Capítulo 20

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   Após um longo e quente banho e roupas limpas me sentia bem mais leve, para minha surpresa ainda havia muitas roupas e pertences meus ali de quanto seu Emanuel me acolheu , um garoto desesperado e completamente sozinho. Concluí que minha cota de gratidão com ele não havia fim.

  Um cheiro de comida começou a invadir toda a casa e atiçar meu estômago, foi quando me dei conta de que estava sem comer nada desde a noite passada, naquele momento estava faminto, segui aquele cheiro até a cozinha quase como hipnotizado.

- Aqui está.

   Seu Emanuel deixou sobre a mesa dois sanduíches e sorriu levemente para mim, me sentei imediatamente, aquela visão estava fazendo meu estômago furioso resmungar cada vez mais alto.

- Não tenho ideia de como agradecê-lo por tudo que faz por mim.

- Apareça amanhã para trabalhar no horário e estarei satisfeito.

    Não consegui evitar sorrir, seu Emanuel era um homem ligeiramente simples, mas muito cabeça dura jamais aceitaria nada que eu o desse como uma forma de agradecê-lo.

- Eu prometo, irei direto para casa.

- Não vai conversar com Anne ainda hoje ?

- Está ficando meio tarde...

- Ou está tentando ganhar tempo, ainda não tem certeza do que dizer ?

- Não é isso, só estou um pouco inseguro.

- Com o quê ?

- Com a reação dela.

- E do que você tem medo ?

- De não saber o que esperar, é a primeira vez que tento concertar as coisas com uma garota que magoei.

- Acho que só tem um jeito de descobrir, arrisque-se. Por que não começa retornando a ligação dela ?

   Estava pronto para desconsiderar a ideia de imediato, mas me calei concluindo que seu Emanuel tinha razão, e entre as entrelinhas do que ele havia dito, deixou claro que já estava na hora de parar de ignorar as consequências das minhas atitudes mesmo inconscientes.

- Pense bem...

Terminei de comer os sanduiches e me levantei pegando meu celular sob a mesa.

- Se importa se eu sair para dar uma volta na fazenda ?

Ele apenas sorriu satisfeito.

- De maneira alguma, estarei na garagem.


    A fazenda toda havia sido mergulhada em total silêncio, os únicos sons audíveis eram os que eu já havia me habituado e conhecia bem, confesso que até gostava.

   As cigarras costumavam cantar a noite toda acompanhadas de uma canção entoada pelos grilos, era um som aconchegante, ajudava a relaxar e sentir a tranquilidade que era aquele lugar. Quando seu Emanuel abriu as portas de sua casa para mim e me abrigou, por noites essa cantoria invadia meus sonhos e ajudavam a me tranquilizar diminuindo a frequência com que eu costumava ter pesadelos.

   Subindo por entre as grandes jabuticabeiras que seu Emanuel cultivava dava para ouvir o som da cachoeira ao longe, era e continua sendo um dos meus lugares preferidos neste lugar. Eu costumava me sentar lá os fins de tarde, sujo de graxa depois de uma longa tarde implorando para ajudar seu Emanuel a desmontar e concertar carros. Eu ficava ali, descansando em silêncio, apenas absorvendo a paz do lugar, gostava de ouvir a natureza e responde – lá com sorrisos e suspiros, ficava ali até o sol se pôr no horizonte colorido.

   E lá estava eu de novo, buscando paz e calmaria. Observando a minha volta confesso que a noite aquele lugar soou diferente para mim, havia algo mais atraente por aquelas águas, pelo céu incrivelmente estrelado, pela lua tão iluminada lá em cima, eu quase podia dizer que ela estava sorrindo pra mim... De repente ouvi um carro se aproximar na estrada e estacionar próximo a fazenda, desconfiei um pouco de quem poderia ser tão tarde da noite e considerei voltar para me certificar de que estava tudo bem.

   A fazenda de seu Emanuel se encontrava um pouco afastada da cidade, aonde não havia nenhum parente seu que morasse  lá, nem muitos amigos que costumassem o visitar, e todos sabiam que ele gostava muito de ficar sozinho – era um dos motivos que morar afastado de tudo – porém um ladrão não faria tanto alarde já que as luzes da fazenda estavam todas apagadas, então considerei ser um cliente ou alguém com problemas urgentes no carro, ele era muito conhecido pela cidade por sempre estar disponível para concertos até fora do horário. Resolvi continuar por ali se precisasse de algo viria me chamar como costumava fazer.

    Liguei a lanterna do meu celular e em seguida comecei a procurar olhando com atenção a minha volta por um grande toco de madeira de uma das árvores mais antigas de seu Emanuel que caiu durante uma forte tempestade, depois disso ele a transformou em uma espécie de banco pra mim e era lá que eu sempre costumava me sentar, se fosse a luz do dia eu iria até ele sem nenhuma dificuldade, mas a noite e no escuro eu não sabia ao certo aonde ele ficava.

    Não ficava muito próximo a cachoeira, mas de onde se encontrava dava para vê – lá em uma visão no mínimo inspiradora por entre as árvores.

    Um pouco mais de atenção andando pelo lugar eu o acabo achando, sorrio quando o vejo, me traz boas lembranças estar ali... Um sentimento bom de saudade e inocência me invadem imediatamente enquanto caminho até ele, o limpo de galhos secos e me sento.

   Não consigo evitar de olhar para cima, para aquela imensidão negra com pontos brilhantes que me fazem sonhar acordado, o céu é uma coisa extraordinária , sempre que me permito olha-lo, sozinho, no meu completo silêncio, sinto uma conexão comigo mesmo, com o cara que eu costumava ser.

   Aos poucos me lembrei do real motivo de estar sentado aqui agora, desbloqueei meu celular e procurei pelo número de Anne, porém quando estava prestes a ligar ouvi algo, ou melhor alguém se mexer entres as árvores desviando minha atenção... Se aproximava vagarosamente na direção da cachoeira, me levantei e percebi que as luzes da fazenda também haviam sido acesas pelo pouco que pude perceber já que sua claridade não iluminava por ali.

   Guardei o celular no bolso  e me aproximei atento. Cheguei mais perto  devagar, e então vi longos cabelos ruivos esvoaçando com uma brisa serena.

Era uma garota...


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