Prólogo

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Andy recusara mais uma missão. O anjo mensageiro amado por todos os irmãos, desejava almejar um cargo melhor, pois considerava que ser da Guarda dos anjos mensageiros um dos cargos mais inúteis que já recebera em todos os seus 25 anos celestiais.

Gabriel adorava sua competência, e por isso, dava à ele missões que nenhum outro ser celestial de seu mesmo cargo já recebera. Andy orgulhava-se de tudo isso e proferia sempre contente o quão suas missões nunca tiveram uma falha sequer.

Andy desejava deixar uma marca. Uma marca a qual Gabriel deixou, a qual faria até mesmo os mortais lembrarem-se dele como um verdadeiro herói, ou algo assim.

Era a segunda vez que Andy havia recusado uma missão, por quem sabe, puro orgulho. Um orgulho jamais ferido. Andy desejava ser um arcanjo ou até mesmo, um anjo da Guarda. Não um anjo da guarda qualquer; desejava ser apenas o anjo da Guarda de uma humana em especial.

A tarefa de ser um anjo da Guarda não é uma das mais fáceis. Andy sabia disso, pois sempre via o quão atarefado eram os seres celestiais deste cargo. Mas ao menos, Andy ainda podia observar a humana que chamara sua atenção.

Mesmo de longe, sentia algo que era proibido aos anjos: amor. Sentir amor pelos humanos como uma espécie de misericórdia poderia até ser considerável "passável", entretanto apaixonar-se por um humano ao ponto de ignorar todos seus princípios impostos desde o nascimento, é considerado uma cruel traição. Anjos, arcanjos e vários outros que chegavam à esse ponto, eram castigados: com suas asas arrancadas eram sujeitos a permanecerem o resto de sua eternidade servindo Lúcifer em seu reino tão famoso e tão temido, pelo menos para alguns.

Andy não importava-se com todas essas coisas, ou pelo menos fingia não importar-se. Os sentimentos que sentia pela moça eram os mais puros e quanto à isso, ninguém poderia dizer o contrário. Ele a amava e sabia muito bem o preço que deveria ser pago se caso o clero soubesse de seus sentimentos.
Ah, claro, o clero. O único poder abaixo de Deus. Faziam parte do clero todos os arcanjos, pois apenas eles decidem o destino de seus irmãos rebeldes.

Andy já pensara na loucura de descer à Terra e vê-la de perto, mas como dito anteriormente: loucura. O clero logo descobriria e esse seria simplesmente o fim de seus 25 anos celestiais e de sua reputação tão bem vista.

Andy buscou conselho em seu único irmão mais próximo. Mais próximo ainda que Gabriel: Logan. Logan também era apenas um anjo mensageiro e orgulhava-se de sua função, pelo menos era possível ver um sorriso falso em seu rosto quando tal assunto era citado.
- Vá atrás dela, irmão. - disse Logan encorajando-o.

Ainda que tudo soasse como seu passaporte para o submundo, Andy acreditava que poderia existir uma brecha. Em sua cabeça, tudo há sempre uma brecha.

Apesar de tudo, Andy era tomado por sua própria inocência. Não conseguia ver mal nas pessoas e achava que nunca conseguiria fazer mal à alguém. Diferentemente de Logan. Logan cercava o irmão com sua inveja em estado puro, mas a compaixão de Andy cegava ele próprio das maldades que Logan tramava às escuras, ou até mesmo, bem à sua frente.

- Eu realmente não sei se devo descer, Logan. - disse Andy receoso.

Descer à Terra e ver os humanos de perto, sem o consentimento do clero, era algo desafiador para Andy, o que deixava-o um tanto confuso com seus pensamentos e futuras escolhas.

- Não tenha medo. Eu mesmo já desci inúmeras vezes à Terra e Gabriel nem desconfia. Confie em mim. Tenho certeza que se sairá até melhor do que eu. - cada palavra que Logan proferia era apenas mais mentiras que ficariam cravadas no seu currículo imaginário de pecados. Logan não importava-se nem um pouco. O único desejo era ver o próprio irmão cair e deliciar-se com sua queda.

Andy encheu-se de coragem após ouvir cada palavra falsa, mas que para ele soavam em um tom confiante de um irmão mais velho, que no fundo só queria vê-lo bem. Pobre Andy, mal sabia que seu destino amaldiçoado começava ali.
***
Descer à Terra e assumir uma forma humana: sonho de muitos, coragem de poucos. Andy procurava sua amada pela pequena cidade, porém, como se seu destino estivesse sabotando seus próprios passos, encontrou aquela que talvez romperia o resto de sua inocência.

Aquela que já usufruiu de sua própria forma humana várias vezes, procurava alguém para "brincar" e satisfazer seus desejos. Os olhos de um azul profundo pareciam brincar com a mente do jovem anjo, sufocando-o. Sorria de forma cínica e não tinha receio em apresentar-se para o anjo à sua frente.

- Um anjinho na Terra? Imagino que não esteja aqui em uma missão. - proferia as palavras enquanto sorria.

Andy recusava-se em responder qualquer coisa que o demônio à sua frente dissesse. Afinal, já estava na Terra sem a permissão de qualquer membro do clero. Seu destino já estava traçado ao fracasso e a dor que ele mesmo escolhera, mas então, porque não aproveitar mais um pouco sua estada ao lado dos humanos?

- Não estou em uma missão. Espero que você não seja quem estou pensando que é.

O demônio divertiu-se com as palavras ditas.

- Você sabe muito bem quem sou eu, anjinho. Sabe que já fui considerada várias coisas durante milênios mundo afora. Deusa, demônio... Escolha o que preferir. - lançou mais um de seus sorrisos cínicos, fazendo com que os pensamentos de Andy, pela primeira vez, começassem a desejar atos carnais. Poderia-se dizer que Andy já estava entregue aos encantos do demônio, mesmo com apenas algumas palavras trocadas.

- Sei bem o que quer, anjinho. Posso ajudar você, caso queira entregar-se à mim de uma forma que sei que não irá se arrepender.

O que Andy estava pensando? Entregar-se à Lilith, considerada um dia a deusa do sexo por tantas mitologias antigas. Citada até mesmo em textos históricos em relação à bíblia.
Andy sabia muito bem a história que a cercava. Sabia que ela se juntara aos anjos caídos, seus antigos irmãos que agora dominam com Lúcifer o temido submundo.

- De acordo, anjinho? - perguntou sibilando, exatamente como uma cobra.

- De acordo.

***
O que para os humanos teria passado-se 2 meses, para Andy parecia haver passado quase uma eternidade. O ano na Terra era 1837. A época do ano era a exata para ir em festas e perder-se em meio à vários copos de bebidas revirados. Lilith mostrou à Andy o mundo que ele sabia que existia, porém essa visão sempre foi totalmente privada de seus olhos.

Andy se perdera. Dormia e acordava com inúmeras mulheres, as quais o mesmo nem ao menos lembrava os nomes e que em menos de horas, esquecia-se inclusive seus rostos.

Do outro lado da cidade de Castle Combe - ou melhor, um pacato vilarejo no interior da Inglaterra - uma garota passava as férias na mansão de sua tia, com sua única prima para lhe fazer companhia. Na varanda da janela onde passava noites em claro, sonhava acordada imaginando o dia em que saíria finalmente de perto dos pais e conheceria o mundo exatamente como ele é. Crescer e casar-se não estava em seus planos, e talvez nunca esteve.

A moça, de apenas 17 anos, foi prometida à casamento. Nada podia fazer e o conformismo perante à essa situação lhe sufocava.

- Katherine, seu noivo chegou. - disse sua prima Maria, anunciando a péssima notícia.

Katherine suspirou, desejando que alguém a tirasse daquela situação em que seus pais obrigavam-na a permanecer.
***
Uma festa. Um baile para comemorar o noivado de Katherine com seu noivo rico e jovem. O noivo porém, não compareceu à festa. Todos os convidados estavam bêbados e sorridentes demais para importarem-se com esse pequeno detalhe. A única mente inquieta daquela festa além de Katherine - que desejava voltar ao próprio quarto e permanecer no cômodo até o fim do baile - era a de Andy, que após vários dias, resolveu ir em busca de Katherine, a humana a qual havia apaixonado-se. Encontrou-a sozinha no salão, enquanto sorria para os convidados de forma calorosa.

Andy não fazia idéia que a festa comemorava o noivado de Katherine e sem hesitar, aproximou-se dela.
Naquela mesma noite, os lábios dele encontraram-se com os dela pela primeira vez. E a partir daquele momento, o destino de ambos fora traçado não apenas por suas escolhas, mas também pelo amado irmão de Andy.

Meu CarmaOnde histórias criam vida. Descubra agora