"O que exatamente estamos fazendo?" Horácio perguntou, assim que Celestina apoiou-se no balcão do mini-bar e embrulhou uma garrafa de tequila novinha em folha nas dobras da saia.
"Vamos visitar uma pessoa. Uma tia minha."
"Outra tia? Mas já não conheci todas as suas tias alguns minutos atrás?"
A menina riu, puxando-o pela mão até o canto esquerdo do salão. Havia uma escadaria de pedra meio escondida por ali, iluminada por três fracos archotes presos à parede. Horácio não lembrava de ter visto um segundo andar na mansão quando a olhara pelo lado de fora, mas as coisas pareciam ser naturalmente esquisitas naquela casa, então deu de ombros e começou a subir os degraus. Às suas costas, ouviu mais alguns risinhos vindos das primas mais jovens, e percebeu pela visão periférica que Celestina corava de vergonha. Mas a menina não pestanejou e não parou de subir. Ele foi atrás sem dizer uma palavra.
O segundo andar era baixo, com altura suficiente apenas para que não batessem a cabeça no teto. Tinha cheiro de coisa guardada, capim cortado e tabaco, tudo ao mesmo tempo.
Celestina aproximou-se da única porta aparente, e bateu de leve na madeira com o nó dos dedos:
"Vó Diná?"
Silêncio.
"VÓ DINÁ?" dessa vez, Celestina usou os punhos.
Uma voz ressequida e totalmente encarquilhada respondeu lá de dentro. Era incrivelmente forte, porém:
"Quem é?"
"Celestina, sua sobrinha-bisneta."
"Celestina..." a voz remoeu o nome lentamente, fazendo força para lembrar. "Quem diabos é Celestina?"
A jovem bruxa suspirou.
"Seu Raio de Sol, vovó..."
"AAAAH" a voz gritou imediatamente. "Porque não disse logo que era você?"
A porta começou a ranger com o que parecia o som de um milhão de trancas e fechaduras girando. Um pó fino caía do teto. Depois, a maçaneta se mexeu e a porta finalmente abriu, revelando uma figura risonha que abria os braços para eles.
Nada poderia preparar Horácio para aquela visão. Seu cérebro gritava para que ele sorrisse de volta e fosse simpático, como mandava a boa educação, mas era mais provável que estivesse com a boca aberta e os olhos arregalados.
A senhora à sua frente desafiava o conceito do que é uma pessoa idosa.
Ela não era enrugada...era praticamente amassada, como um papel pardo de embrulhar pão que tivesse sido mastigado por um cachorro. Sua pele tinha incontáveis traços grossos, as veias saltavam em diversos pontos, os dedos das mãos retorcidos e compridos apertando uma bengala. Usava uma fina camisola de seda branca semi-transparente, que não deixava muito para a imaginação (não que Horácio estivesse tentando). O tecido perolado destacava seus olhos, baços e leitosos pela ação da catarata. Seu sorriso era surpreendentemente largo para alguém com tanta pele solta, e as gengivas rosadas eram desprovidas de qualquer vestígio de dentes.
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Mamãe Vai Comer Meu Fígado
HumorUma história honesta sobre bruxas, samambaias e técnicos de tv a cabo.