Sair do museu foi uma tarefa relativamente mais tranquila do que entrar. Não cruzaram com ninguém na área restrita aos funcionários e conseguiram chegar ao saguão sem nenhum contratempo. A parte árdua mesmo foi arrastar o vigia dorminhoco até sua poltrona, ajeitando braços e pernas pesados como sacos de cimento numa posição confortável e banal. Sem a proteção do zumbido insistente dos servidores, precisavam voltar a conversar aos sussurros.
"Meu Deus, como ele pesa!" disse Horácio rangendo os dentes.
Celestina tentou dobrar o cotovelo do vigia para que seu braço apoiasse o peso do próprio rosto no balcão da recepção. O resultado foi um cotovelo escorregando de seu apoio e a testa do pobre homem batendo com uma sonora pancada no tampo de mármore.
"Shhhh!" Horácio ralhou.
"Ele escorregou, foi mal!" ela tentou se desculpar ainda sussurrando. "Acha que ele tá bem?"
Esse barulho foi a cabeça do cidadão??
"Ele tá bem...eu acho. Deve estar. Deixa ele aí!"
Celestina passou a mão uma última vez para colocar os cabelos do vigia no lugar e verificar o galo que começava a se formar em sua testa.
"Coitado, Horácio! Se ao menos eu tivesse trazido alguma compressa útil para concussões..."
Horácio começou a puxar a menina pela manga da camisa:
"Anda, precisamos ir!"
Os dois espiaram a rua em frente à entrada do prédio: deserta. Atravessaram as portas de vidro e baixaram as barras de ferro, unindo-as com os cadeados que ainda estavam dependurados em suas respectivas correntes. Quando ouviram o último 'click' metálico, afastaram-se apressados até a esquina seguinte, onde o rapaz fez voltar à normalidade o funcionamento das câmeras e rádios do museu.
A dupla caminhou em completo silêncio até o furgão preto. Horácio ainda teve presença de espírito suficiente para entrar na farmácia 24h, rodar por alguns minutos e depois sair de lá segurando alguma coisa numa pequena sacola plástica. Teoricamente, aquela atividade despretensiosa serviria para despistar possíveis perseguidores e também para conseguir álibis entre os vendedores da farmácia.
"Pronto?" perguntou Celestina que o esperava dentro do veículo, apoiada no volante.
"Pronto" o garoto jogou o saquinho plástico em cima do colo dela. A menina deu uma espiada lá dentro e arregalou os olhos.
"Preservativos?" ela ergueu os olhos aboticados para ele com as bochechas coradas de vergonha.
HAHAHAHA
Horácio também ia ficando mais e mais vermelho enquanto tentava explicar seu raciocínio puramente profissional:
"São quase 4h da manhã de uma noite de sexta-feira, no meio de um bairro que só tem atração cultural. A gente deve estar parecendo um casal, porque obviamente não somos parentes. Paramos numa farmácia" ele enumerava cada motivo nos dedos da mãos. "Não estou bêbado. Não sei fingir que estou passando mal e você fica me esperando no carro. O que mais eu poderia estar comprando? Era isso ou teste de gravidez!"
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Mamãe Vai Comer Meu Fígado
HumorUma história honesta sobre bruxas, samambaias e técnicos de tv a cabo.