2 - Sobre coisas que somem

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Celestina saiu correndo da Zen de Tudo o mais rápido possível

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Celestina saiu correndo da Zen de Tudo o mais rápido possível. Ou pelo menos, o mais rápido possível antes de inventar uma desculpa para seu supervisor, a pobre vítima barriguda que acatava todas aquelas histórias esfarrapadas. Problemas na família, sempre problemas na família. E o coitadinho assentia e continuava a escrever em sua prancheta.

A loja ficava a menos de um quilômetro do seu apartamento, uma distância que ela considerava saudável de percorrer caminhando todos os dias. Porém, agora que seu coração martelava no peito, ultrajado pelo incomum ritmo de corrida, amaldiçoava cada uma das passadas que a separavam de casa.

Acho que eles estão indo embora, hein...

"Segura eles aí!" ela gritou para o vento, sem se importar com a expressão confusa de um vendedor ambulante que ia passando.

Pff...e como você espera que eu faça isso?

"Droga, droga, droga!"

Seguiu praguejando até parar em frente a um edifício capenga de três andares, com a calçada coberta de musgo. Talvez um dia ele tenha sido vermelho, talvez um dia tenha sido amarelo. Não dava pra saber ao certo depois da pintura ter descascado tanto.

Celestina subiu as escadas pulando os degraus de dois em dois (os engenheiros que colocaram aquele velho prédio de pé pareciam considerar o elevador um luxo desnecessário). Ela atirou-se pelo corredor do terceiro andar aos tropeços até alcançar a última porta, que não tinha número. Tentou fazer uma entrada triunfal, mas precisou procurar a chave por vários minutos nos incontáveis nichos da bolsa. Quem quer que estivesse roubando sua casa, tivera a consideração de não arrombar a fechadura

"Ahááá" esbravejou, assim que conseguiu escancarar a porta.

Chegou tarde, queridinha. Já não tem mais ninguém aqui.

Uma massa compacta de gordura e pelo castanho precipitou-se sobre ela, lambendo-lhe as mãos.

"Oi, Ícaro" disse ela, afagando a volumosa cabeça do pit bull. Olhou desolada para o apartamento, tentando avaliar os estragos. A sala estava uma bagunça, toda revirada. O problema é que ela já estava mais ou menos assim quando Celestina saiu para o trabalho naquela manhã, então não havia muito do que reclamar...

Aparentemente, nada estava faltando. O mesmo sofá puído e cheio de pelo de cachorro (que há muito tempo pertencia a Ícaro e não a ela), os mesmos móveis e itens de decoração estranhos, a mesma estante repleta de livros e o imenso vaso de planta encostado no canto, contendo uma vistosa samambaia chorona cujas folhas caíam em cascatas até o chão.

Celestina aproximou-se da samambaia e tocou numa das folhas, sentindo o familiar choque da conexão subir-lhe pelos dedos.

"E aí com você, tudo bem, Tilda?"

Ah, estou ótima. Acho que assaltantes não ligam muito para plantas.

"E o Ícaro?" Celestina lançou um olhar acusador para o cachorro que já ressonava no sofá. "Ele é um cão de guarda, poxa! Não fez nada quando os caras chegaram?"

Mamãe Vai Comer Meu FígadoOnde histórias criam vida. Descubra agora