"Está vendo alguma coisa?" a cabeça de Celestina surgiu por entre uma moita, algumas folhas secas emaranhadas em seu cabelo.
Horácio rastejou a seu lado, aparecendo por baixo da sebe florida.
"Parece uma residência bem simpática pra um criminoso..."
De fato, pensou Celestina, sua mãe estaria profundamente decepcionada se pudesse ver a moradia do homem com o qual fizera uma herdeira. A casa de Javier Hernandez era espaçosa, branquinha, com o gramado aparado, varanda arejada e jornal sendo entregue na porta. A coisa mais sem graça e comum que um ladrão poderia desejar, e em nada se parecia com as residências mágicas da família Hypatia, que mantinham-se de pé graças a cuspe, orações e raízes. Aquele lugar parecia o cenário de algum filme de comédia americano. Até as flores da sebe eram milimetricamente bem espaçadas e podadas.
Dentro da casa, tudo parecia silencioso. O professor ainda encontrava-se no campus.
"Vamos entrar?" perguntou Celestina.
"O que? Entrar?" Horácio ergueu a cabeça para ela. "Isso é invasão de propriedade privada!"
"Você vai ficar assim nervoso sempre que formos cometer algum crime? Porque ainda temos um longo caminho de ilegalidades até recuperarmos a varinha...Além disso, eu fui roubada primeiro."
Horácio pegou-se pensando que talvez Celestina tivesse puxado mais coisas ao pai do que simplesmente o cabelo amarelo. Ainda assim, espremeram-se por baixo da sebe e avançaram sobre o gramado.
A porta da frente estava trancada, obviamente, embora tenham tentado abrir mesmo assim. Não eram ladrões profissionais, vale salientar.
Deram a volta na residência, testando janelas e maçanetas. Tudo muito bem lacrado.
"Tudo bem" disse Horácio, arregaçando as mangas e abaixando-se próximo a fechadura da porta dos fundos para espiar o trinco. "Vamos ver se aqueles tutoriais da internet funcionam."
O garoto tirou um clipe metálico do bolso, entortou a ponta e começou a cutucar a abertura da chave. Celestina olhava ao redor, nervosa. Nunca havia invadido uma casa antes, e não estava colocando lá muita fé nas habilidades de Horácio como arrombador. Porém, por mais incrível que pareça, a fechadura emitiu um clique agudo, girou e abriu.
Os jovens ficaram se encarando por um momento, brancos como papel. A porta estava entreaberta, mas nenhum dos dois mostrava-se à vontade para dar o primeiro passo. Por fim, Celestina limpou a garganta e falou, tentando aparentar algum grau de confiança:
"É por uma boa causa. Vamos."
A bruxa avançou pé ante pé pelo ambiente de penumbra. O sol poente era apenas uma luminosidade tênue que entrava pelas janelas, e o restante da casa continuava em silêncio. O coração de Celestina batia forte, martelando nos ouvidos, tanto pela situação de perigo quanto pela falta de Tilda e pela emoção de estar olhando para a vida de alguém que compartilhava 50% de seu DNA com ela.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Mamãe Vai Comer Meu Fígado
HumorUma história honesta sobre bruxas, samambaias e técnicos de tv a cabo.