, Marianna e Amber.-todas batem palmas-Muito bem, sejam bem vindas! Se apresentem.

-- Boa noite meninas! Meu nome é Marianna, sou engenheira, tenho 30 anos. Fui casada durante 6, tenho uma filha de 3, me separei há 1 ano. E vem sendo difícil pra mim, pois ainda sou apaixonada por meu ex-marido, nós nos conhecemos na faculdade e desde de então vivíamos na mais perfeita felicidade. E ainda hoje, temos uma ligação muito forte por causa da Aninha, minha filha.

Todas as meninas pronunciaram frases de superação para Mari. Eu apesar de manter minha postura imponente me emocionei com a franqueza dela, não é fácil deixar todas suas feridas expostas assim. Sem mais pensar, pedi para que a Amber se apresentasse e apenas lancei um olhar de conforto para Marianna.

-- Bem. Meu nome é Amber, tenho 32 anos. Fui forçada a casar com meu primo, pois engravidei ainda adolescente. Tenho um filho de 16 anos. Hoje, sou Bacharel em Direito. Minha vida nunca foi fácil, durante meu casamento apanhei muito do meu primo, Daymon. Dá última vez, fui parar no hospital e tive duas costelas fraturadas. Quando resolvi abrir o bico para o meu pai, ele me disse que era bem feito. Pois eu era a vergonha da família! Depois que sai do Hospital, vim para cá mais o Bryan, meu filho, comecei a trabalhar de diarista e estudar. Concluí o ensino médio e ingressei no curso de Direito. Hoje sou Delegada do CRAAM e quero esquecer o Daymon. Pois ele ainda mexe comigo.

Depois do depoimento da Amber, eu não poderia ter mais certeza de que amar realmente é uma doença. Não me julguem! Respeito e admiro a todos que amam, mas como você apanha, tem costelas fraturadas por aquele que deveria te dar amor e ainda diz o amar? Para não ser desagradável, não questionei. Apenas realizei a cerimônia de toda iniciante.

-- Bom, Mari e Amber. Aqui na UTPNM nós descobrimos que a felicidade é abstrata e que não necessitamos da figura masculina para sermos felizes. Com isso, as convido para escrever neste papel que estou lhes entregando todas as lembranças boas e ruins que vocês tiveram com seus respectivos parceiros e depois disso queima-los no fogo da libertação.

Depois das meninas concluírem com o procedimento, declarei oficialmente as mais novas integrantes da UTPNM sem passado nenhum e elas foram aplaudidas e assim, fui para minha casa ao som de AIN'T YOUR MAMA da Jennifer Lopez.

Já em casa, ainda não passavam das 22 horas, tentei entrar em contato com alguns de meus amigos, mas todos no meio da semana estavam hiper ocupados. Liguei para um disk pizza, mas não tinha Marguerita. Ficar sozinha em casa não fico!

Não que não consiga ficar em casa sozinha, apenas ultimamente tenho tido lembranças enquanto estou só que me assombram. Não pensem:
"Aí meu deus! Quanto drama..."

Não tenho controle sabe?

O lugar onde estou é bem diferente, nem sabia que existia, encontrei na internet. Tem uma arquitetura rústica e suas luzes baixas trazem um clima misterioso e/ou romântico. Pedi um Hambúrguer duplo, fritas e refrigerante de cola, enquanto aguardo meu pedido, observo em minha volta e percebo que há pessoas de todas as maneiras: solitárias como eu, famílias alegres, colegas de trabalho fazendo um "happyhour" e até mesmo um grupo de adolescentes tagarelas que sorriem por tudo.

Meu pedido chega, e permito-me lembrar do dia maravilhoso que tive. O orfanato realmente é o meu lar. Lá as crianças me revigoram. Tenho afilhados, irmãos e amigos, sei que não é aconselhável eles criarem vínculos afetivos.... Mas temos uma ligação que ultrapassa as leis que possam ser explicados por nós, meros mortais.

Lá tem Lucas e Matheus que são os gêmeos mais fofos e brigões daquele orfanato, eles têm 7 anos e como estão em processo de alfabetização a cada visita trago comigo uma cartinha, também tenho a Iolanda : um amor de criança que tem uma vontade de viver admirável! Ela sofre de anemia falciforme, foi abandonada, assim que foi diagnosticada e por isso dificilmente será adotada. E tenho o Pedro, que é uma figura!Tem 12 anos, acha que já é homem, só quer saber de futebol, namorar e me enrolar com os estudos...

Por incrível que pareça, joguei futebol com os meninos (coisa que não fazia há muito tempo), brinquei de boneca com as meninas e até joguei videogame...

Mas o destaque do meu dia foi quando eu me vi em uma saia justa dando conselho para as minhas "amigas" sobre o primeiro "amor" e a menarca. Ironicamente, como explicar para uma adolescente que não acredito no "felizes para sempre"? E que em breve vai chorar? Que em breve isso que ela chama de amor, ela verá que só a machucará?

Nossa Katrina como você é amarga!-Minha voz interior e, provavelmente, você sussurrou.

Sou despertada de meus devaneios quando o garçom vem perguntar se estou bem e informa que o estabelecimento vai fechar.

Que decadência Dr. Katrina! Sendo colocada para fora...

A caminho de casa decido que ainda não estou pronta para sentir tudo aquilo de novo... Vou para à praia de Copacabana. Já passa de uma da manhã, mas não sei se vou saber lhe dar com todos aqueles fantasmas novamente. Desço do carro e caminho sem destino pela areia, me sento, olho ao redor e vejo mulheres vendendo seu corpo, casais de jovens apaixonados ou solitários se afundando em drogas.

Baixo minha cabeça e o choro vem com as lembranças:

"Eu quero você fora da minha casa!"

"Nunca mais nos procure!"

"Nunca te Amei Katrina! Também?! Como quer que eu ame uma garota como você?"

Como se fosse a melhor opção de solução para o naufrágio emocional vou de encontro ao mar e mergulho como se não tivesse amanhã. Na tentativa estapafúrdia de afogar todas minhas angustias e lembranças, por um bom tempo vi tudo sumir da minha mente e agradeci imensamente aquela zona de conforto. Mas me suicidar é sinal de fraqueza, significa que não tentei e não traria paz a minha alma, saí do mar com muito frio, porém revigorada.



XOXO

OBRIGADA PELA ATENÇÃO, PACIÊNCIA E POR ACOMPANHAR A HISTÓRIA

Treinada para não Amar_ Katrina[CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora