O sol foi se pondo, sumindo pouco a pouco no horizonte como um grande orbe dourado. Deu lugar a uma noite bonita, de céu claro e repleto de estrelas, porém sem lua. Uma noite perfeita para atividades ilícitas.
Por volta das 20:30, um furgão preto de serviço estacionou na rua semi deserta do galpão da Mr Ian Woods. Um rapaz moreno, de boné e jaqueta da empresa, saiu do veículo e aproximou-se de do poste de luz com uma escada. Talvez, para um observador mais atento, pudesse parecer estranho que uma companhia de tv a cabo atravessasse seu cabeamento por aquela esquina esquecida e abandonada. Mas as pessoas não costumam prestar muita atenção nessas coisas.
Enquanto isso, a alguns metros dali, uma jovem loira passeava com seu cachorro obeso.
Ok, todos em posição. Estamos aguardando as ordens de Horácio.
Tilda odiara ter tantos raminhos arrancados de si de uma única vez, mas precisava admitir: estava amando ser o cérebro tátil da operação. Embora somente Celestina pudesse escutá-la, a planta podia ouvir a todos e conhecia a situação geral do grupo com exatidão. Se Tilda fosse uma pessoa, e tivesse uma cabeça como todo mundo, provavelmente estaria usando um daqueles headsets modernos e óculos escuros, só para parecer uma agente secreta. Mas por enquanto ela era somente uma planta inanimada na casa de Seu Rubem, cuja televisão passava o dia todo ligada no canal de esportes.
Celestina, porém, usava óculos escuros. Olhando para os lados para verificar se não havia ninguém por perto, saiu do caminho de terra batida por onde caminhava e embrenhou-se com Ícaro pelo matagal que circundava o galpão. O mato batia na altura dos joelhos, e o cachorro à sua frente produzia um barulho engraçado de vegetação triturada conforme avançava com a pança. De sua posição, ela conseguia ver as luzes do galpão acesas e o grande caminhão estacionado bem ao centro. Silhuetas passavam para lá e para cá, montando guarda, mas as pessoas estavam mais preocupadas em monitorar a rua do que o terreno baldio vizinho, de modo que a garota permanecia despercebida. Quando chegou perto o suficiente, abaixou-se na grama e abraçou a cabeça do pitbull para mantê-lo parado. Fez uma prece para que nenhuma cobra ou aranha cruzasse seu caminho e aguardou, sentindo as pontas dos dedos formigarem de ansiedade.
Horácio posicionou a escada e atou seu cinto de segurança, mas não subiu. Preferiu ficar de costas, o rosto colado junto ao poste, e abriu a tampa do notebook. Com um toque numa tecla, algo dentro do furgão começou a emitir sinais imperceptíveis aos sentidos humanos. As câmeras do galpão, porém, detectaram o padrão imediatamente.
"Só mais um pouquinho..." o rapaz murmurou, mordendo o lábio inferior.
Cada câmera possuía um pequeno LED lateral, uma luzinha esverdeada que indicava seu funcionamento. De repente, todas as luzinhas ficaram vermelhas.
"Pronto, Tilda" disse Horácio, apertando o raminho recém colhido que descansava no bolso da jaqueta.
As câmeras foram derrubadas. Repito: as câmeras foram...
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Mamãe Vai Comer Meu Fígado
HumorUma história honesta sobre bruxas, samambaias e técnicos de tv a cabo.